Deborah Fortuna, Bruno Santa Rita*
postado em 28/05/2018 06:00
A pouco mais de quatro meses das eleições, os presidenciáveis devem começar a ouvir as demandas dos agentes mais poderosos das urnas: os eleitores. O Correio conversou com cidadãos para ouvir o que eles mais levam em conta na hora de apertar o botão de ;confirma;. Com a proximidade do mês de outubro, a sociedade já acompanha os passos daqueles que querem disputar o palanque. Porém, a descrença na política é um dos principais ;obstáculos; no caminho para a escolha do próximo líder do Executivo.
O candidato ideal é aquele que age com transparência, e se importa com os principais desejos e problemas da população. Pelo menos é nisso que acredita a estudante Glauciane Martins, de 20 anos. Sem essas características, fica difícil escolher um lado. ;Tem alguns políticos que fica difícil de confiar. Queremos mais transparência;, pede. Ela acrescenta que ainda não sabe quem vai escolher para o cargo. ;Não sei de que lado eu estou. Ainda não vi coisas que me façam confiar em nenhum candidato;, lamenta.
Outro problema que o candidato deve estar atento a propor soluções é a questão da segurança pública. Ela explica que costuma sentir medo quando sai da universidade mais tarde e caminha pelas quadras próximas de casa, em Brasília. ;A gente precisa de mais iluminação e mais policiais. Isso ajudaria;, comenta.
O sociólogo Antônio Flavio Testa também concorda que a segurança é um dos desejos mais recorrentes da população. O problema, no entanto, é a descrença na política. ;Eu acredito que nenhum deles vai ter uma preocupação estratégica como essa. Só questões pontuais. isso é no Brasil todo. Eles só prometem, mas nenhum deles tinha projeto de segurança pública;, assinala.
Assim, o que vale na hora de escolher o presidenciável é a maneira como o candidato aborda as questões que a sociedade considera mais importantes. Para o estudante Vitor Cardoso, de 25 anos, dois desses pontos ;essenciais; são a melhora nas condições do transporte público e a mudança no texto da reforma da previdência. Segundo o estudante, o país ainda conta com o servidor público e, por isso, é importante rever trechos do texto da reforma. ;O setor terceirizado é muito prejudicado. O servidor público tem privilégios demais;, explica. Ele também reivindica mais investimentos para a indústria na capital federal, principalmente no setor tecnológico.
No que diz respeito às reivindicações de transporte público, o professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB) Paulo César Marques acredita que a reclamação tem fundamento. De acordo com o especialista, antes de se pensar nas propostas, tem que se abrir espaço para que a própria sociedade dialogue com o poder público. ;A gente precisa, antes de tudo, fazer uma democratização da participação da população na elaboração dos projetos. A lei que discute mobilidade urbana devia ter o controle da população;, diz.
Para isso, também é preciso mudar a mentalidade do governo: os problemas devem ser resolvidos como um todo. ;A possibilidade de dar universalidade à mobilidade urbana está no transporte público coletivo, e não no individual. Quem tem voz tem que começar a ver que a prioridade é o transporte público, o transporte ativo;, explica.
Já o estudante de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB) Robson Reis, de 22 anos, considera que o discurso polarizado prejudica um debate de alto nível, focado em soluções, e não apenas em ideologias. ;Tem temas que são mais importantes do que firmar as ideologias. Eles têm que falar do que importa;, recomenda. Um desses assuntos, para Robson, é a previdência. Segundo ele, o foco para garantir a reforma deve ser primeiro garantir credibilidade e confiança do povo. ;Se quer fazer a reforma, tenha credibilidade;, sentencia.
Para o economista e consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim Guimarães, a negativa da população a respeito da reforma indica que, muitas vezes, o texto não foi lido integralmente. ;Elas foram muito contaminadas por informações deturpadas que ocorreram nas redes sociais, as pessoas não conhecem. A maior parte das pessoas achava que é certo se aposentar aos 55, por exemplo. Mas, se algumas já reconhecem a necessidade da reforma, isso é um grande avanço;, avalia.
