Ana Dubeux
postado em 29/04/2018 10:13
João está naquela idade em que se percebe o mundo com olhos de investigador. Tem na cabeça uma frase que se repete: para onde vou? São tantos países, cidades lindas, lugares incríveis, alguns tão inóspitos quanto atrativos para um garoto recém-saído do ensino médio com um quinhão de dúvidas e angústias que não cabem em si. João, na verdade, não busca um porto, mas uma âncora que possa garantir segurança aonde quer que vá.
Um adulto jovem, como o João, não está à procura de um ponto no globo, está à procura de um norte. Ele não sabe nem deveria saber, mas o que espera com ansiedade encontrar é uma identidade - e também respostas a tantas perguntas que guarda em si. Que profissão seguir? Onde morar? Como ganhar dinheiro e como gastá-lo? No fundo, a clareza só virá quando descobrir quem é e quem deseja ser.
O meu João é um personagem fictício, mas bem familiar. Eu o escolhi porque tenho certeza de que esse menino recém-saído da adolescência é um ser humano que sofre em demasia nos tempos atuais. Incrivelmente conectado, obcecado pela ideia de desbravar o mundo e sorver as delícias que chegam por redes sociais. Com um detalhe: João mora no nosso Brasil brasileiro. E, neste momento, ele está mais confuso do que nunca. Não é para menos.
Estamos à caça de corruptos e os queremos na cadeia, mas continuamos nos orgulhando do jeitinho que nos leva a querer e a obter vantagens fáceis em nossa vida privada. Estamos numa batalha frenética contra o machismo que mata, mas lidamos com um forte time, inclusive de pessoas influentes como políticos, que pregam a ideia de que tudo não passa de "mimimi".
Estamos reconhecendo o racismo como presente e forte no país com base nos depoimentos de negros que se calaram por anos e anos, mas ainda sim há quem tenha a coragem de tornar público o seu preconceito. Ou seja, somos um país de muitas versões e não de conversas.
Tais contradições indicam que, ao menos, há um processo de rediscutir a identidade do Brasil. Seria muito bom se João, o meu menino perdido, assistisse a esse embate com exemplos de respeito, democracia, civilidade e punição justa para quem insiste em defender práticas indefensáveis e até crimes. Seria melhor ainda se ele conseguisse identificar as boas vozes que ressoam nesse tiroteio maniqueísta.
No fundo, sabemos que há um só lado certo: o que não oprime, o que busca paz e justiça social, o que não é discriminatório. Isso nada tem a ver com religião, dogmas, inclinação política. Isso tem a ver com amor ao próximo. Só o sentimento de empatia pelo outro e uma boa educação poderão dar a João o que todos nós mais necessitamos agora: capacidade de discernimento. No Brasil de hoje, em que escutamos de tudo um pouco e falamos em demasia, o que mais faz falta é a decisão de cada um pelo caminho do bem. Do contrário, estaremos todos naquele trem desgovernado rezando apenas para descer e tomar outro rumo.