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"É inaceitável usar a morte de Marielle politicamente", diz Boulos (PSOL)

Pré-candidato ao Planalto pelo PSol critica notícias falsas divulgadas sobre a vereadora e acredita que partido dobrará a bancada

Paulo Silva Pinto, Letícia Cotta*, Leonardo Cavalcanti
postado em 25/03/2018 08:00
Pré-candidato ao Planalto pelo PSol critica notícias falsas divulgadas sobre a vereadora e acredita que partido dobrará a bancada

A morte da vereadora Marielle Franco, do PSol, trouxe o partido para o centro do debate político. Mas o pré-candidato à Presidência da República Guilherme Boulos afirma que a legenda não pretende se aproveitar da comoção. ;Foi uma atitude cruel, e pensar em fazer qualquer uso político disso é inaceitável;, afirma.
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Em outubro, a expectativa do PSol é dobrar a bancada na Câmara, que atualmente tem seis parlamentares. ;Nossa expectativa é, no mínimo, dobrar. Passar para 12 ou 13, há espaço para isso. O PSol se consolidou, com muita coerência. É uma bancada que se colocou nos momentos fundamentais da vida política.;

Quanto ao Planalto, Boulos não vê problema em a esquerda lançar mais de um candidato. ;Acredito que,no segundo turno, deve haver uma unidade no campo progressista pra vencer a direita e Temer.; Ele afirmar que Lula (PT) deveria participar da eleição, critica Marina (Rede) e afaga Ciro (PDT): ;Tenho diferenças programáticas com o Ciro, que estão colocadas no nosso debate. Mas ele, por exemplo, é contra Temer, foi contra o golpe, defende a democracia, é contra a reforma da Previdência.; Leia a seguir os principais trechos da entrevista, feita na última quinta-feira:

Quem matou Marielle Franco?
É possível afirmar com convicção que foi um crime político. As balas que atingiram Marielle, e terminaram por atingir Anderson, não foram perdidas. Tinham um alvo. Ela era uma das lideranças políticas mais combativas e mais promissoras do Rio. Uma mulher negra, vinda da favela, não tinha medo de denunciar os abusos da polícia e que era contra a intervenção militar. Essa era Marielle, tinha posicionamento, e um ato de barbárie e covardia a calou. Nós exigimos justiça, não só para saber quem matou, mas também quem mandou matar. E também não permitir a tentativa de assassinar a Marielle pela segunda vez, que é distorcer suas ideias, ignorar quem ela representava. As ideias são à prova de bala, e a maior homenagem que podemos fazer é levar adiante aquilo que ela acreditou.

Quem está matando Marielle pela segunda vez?
Tivemos coisas muito perversas. A primeira perversidade foi do próprio Temer, que horas após sua execução, foi à televisão para dizer que o assassinato reforçava a necessidade de intervenção no Rio. Ou seja, tentando usar politicamente o corpo da Marielle para defender algo que ela era contra. Esse é o uso político cínico. É quando nós vemos algumas figuras, como aquela desembargadora que se manifestou, o próprio Fraga no DF, uma figura abjeta... É quando nós vemos, enfim, inventarem, criarem mentiras a respeito da Marielle para tentar desfazer ou minimizar a comoção que sua morte causou.

Mas há uma empatia também, sim? Isso joga luz sobre o PSol.
Não vamos pensar nesses termos. Foi uma morte cruel, uma barbárie. Pensar em fazer qualquer uso político disso é inaceitável. O que nós faremos, e já estamos fazendo, é homenagear a Marielle defendendo as ideias dela. O crime contra Marielle foi um crime de barbárie e contra a democracia. E gerou uma comoção enorme na sociedade por conta disso também. Porque as pessoas viram a forma com que foi feita, foi uma execução, fria, política, nem sequer se preocuparam em disfarçar. Essa batalha é uma batalha pelos direitos humanos, pelo papel e voz das mulheres negras na política, por ideias contra essa intervenção e por um projeto de sociedade mais justa.

A execução foi um recado?
Foi um crime político. Um crime de uma pessoa que exercia uma ação política, tanto no estado do Rio como em nível federal. Isso é muito preocupante, mas não podemos dizer que o que aconteceu foi um raio num céu azul. O clima de intolerância e violência na sociedade brasileira tem se fortalecido há algum tempo. Há um processo de violência contra os mais pobres, de criminalização de movimentos e lideranças sociais. Lideranças sociais foram mortas, crimes no campo por disputas de terra aumentaram, segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra. O avanço de sentimentos de ódio, de intolerância, de sentimentos conservadores, que talvez nem seja o Fraga, a maior expressão disso é o Bolsonaro. Ele ter o papel que tem tido na política brasileira e no debate eleitoral é algo muito preocupante e perigoso em relação a retrocessos. E no caso do Bolsonaro, trata-se de um rematado criminoso, ele é um bandido que pratica crime de apologia à tortura, crime de apologia ao estupro, crime de racismo....

