Bernardo Bittar, Paulo de Tarso Lyra
postado em 02/11/2017 09:57
A crise entre Rio e Brasília após as acusações feitas pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, de que a cúpula da Polícia Militar é dominada pelo crime organizado, só aumenta. Para tentar amenizar os efeitos do confronto, o Palácio do Planalto decidiu blindar Torquato e não se pronunciar oficialmente sobre o assunto, para tentar conter os estragos. Mas eles se alastram. Ontem, em entrevista ao programa CB.Poder, uma parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que a cidade do Rio tornou-se refém dos criminosos, abolindo da teia social a figura da rua como espaço de convivência. ;Um milhão e 100 mil cariocas estão em um regime de exceção, sem direitos e garantias constitucionais. Eles estão sob um comando da tirania do crime organizado, o que é de uma grande gravidade;, resumiu.
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Por um caminho reverso, Jungmann chegou ao mesmo raciocínio de Torquato. ;Quem tem controle do território tem o voto que termina penetrando nas instituições. Aí, o crime se torna uma ameaça e uma ameaça grave, à sociedade, às instituições e à própria democracia; (leia mais na página 3). Torquato, após ser criticado pelas autoridades públicas fluminenses, não recuou e repetiu as duras palavras ditas na terça-feira. E foi além. Ele disse ter informação de que ;R$ 10 milhões são gastos na Rocinha por semana com ;gato; de energia elétrica, TV a cabo, controle da distribuição de gás e o narcotráfico;. Em um espaço pequeno, qualificou o ministro, ;você tem um batalhão, uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) lá. Como aquilo tudo acontece sem o conhecimento das autoridades? Como passa na informalidade?;
De acordo com Torquato, embora as investigações da inteligência federal não se voltem para condutas individuais ou de batalhões específicos, os dados apontam a necessidade de apurar ;toda uma linha de comando;. Sobre a associação de policiais em postos de comando com o crime organizado, Torquato voltou a afirmar que ela existe e que há dados oficiais do estado que comprovam isso. ;Existe um serviço de inteligência sobre tudo que eu falo. Todo serviço de inteligência é sigiloso. Você não pode dizer quem, quando, como;, destacou.
O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) deu entrada em uma representação no Ministério Público do Rio de Janeiro pedindo que sejam investigadas as acusações do ministro da Justiça. ;As informações são gravíssimas. Diante da inércia dos poderes executivos federal e estadual, estamos pedindo que o Ministério Público tome as devidas providências e responsabilize penalmente quem for encontrado culpado;, disse.
Troca de comando
A cúpula do poder fluminense irritou-se de vez e decidiu que vai processar o ministro da Justiça. Do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, aos comandantes da Polícia Militar, todos vão questionar as declarações dadas por Torquato. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou as palavras do ministro de ;infantis; e ;irresponsáveis;.
;Fiquei perplexo esperando o recuo do ministro. Em vez do recuo, ele deu uma longa entrevista reafirmando as acusações graves e relevantes. Parece uma inversão de valores. Ou duas coisas: uma empolgação juvenil ; que não cabe pela experiência, idade dele ; ou uma vontade não proposital inclusive de ajudar os bandidos ; que foi o que basicamente ele fez dando informações do governo;, afirmou Maia.
Pezão, por sua vez, indicou um novo corregedor-geral para a PM do Rio. A primeira tarefa do coronel Jorge Fernando de Oliveira Pimenta será tentar resolver o mal-estar. A chefia da Corregedoria Interna da PM estava vaga desde que o coronel Wanderby Braga de Medeiros foi exonerado do cargo, logo após a morte da espanhola Maria Esperanza Ruiz Jimenez, baleada depois de um passeio turístico pela favela da Rocinha, em outubro.
Além disso, Pezão se reuniu ontem com a cúpula da PM na sede do governo, mas não houve um comunicado oficial sobre o que foi conversado. A avaliação na Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ) é que o encontro tenha sido para alinhar as diretrizes de defesa contra as acusações do ministro. Além de criticar o governo e a polícia, Torquato desafiou ;qualquer um; a dizer o contrário.
Para o presidente da Assembleia do Estado do Rio (Alerj), Jorge Picciani (PMDB), a ;lamentável declaração; é fruto de desconhecimento ou má-fé. ;Deputados felizmente não interferem na política de segurança do Rio há pelo menos 11 anos;, afirmou o parlamentar. Picciani avalia que Torquato Jardim deveria estar preocupado com a entrada de armas ilegais no Rio e o aumento da violência no país como um todo.