Politica

Próximo presidente terá na saúde a maior preocupação dos brasileiros

Segundo pesquisa do Banco Mundial, país gasta muito, sistema não funciona por problemas de gestão e população reclama do atendimento

Alessandra Azevedo
postado em 26/08/2018 08:00
Homem olha para porta com símbolo de cruz vermelha, a cima de sua cabeça, balão de fala com ponto de interrogaçãoMaior preocupação dos eleitores brasileiros, segundo pesquisa encomendada pelo Correio, e tema mencionado, inevitavelmente, em discursos políticos, ainda mais em época de eleição, a saúde no país sofre de dois principais problemas: má distribuição de recursos e gestão precária. Embora a maior parte dos especialistas ouvidos pela reportagem concordem que mais recursos na área seriam muito bem-vindos e poderiam ajudar a resolver boa parte dos obstáculos enfrentados pelos brasileiros no dia a dia, o grande gargalo é a ineficiência dos gastos no setor. Por mais que haja orçamento, o dinheiro costuma ser mal aplicado.

A avaliação é confirmada por estudos de diversos órgãos, como o Banco Mundial, que apontou ser possível a prestação do mesmo nível de serviços de saúde usando 34% menos recursos do que o que foi empregado nos últimos anos. Em relatório publicado em novembro de 2017, a entidade concluiu que o país poderia economizar aproximadamente R$ 22 bilhões no Sistema Único de Saúde (SUS), sem nenhum prejuízo ao nível dos serviços prestados ou aos resultados ; R$ 9,3 bilhões com saúde primária e R$ 12,7 bilhões, em serviços hospitalares.

O financiamento do sistema ainda é um dos grandes problemas do SUS, mas não é o único, destaca o especialista em gestão pública e gestão governamental Edvaldo Batista de Sá, coordenador da área de saúde do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). ;Um ponto não pode ser dissociado do outro;, diz. Ele acredita que o SUS pode usar melhor os recursos disponíveis, ;principalmente por meio de melhorias de gestão;. O problema, segundo Batista de Sá, é que essas melhorias, em um sistema tão complexo como o brasileiro, não são triviais e geralmente requerem mais gastos, ao menos no presente ; o que fica difícil diante das limitações orçamentárias impostas pelo teto de gastos, aprovado no ano passado.

Comparação


As despesas com saúde representam, hoje, 9,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ; soma de todas as riquezas produzidas pelo país ;, segundo relatório divulgado em 2017 pelo Instituto Coalizão Saúde, com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A média é mais alta que os 9% da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo dos países mais desenvolvidos do mundo, e próxima a de países como o Reino Unido (9,1%), cujo sistema de saúde serviu como exemplo para a criação do SUS.

Mas, quando esse gasto é dividido por habitante, os brasileiros saem perdendo, mostra o mesmo levantamento. A despesa per capita em saúde, no Brasil, é de US$ 947 por ano (o equivalente a R$ 3.934,98, pelo câmbio atual), enquanto o Reino Unido dedica US$ 3.935 (R$ 16.154,75). ;Dizer que a dificuldade é apenas de gestão é errado. Esse é, de fato, um obstáculo no país, mas também falta dinheiro, sim, se compararmos com outros sistemas universais. Mesmo que a porcentagem do PIB voltada à saúde seja relativamente alta, gastamos menos por habitante;, reforça o professor Walter Cintra, coordenador do curso de especialização em saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Apesar de o sistema brasileiro ser de cobertura universal, a parcela pública do gasto ; ou seja, que vem do governo ; fica em torno de 45%. O resto é bancado de forma privada, por cidadãos e empresas. Nos países da OCDE, por exemplo, o governo arca, em média, com 70% do total.

Cenário pior


A questão do financiamento também preocupa por questões naturais. O cenário que o próximo governo enfrentará é de uma população mais envelhecida, o que aumenta a necessidade de gastos em saúde, e que tem lidado com doenças mais complexas. Levando em conta essa situação, a professora Kênia Lara Silva, do Departamento de Enfermagem Aplicada (ENA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acredita que o investimento atual não é suficiente para a grande demanda que o serviço enfrenta. ;A população não só envelheceu, mas teve complexificação dos problemas de saúde. Mais infartos, acidentes vasculares cerebrais (AVC), doenças respiratórias crônicas, em diferentes faixas etárias;, pontua.

;Nossas soluções, hoje, são ineficientes e inadequadas. Em vez de resolver, causam mais prejuízos;, afirma. Diante do cenário preocupante, ela alerta que é preciso tomar cuidado com discursos de candidatos que prometem aumentar o gasto em saúde, sem explicar de onde vão tirar mais dinheiro. ;É preciso ver o conjunto das propostas. Fazer promessa de aumentar gasto e não especificar a fonte é mais do mesmo, é o que sempre fazem;, destaca a especialista da UFMG. Especialmente, reforça ela, diante de políticas restritivas, como o teto de gastos. ;Não existe avanço nas condições de saúde com as atuais medidas de austeridade. Qualquer candidato que queira melhorar o quadro precisará rever a questão de quanto e como se investe hoje no setor;, avalia.


Dinheiro desperdiçado


Com os recursos atualmente investidos, é possível fazer mais do que é colocado em prática hoje, garante estudo do Banco Mundial, divulgado em novembro de 2017. Com políticas mais eficientes, é possível melhorar o atendimento à população ; principal queixa das pessoas, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) ;, ainda com o orçamento apertado. A eficiência média dos serviços primários de saúde é estimada pelo Banco Mundial em 63%, e, para atendimento hospitalar, é pior: de 29%. ;Isso significa que há escopo para melhorar consideravelmente a prestação de serviços utilizando o mesmo nível de recursos;, explica a entidade, no relatório. Os serviços ambulatoriais poderiam crescer até 140% com a eficiência.

Esse é um dos maiores desafios não só do próximo presidente, mas dos que se seguirem, já que outro problema recorrente, em vários setores, é a falta de continuidade nos programas. Isso leva a problemas, como o fato de que 145 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) estão prontas, mas não funcionam. O governo federal investiu R$ 268 milhões nessas unidades, que sequer têm previsão de inauguração. Em geral, os municípios não colocam equipes por falta de dinheiro ou de planejamento. Para o professor Walter Cintra, coordenador do curso de especialização em saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV), a situação mostra que é preciso garantir uma ação conjunta entre os entes (União, estados e municípios) para garantir que o prédio não apenas será construído, mas vai funcionar.

Força-tarefa


A maior parte da ineficiência é motivada pelo grande número de pequenos hospitais, que comportam menos de 100 leitos, explica o Banco Mundial: 61% dos hospitais brasileiros possuem menos de 50 leitos, bem menos que o tamanho ideal estimado para obter economias de escala, de 150 a 200. As taxas de ocupação dos leitos também são muito baixas: em média, 45% nos hospitais do SUS. A média da OCDE é de 71%.

Para resolver essa questão, especialistas batem na mesma tecla: integração. ;Em vez de construir um hospital especializado em um pequeno município, com os recursos mais limitados, por que não se unir para construir um melhor na região, que atenda a diversos municípios e que tenha uma união dos recursos de todos eles?;, questiona Cintra, da FGV.

;Quem vai dar o tom dessa política integrada é o governo federal, como ele, tem a maior parte em termos de volume de dinheiro. Mas quem coloca em execução é o município;, explica o professor. O especialista em Gestão Pública e Gestão Governamental Edvaldo Batista de Sá, coordenador da área de saúde do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra ainda da importância de se resgatar o papel do nível estadual, principalmente na organização da rede assistencial. (AA)



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