Pré-candidato ao Planalto pelo PSol critica notícias falsas divulgadas sobre a vereadora e acredita que partido dobrará a bancada
"As eleições têm dois turnos, o primeiro turno é um momento em que o debate deve ser feito com as diferentes posições. Eu espero ter a oportunidade de ir pro segundo turno e ganhar as eleições. Mas é natural que haja uma unidade do campo progressista no segundo turno;

Forças de ideias como as dele estão crescendo na sociedade?
Não necessariamente. Em parte, acho que essas ideias sempre existiram e apenas saíram do armário. Encontraram um contexto mais favorável para se expressar sem vergonha. Essa barreira se quebrou.

Quando isso começou a ocorrer?
Creio que os últimos anos marcaram um processo de polarização na sociedade. Talvez até um pouco antes das últimas eleições. Ali o clima já estava envenenado. A disputa de ideias no espaço político passou a lidar com um patamar muito mais acirrado do que tinha sido até então. É natural que tivesse movimentos contrários a Dilma, a própria esquerda tinha críticas quanto ao governo da Dilma. Agora, quando a crítica degenerou para um machismo, misoginia, desqualificação, ataque brutal, isso já revelava também um acirramento. Isso tem a ver com o fato de que a crise econômica se traduziu em imagens de manobra na sociedade. Se nós pegarmos o que foram os 12, 13 anos de governo do PT, foram governos em que houve políticas sociais, mas não houve enfrentamento aos privilégios. Uma espécie de um ganha-ganha, ganhou o andar de baixo e o andar de cima. Ganhou a mineração, construção, mas não se enfrentou por exemplo a estrutura do Estado brasileiro.

Devia ter se enfrentado também os servidores públicos?
Olha, não acho que o servidor tenha que ser enfrentado, e sim que tenha que ser valorizado.

Mas os que ganham R$ 20 mil ou R$ 30 mil não são privilegiados?
Mas, aí, privilégios tem que ser enfrentados. Você tem que começar a atacar privilégios, não o servidor de maneira geral. Quando você fala do servidor, você fala do professor, da creche, do médico, da enfermeira do posto de saúde, que prestam serviços essenciais para o país. Não podemos ignorar o privilégio, ele é a antítese do direito. Nós também não vamos fazer coro num discurso que demoniza o Estado. Até porque ele, muitas vezes, é um discurso hipócrita. Ele parte de setores que ganham muito com o Estado, que querem o Estado mínimo, quando se fala de políticas sociais e de valorização de serviços públicos, mas, quando se trata de isenções para eles, quando se trata de empréstimos privilegiados, quando se trata de exoneração, querem o Estado máximo.

E o senhor fala de que setores, especificamente? A Fiesp?
A Fiesp, a Febraban, parte das entidades federais e patronais do país, que fazem um discurso neoliberal, defendem o Estado mínimo, mas são os maiores devedores e são os primeiros, quando estão com problemas, a pegarem dinheiro do Estado.

O senhor tem sido muito criticado, dentro de grupos da esquerda, em não buscar uma união. Como responde a isso?
Acredito que dentro da esquerda deve ter unidade e ao mesmo tempo respeito a diversidade. Temos unidade e fortaleceremos a unidade em relação a temas fundamentais que são comuns a todas as forças progressistas. A defesa dos direitos sociais, a defesa da democracia, o que implica inclusive na defesa do direito de o Lula ser candidato, oposição ao militarismo, a oposição a tentativas de manobra como semiparlamentarismo que está sendo gestado nessa aliança de Temer-Gilmar, de maneira escusa. Ao mesmo tempo não podemos jogar a diferença para baixo do tapete, não podemos defender que na esquerda temos um pensamento único, não pode ter intolerância. Existem diferenças reais no campo da esquerda, de projeto, de país, e essas diferenças têm que ter oportunidade de se expressar, é saudável para o debate político.

Mesmo que se corra o risco de não se eleger um candidato?
As eleições têm dois turnos, o primeiro turno é um momento em que o debate deve ser feito com as diferentes posições. Eu espero ter a oportunidade de ir para o segundo turno e ganhar as eleições. Independentemente de quem esteja no segundo turno, é natural que haja uma unidade do campo progressista.

O senhor apoiaria o Ciro Gomes?
Eu acredito que no segundo turno deve haver uma unidade no campo progressista para vencer a direita e o campo do Temer.

