Politica

Segóvia presta contas ao STF sobre declarações dadas à imprensa

Em meio a indefinições sobre a estrutura do Ministério da Segurança, diretor-geral da PF se encontra com magistrado para prestar esclarecimentos sobre declarações dadas em entrevista

Renato Souza
postado em 19/02/2018 06:00

Em meio a indefinições sobre a estrutura do Ministério da Segurança, diretor-geral da PF se encontra com magistrado para prestar esclarecimentos sobre declarações dadas em entrevista


O delegado Fernando Segóvia assumiu o cargo mais importante da Polícia Federal em 20 de novembro do ano passado. Nomeado com a tarefa de sanar problemas que ocorreram durante os sete anos de gestão de seu antecessor, Leandro Daiello, a recepção de Segóvia não foi das mais fáceis. Ele ingressou na direção-geral da corporação sob os olhos da sociedade e em meio à desconfiança da categoria. Ao fim dos três meses de sua gestão, ele atingiu o ápice de uma crise que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, Segóvia vai ficar frente a frente com o ministro Luiz Roberto Barroso, após fazer declarações sobre uma investigação que corre contra o presidente Michel Temer.

Assim que tomou posse, Segóvia tentou se afastar das acusações de que poderia interferir no trabalho da Operação Lava-Jato ou nas demais investigações realizadas pela PF. Na cerimônia de posse, afirmou que iria unir delegados e agentes, que realizaram diversos embates ideológicos na gestão anterior e aumentar as equipes de investigação. De fato, em janeiro deste ano, a equipe do Grupo de Inquéritos do Supremo Tribunal Federal (Ginq) teve aumento no número de integrantes. Essa equipe é exatamente a que atua nas ações contra políticos que correm no Supremo. Antes, eram 53 servidores, que, com o acréscimo de pessoal, chega agora a 85. O número de delegados também saltou, de nove para 17. A medida acalmou temporariamente os ânimos dentro da corporação.

Outra ação, realizada por Segóvia nos primeiros 90 dias em que está à frente da PF, foi o início das negociações para reforço de pessoal e criação de uma tropa fardada para o grupo que atua nas fronteiras do Brasil com os demais países da América do Sul. Uma das principais reclamações é a falta de investimentos nos equipamentos policiais que atuam nessa região estratégica para a segurança pública do país. Mas todas as conquistas foram por água abaixo após uma entrevista concedida à agência Reuters, em que Segóvia indica que o inquérito contra o presidente Michel Temer que tramita no STF seria arquivado.

Insatisfação

As declarações caíram como uma bomba dentro da corporação. As reações foram imediatas. Um memorando enviado pelos integrantes do Ginq ao delegado Eugênio Ricas, chefe do setor de investigação, retratou a insatisfação dos delegados. O grupo informou que os responsáveis pelas investigações vão denunciar ;qualquer tipo de interferência em seu trabalho;. Ricas respondeu afirmando que ;as investigações vão continuar, doa a quem doer;. É a primeira vez que esse tipo de manifestação interna contra o diretor-geral é oficializada. Entre os integrantes da PF, em Brasília, o temor foi de um efeito cascata, de total descontentamento. ;A insatisfação não foi uma surpresa, mas a reclamação formal, sim. A impressão que fica é que, a qualquer hora, algum grupo vai se revoltar, e isso poderia gerar um efeito dominó, afetando todos os setores. Poderia representar o início de uma insubordinação generalizada;, afirma um integrante do alto escalão, que prefere não se identificar.

O professor José-Matias Pereira, doutor em ciência política da Universidade de Brasília (UnB), afirma que é necessário mais tempo para avaliar a gestão de Segóvia. No entanto, ele ressalta que é necessário que o representante máximo da Polícia Federal mantenha distância de atos políticos. ;Em um cenário como o atual, em que temos um presidente com duas acusações arquivadas e uma em andamento, é natural essa desconfiança em relação a uma aproximação entre o diretor-geral da PF e o chefe do Executivo. Mas nesse começo de gestão é difícil avaliar. É inegável que existe um clima de insatisfação dentro da corporação, que é uma instituição que precisa manter sua credibilidade junto à sociedade;, afirma.

Manter a confiança de uma instituição com 20 mil integrantes, entre policiais, delegados e investigadores, não é tarefa fácil. Segóvia assumiu a gestão da PF em meio a maior operação de combate à corrupção da história. A Lava-Jato alcançou a cúpula do Poder Executivo e do Legislativo, não só no período de gestão atual, mas também nas anteriores. Somente no Paraná, onde a operação mais avançou, foram instaurados 1.765 procedimentos para investigar suspeitas de crimes, 282 pessoas foram denunciadas. No STF, correm 124 inquéritos contra pessoas com foro privilegiado.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva, destaca que a crise interna está crescendo a cada dia. ;Está havendo um avanço na gestão. Os nomes escolhidos para as superintendências são bons. Mas essa proximidade com o presidente da República causa desconforto. Hoje, temos um clima de desconfiança muito grave dentro da polícia. Estamos tentando superar, mas a situação apenas se agrava.;

O depoimento


O encontro de Fernando Segóvia com o ministro Barroso será às 17 horas, de acordo com o gabinete do ministro. O delegado terá que explicar o que fundamenta as declarações sobre o inquérito contra Temer. O ministro pode pedir abertura de investigação contra ele. ;Tendo em vista que tal conduta, se confirmada, é manifestamente imprópria e pode, em tese, caracterizar infração administrativa e até mesmo penal, determino a intimação do Senhor Diretor da Polícia Federal, delegado Fernando Segóvia, para que confirme as declarações que foram publicadas, preste os esclarecimentos que lhe pareçam próprios e se abstenha de novas manifestações a respeito;, diz um trecho do despacho de Barroso.

Segóvia diz que não comenta o assunto. Mas, em nota enviada para colegas da PF, ele afirma que ;nunca disse à imprensa que o inquérito será arquivado; e que, inclusive, destacou que a investigação é conduzida com ;independência e isenção;.

Cronologia das controvérsias

19 de novembro de 2017
; Em entrevista exclusiva ao Correio, Fernando Segóvia critica a condução do inquérito contra Temer e o fato de ;uma única mala ser usada como prova;.

20 de novembro de 2017
; O diretor-geral da PF toma posse oficialmente. Ao ser questionado sobre a entrevista publicada no dia anterior, ele reafirma que ;uma só mala não prova nada;, mas destaca que ;as investigações contra Temer vão continuar;.

15 de janeiro
; Em encontro não previsto na agenda, Temer se reúne com Segóvia. A reunião ocorreu na semana em que o presidente respondeu a 50 perguntas feitas pela PF. O diretor disse que pediu ao presidente a criação de um grupo fardado da PF para atuar nas fronteiras.

18 de janeiro
; O delegado Felício Laterça é indicado para a superintendência do Rio de Janeiro, ele é investigado por suposta ligação com políticos

02 de fevereiro
; Felício Laterça desiste de comandar a superintendência do Rio

9 de fevereiro
; Entrevista de Segóvia à Reuters repercute negativamente após ele falar sobre o inquérito envolvendo Temer


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