Para Guimarães, no entanto, a população ainda está longe de aceitar de ;braços abertos; pauta econômicas como cerne do debate político. ;A não ser que o candidato tenha uma comunicação espetacular. O que a gente vê é que candidato com pauta econômica não costuma ter apoio e não sensibiliza a população;, completa. (DF e BSR)
"O que a gente vê é que candidato com pauta econômica não costuma ter apoio e não sensibiliza a população;Leonardo Rolim Guimarães,
economista e consultor
Dançando à beira do abismo
Roberto BrantÉ impossível não ficar assustado com a marcha dos acontecimentos. Estamos a pouco mais de quatro meses de uma eleição decisiva, mas o quadro geral é de absurda desordem política. Poucas pessoas estão ligando para o que pode acontecer.
As normas da eleição foram mudadas e, a cada dia, o Poder Judiciário inventa regras novas ou novas interpretações, o que dá no mesmo. O Congresso, por força da Constituição, só pode mudar as regras eleitorais com o mínimo de um ano de antecedência, mas essa restrição não se aplica ao Judiciário, que entre nós pode tudo e está cada vez mais disposto a intervir no processo eleitoral para cumprir uma missão que não se sabe quem lhe conferiu.
Dada a judicialização extrema e a liberdade que a nossa Justiça se concede, de decidir conforme princípios e não conforme a lei, as próximas eleições vão acabar sendo decididas nas cortes e não nas urnas, num experimento democrático bem original. As apurações serão rápidas como sempre, e, na própria noite do pleito, estarão concluídas. Nas semanas e meses seguintes, ficaremos sabendo qual será a vontade dos juízes, esta sim, definitiva.
Temos um sistema partidário caótico porque uma decisão de nosso Supremo Tribunal anulou uma cláusula de desempenho, votada a duras penas no Parlamento, para reduzir o número de partidos. Depois de franquear a proliferação partidária, uma nova decisão do Supremo proibiu o financiamento privado das campanhas e implantou o financiamento público, reescrevendo à sua vontade a Constituição. Essa decisão matou qualquer hipótese de renovação e transferiu para as oligarquias partidárias o poder absoluto de escolher quem terá o benefício do financiamento de campanha, numa das maiores manipulações eleitorais de que temos notícia, levando o país a retroceder aos tempos do Império e da Velha República.
Graças ao autofinanciamento sem limites, alguns partidos estão à caça de personagens endinheirados, oferecendo-lhes a candidatura presidencial, desde que banquem do próprio bolso suas campanhas, mantendo intactos os fundos públicos para a eleição dos deputados. Em caso contrário, preferem não disputar a eleição presidencial, pois, na sua lógica, eleger um presidente é coisa menor!
Nenhuma ordem política cai em decadência por acaso. É preciso uma combinação de circunstâncias. A nossa começou com a Constituição de 1988, que foi pródiga em mudanças em vários campos, mas manteve praticamente inalterados os sistemas eleitoral e de representação, consagrados na Constituição militar de 1967 e no famigerado ;Pacote de Abril;, porque os constituintes queriam preservar o sistema pelo qual foram eleitos.
As instituições entram em declínio quando deixam de se adaptar às mudanças sociais. A sociedade brasileira mudou muito e se modernizou nessas últimas décadas, principalmente por ter mais acesso ao conhecimento e à informação. O sistema político, por obra dos parlamentares e dos juízes, é a imagem de uma sociedade que não existe mais. Os brasileiros não se reconhecem mais nas suas instituições políticas, nos partidos e nos políticos. A política deixou de ser a esfera dos melhores e as regras eleitorais vêm falsificando propositadamente a representação parlamentar. Com a descoberta da corrupção sistêmica e do controle do Estado pelas corporações públicas e os interesses privados organizados, o que esperar da população, senão a indiferença ou o desespero?
Somos um país rico com uma maioria de população pobre. O Estado sempre foi para a maioria a última, ou a única esperança. Quando essa esperança se perde, o risco da desordem é muito grande. O movimento dos caminhoneiros é uma manifestação de desespero, que deixou a descoberto a fragilidade da nossa ordem pública. A ordem nas grandes sociedades só pode ser mantida por meio dos laços tênues da confiança e do respeito, que estão infelizmente se perdendo.
Mas, enquanto nos debatemos em meio a tantos perigos e aflições, tribunais e políticos parecem dançar alegremente à beira do abismo!
As normas da eleição foram mudadas e, a cada dia, o Poder Judiciário inventa regras novas ou novas interpretações, o que dá no mesmo. O Congresso, por força da Constituição, só pode mudar as regras eleitorais com o mínimo de um ano de antecedência, mas essa restrição não se aplica ao Judiciário, que entre nós pode tudo e está cada vez mais disposto a intervir no processo eleitoral para cumprir uma missão que não se sabe quem lhe conferiu.
Dada a judicialização extrema e a liberdade que a nossa Justiça se concede, de decidir conforme princípios e não conforme a lei, as próximas eleições vão acabar sendo decididas nas cortes e não nas urnas, num experimento democrático bem original. As apurações serão rápidas como sempre, e, na própria noite do pleito, estarão concluídas. Nas semanas e meses seguintes, ficaremos sabendo qual será a vontade dos juízes, esta sim, definitiva.
Temos um sistema partidário caótico porque uma decisão de nosso Supremo Tribunal anulou uma cláusula de desempenho, votada a duras penas no Parlamento, para reduzir o número de partidos. Depois de franquear a proliferação partidária, uma nova decisão do Supremo proibiu o financiamento privado das campanhas e implantou o financiamento público, reescrevendo à sua vontade a Constituição. Essa decisão matou qualquer hipótese de renovação e transferiu para as oligarquias partidárias o poder absoluto de escolher quem terá o benefício do financiamento de campanha, numa das maiores manipulações eleitorais de que temos notícia, levando o país a retroceder aos tempos do Império e da Velha República.
Graças ao autofinanciamento sem limites, alguns partidos estão à caça de personagens endinheirados, oferecendo-lhes a candidatura presidencial, desde que banquem do próprio bolso suas campanhas, mantendo intactos os fundos públicos para a eleição dos deputados. Em caso contrário, preferem não disputar a eleição presidencial, pois, na sua lógica, eleger um presidente é coisa menor!
Nenhuma ordem política cai em decadência por acaso. É preciso uma combinação de circunstâncias. A nossa começou com a Constituição de 1988, que foi pródiga em mudanças em vários campos, mas manteve praticamente inalterados os sistemas eleitoral e de representação, consagrados na Constituição militar de 1967 e no famigerado ;Pacote de Abril;, porque os constituintes queriam preservar o sistema pelo qual foram eleitos.
As instituições entram em declínio quando deixam de se adaptar às mudanças sociais. A sociedade brasileira mudou muito e se modernizou nessas últimas décadas, principalmente por ter mais acesso ao conhecimento e à informação. O sistema político, por obra dos parlamentares e dos juízes, é a imagem de uma sociedade que não existe mais. Os brasileiros não se reconhecem mais nas suas instituições políticas, nos partidos e nos políticos. A política deixou de ser a esfera dos melhores e as regras eleitorais vêm falsificando propositadamente a representação parlamentar. Com a descoberta da corrupção sistêmica e do controle do Estado pelas corporações públicas e os interesses privados organizados, o que esperar da população, senão a indiferença ou o desespero?
Somos um país rico com uma maioria de população pobre. O Estado sempre foi para a maioria a última, ou a única esperança. Quando essa esperança se perde, o risco da desordem é muito grande. O movimento dos caminhoneiros é uma manifestação de desespero, que deixou a descoberto a fragilidade da nossa ordem pública. A ordem nas grandes sociedades só pode ser mantida por meio dos laços tênues da confiança e do respeito, que estão infelizmente se perdendo.
Mas, enquanto nos debatemos em meio a tantos perigos e aflições, tribunais e políticos parecem dançar alegremente à beira do abismo!