O Ciro está nesse campo?
Tenho diferenças com o Ciro, diferenças programáticas, que estão colocadas no próprio debate, mas o Ciro, por exemplo, é contra o presidente Temer, foi contra o golpe, defende a democracia, é contra a reforma da Previdência, foi contra a reforma trabalhista;

E Marina, o senhor apoiaria?
Marina Silva cometeu erros importantes, atravessou um rubicão por três meses. Quando a Marina apoia o Aécio no segundo turno, isso é algo grave. Quando ela defende o golpe parlamentar que aconteceu no Brasil e encampa a bandeira do ;Fora Dilma;, isso é algo muito grave. Quando a Marina não se posiciona contra a condenação do Lula, isso é algo igualmente grave. As posições que a Marina Silva tomou acho que a descredenciam no campo da esquerda. Ela queimou pontos.

O PT vai insistir no nome de Lula. É uma boa estratégia política?
Acho que o Lula tem direito de ser candidato. O Lula sofreu uma condenação política sem provas. É natural que o PT queira levar a possibilidade da candidatura até as últimas consequências.

O escândalo da Petrobras, investigações importantes da Lava-Jato, é possível desconsiderá-las?
Em hipótese alguma. O combate à corrupção é essencial no país, independente de filiação partidária.

Então?
Todos nós estamos indignados com as expressões de corrupção no país. Não podemos cair no conto do vigário de que a corrupção na Petrobrás começou ontem. Isso não é real. Aliás, as nomeações políticas, o uso de recursos públicos, facilitação de contratos vinculados a financiamentos de campanha eleitoral, gente, isso é assim há 20, 30 anos. Isso tem que ser enfrentado, o fato de dizer que começou antes não é dizer: ;É normal, é assim;. Isso tem que ser enfrentado, com investigação, mas investigação séria, que não seja seletiva, não dá pra juiz assumir papel de chefe de partido político e escolher réu, escolher quem condena e preserva. Eu não vi até hoje nenhum tucano preso, não vi. Alguém acredita que não foram presos porque não cometeram crimes?

Como se resolve isso?
Com reformas. Eu defendo o financiamento exclusivamente público e, mais do que isso, que sei que também deve significar que não é financiamento nas campanhas de agora, tem que ser um barateamento das campanhas, essa história de campanha eleitoral ser uma Disneylândia não dá para ser assim.

O senhor vai gastar quanto na campanha?
Eu vou ter o que o fundo público destina ao PSol, que o partido está definindo a divisão nas candidaturas presidenciais, proporcionais e as demais.

Se um banqueiro quisesse ajudar a campanha do PSol, aceitaria?
Olha, francamente, com tudo que eu estou falando aqui, duvido muito que algum banqueiro ou empresário queira financiar nossa campanha. Mas nem a pau, nem a pau. Devolvo pelos Correios, nem passo perto. Banqueiro, hoje, no meu entendimento, atua como um inimigo do país. Os bancos brasileiros se comportam como uma coisa de rapinagem e espoliação lesa-pátria. Os bancos com uma taxa acima da internacional, o maior spread bancário do mundo, 32%, não pagam impostos de toda arrecadação tributária do Brasil, menos de 2% são imposto sobre tributação financeira. Não tem arrecadação de lucros e dividendos, são os que mais crescem durante a crise.

Sobre ocupação de áreas privadas, ou invasão, como os críticos de vocês dizem, o senhor não se pergunta se para maioria da sociedade isso é visto como um método não legítimo?
Essa campanha vai ser uma oportunidade incrível para quebrar preconceitos, é assim que encaramos desde o ponto de vista da Previdência. Temos um cenário dramático em relação à moradia, temos 6,2 milhões de pessoas sem moradia e mais de 7 milhões de móveis abandonados. Quer dizer, tem casa sem gente mais do que gente sem casa no Brasil. O drama de alguém não ter o direito de ter onde morar; Em pleno século 21, pode ser considerado natural que 6 milhões de pessoas, na 7; economia do mundo, não tenham casa? Essa pauta é absolutamente legítima, e é isso que precisamos falar para o país durante a campanha, que quem ocupa uma terra não ocupa porque quer, ninguém vai lá porque quer levar uma vantagem. Quem vai para ocupação é porque não tem alternativa, temos 8 milhões de pessoas nas periferias, principalmente com desemprego, na queda da renda causada pela política desse governo, que no final do mês têm que fazer a dura opção entre pagar aluguel e comprar leite pro filho.

Mas o método não vai contra o estado de direito?
Olha, o estado de direito está baseado na Constituição. A Constituição dá direito à propriedade, mas a mesma constituição diz que a propriedade tem que cumprir uma função social. Um imóvel que está abandonado não cumpre função social, está ilegal, e a ocupação é uma maneira de pressionar o poder público para fazer com que a Constituição seja cumprida, inclusive. A ocupação é um ato legítimo de pressão para que as pessoas possam ter um direito assegurado, mas não cumprido, que é o direito à moradia.

Mas não caberia à Justiça desapropriar aquele terreno?
Caberia, uma pena que fica só no caberia, porque a Justiça não faz isso, o Estado não faz isso. É por isso que existem movimentos sociais.

* Estagiária sob a supervisão de Roberto Fonseca

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