Rodolfo Costa
postado em 09/07/2018 06:00
A decisão do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4; Região (TRF-4), de soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a queda de braço que se estendeu ao longo de todo o dia entre a soltura e a manutenção da prisão do petista escancararam os conflitos entre as várias instâncias da Justiça brasileira. A confusão descortinou uma grave insegurança jurídica nos processos do Poder Judiciário.
A largada de Favreto na manhã de ontem foi contestada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13; Vara Criminal de Curitiba. A contrariedade do magistrado de primeira instância foi respaldada, no início da tarde, pelo relator do caso no TRF-4, desembargador João Pedro Gebran Neto, após encaminhamento do presidente do tribunal, Thompson Flores. Às 16h14, Favreto voltou a emitir uma nova sentença, pedindo novamente a liberdade de Lula. À noite, foi a vez de Thompson manter o entendimento pela continuidade da prisão.
Na corrida desenfreada do Judiciário, ninguém saiu ganhando. Para o advogado criminalista Celso Vilardi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), houve erros de todas as partes. Em primeiro lugar, ele avalia como um equívoco a ordem de habeas corpus de Favreto. ;Não é o caso de rever uma decisão que já se encontra sob jurisdição do Supremo Tribunal Federal (STF);, analisou.
A decisão de Moro, de desrespeitar a ordem de um desembargador e da própria Polícia Federal ao não cumprir a soltura de Lula após a determinação de Favreto, também foi considerada um erro por Vilardi. Bem como os pareceres de Gebran e Thompson. ;Quem tem competência é o plantonista. Foi um dia triste para o poder Judiciário brasileiro. Foi tudo errado, um show de horrores. O mais correto na minha posição é que a ministra Cármen Lúcia (presidente do STF) tivesse se manifestado por meio de reclamação;, ponderou.
Em meio ao caótico dia na Justiça brasileira, o STF optou por não se expor. Cármen Lúcia se limitou a emitir uma nota e não tomou qualquer decisão. Destacou que a ;Justiça é impessoal; e que o Poder Judiciário tem ;ritos e recursos próprios que devem ser respeitados;. Declarou que a ;democracia brasileira é segura; e que os órgãos competentes do poder em cada região devem atuar para garantir que a resposta judicial seja oferecida com ;rapidez e sem quebra da hierarquia;. ;Com rigor absoluto no cumprimento das normas vigentes;, disse.
Na falta de uma decisão do STF, há quem aponte que o maior equívoco foi cometido por Favreto. Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, a decisão do desembargador fere a súmula 122 do TRF-4. A norma estabelece que a execução da pena deve ser cumprida após encerrada a jurisdição criminal de segundo grau. Como Lula foi condenado após o esgotamento dos recursos cabíveis pela 8; turma, ela entende que o desembargador não poderia adotar a sentença monocraticamente.
Abuso de poder
;Só se aceita habeas corpus para soltar uma pessoa se houver abuso de poder ou ilegalidade, o que não é o caso. Já foram exauridos todos os recursos do ponto de vista processual. Do ponto de vista do mérito, não há nada que possa ser colocado como ilegalidade ou abuso de poder;, sustentou Vera. O argumento de Favreto, de que seria pré-candidato à Presidência, é considerado frágil por ela. ;Isso não tem o menor cabimento no âmbito de uma ação penal, por ser uma questão que remete à Justiça eleitoral, e não à penal;, advertiu.
Além de ferir a súmula do próprio TRF-4, Chemin alerta que Favreto descumpriu a resolução 71 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A matéria prevê que o plantão do Judiciário não se destina à reiteração de pedido já apreciado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior. ;Significa que não se pode resolver uma questão que já foi examinada e reexaminada pelo colegiado do TRF-4 no plantão judicial;, justificou.