Politica

Restrição do foro privilegiado tem efeito cascata nos tribunais

Ministro Dias Toffoli, do Supremo, manda seis ações contra deputados federais para a primeira instância, entre eles Alberto Fraga, do DF. Especialistas acreditam que outras cortes do judiciário devem seguir exemplo do STF

Renato Souza, Maiza Santos*, Deborah Fortuna
postado em 05/05/2018 07:00
Toffoli (E) com Gilmar Mendes: ministro foi o primeiro a mandar para a instância casos de parlamentares que estavam sob a relatoria

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre restringir o foro privilegiado para senadores e deputados federais pode criar um efeito cascata para outras autoridades com o benefício. Segundo especialistas ouvidos pelo Correio, outros órgãos que também julgam a prerrogativa de função podem seguir o entendimento da Suprema Corte e aplicar a mesma jurisdição para processos semelhantes. A mudança é uma demanda antiga da sociedade, mas, se for aplicada a apenas 1% dos beneficiados pode não trazer os resultados esperados.

Não há legislação para obrigar que a regra aplicada pela Corte possa ser o entendimento de outros tribunais, segundo o especialista em direito eleitoral e constitucional Daniel Falcão. ;É um buraco na mudança. A decisão em si não poderia se estender a outros, como governadores, porque não faz sentido para o STF. Mas é claro que outros tribunais podem fazer isso. Isso pode sim acontecer;, afirmou Falcão.

Já para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, o benefício deveria ter sido extinto para todos ; e não apenas para os congressistas. A decisão desafogará parte dos processos, mas, da forma como foi julgado, atingirá apenas 81 senadores e 513 deputados federais, que equivalem a apenas 1% dos detentores da prerrogativa. Ao todo, são 54 mil que detêm o direito, segundo os dados da Consultoria Legislativa do Senado Federal. ;Se os tribunais prosseguirem (com o mesmo entendimento do STF) e depois o Supremo disser que não pode, tudo o que eles fizerem será nulo. Nós sabemos que existem opiniões diversas. Agora, isso vai gerar polêmica;, opinou.

Instâncias inferiores


A expectativa é que os ministros da Suprema Corte já se movimentem nos próximos dias para escolher quais processos serão levados à primeira instância. Isso porque todos os casos devem ser analisados individualmente. É necessário separar todos aqueles que não tenham sido cometidos durante o mandato e que não tenham relação com o exercício da atividade parlamentar. Até o fechamento desta edição, apenas o ministro Dias Toffoli já tinha começado a entregar os processos às instâncias inferiores.

Ao todo, foram encaminhados seis ações penais sob a relatoria de Toffoli e um inquérito contra deputados federais para a primeira instância. Os casos de Alberto Fraga (DEM-DF), Roberto Góes (PDT-AP), Marcos Reatégui (PSD-AP), Cícero Soares (PHS-AL), Hélder Salomão (PT-ES) e Hidekazu Takayama (PSC-PR) serão distribuídos na Justiça do estado de origem de cada parlamentar.


Denúncias


Contra Fraga existe uma condenação de quatro anos de detenção em regime aberto por porte ilegal de arma. A pena, de 2011, não foi executada porque dependia do julgamento do recurso pelo STF. Com o processo baixado para a primeira instância, a pena passa a valer assim que o processo retornar ao Tribunal de Justiça do DF. Em outra ação que tem como alvo o pedetista Góes, o parlamentar é acusado de aumentar despesas com pessoal no último ano de mandato como prefeito de Macapá, em 2012. Ele responde a outras 10 ações no STF. Como prefeito de Cariacica (ES), entre 2011 e 2014, o petista Hélder Salomão teria concedido licenças de táxi em troca de pagamento de propina. Ele é acusado de fraude em contrato público. O caso vai à primeira instância, na qual já tramita processo contra outras pessoas sem foro acusadas junto com o parlamentar.

O terceiro caso se refere ao deputado Marcos Reátegui, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, quando era procurador-geral do estado do Amapá, entre 1997 e 2000, antes de assumir o mandato de parlamentar federal, em 2015. Contra o deputado Cícero Almeida, existem denúncias de crime de responsabilidade, dispensa de licitação, prevaricação e desobediência a decisão judicial, quando prefeito de Maceió, de 2004 a 2012. O sexto processo diz respeito ao deputado Takayama, acusado de desvio de dinheiro público no cargo de deputado estadual, entre 1999 e 2003. Em relação à investigação retirada do STF, que corre em segredo de Justiça, o deputado Wladimir Costa (SD-PA) é processado por tráfico de influência.

Além dos casos sob relatoria de Toffoli, outras duas investigações que têm como alvo os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) estão entre os casos que podem ser remetidos para outras instâncias. Uma das investigações contra Aécio no Supremo apura suposta atuação do tucano para maquiar dados da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, em 2005, e esconder a relação entre o Banco Rural e o mensalão mineiro. Na época dos fatos, Aécio era governador de Minas.

Já a que envolve o senador Fernando Bezerra investiga se ele estaria envolvido no pagamento de propina de R$ 41,5 milhões das empreiteiras Queiroz Galvão, OAS e Camargo Corrêa, contratadas pela Petrobras para a execução de obras da Refinaria Abreu e Lima (PE). O destino dos recursos seria a campanha à reeleição de Eduardo Campos ao governo de Pernambuco em 2010, quando Bezerra estava no governo estadual. Os acusados negam as acusações.


Denúncia de Dodge


A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ofereceu ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra o deputado federal Arthur Lira (PP-AL) por peculato e lavagem de dinheiro. O inquérito, de relatoria da ministra Rosa Weber, é sigiloso. De acordo com a denúncia, entre 2001 e 2007 o líder do partido na Câmara dos Deputados movimentou em sua conta mais de R$ 9,5 milhões. Dois de seus intermediários movimentaram aproximadamente R$ 12,4 milhões em 2004 e 2005. Trata-se da segunda denúncia contra o parlamentar em pouco mais de um mês. Lira teria participado de um esquema de desvio de recursos públicos enquanto ocupava cargo de direção na mesa diretora da Assembleia Legislativa de Alagoas, entre 2003 e 2006, época em que era deputado estadual. O dinheiro teria sido desviado por meio da apropriação de cheques emitidos em nome de servidores comissionados laranjas e da realização de falsos empréstimos bancários quitados com as verbas de gabinete.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação