Agência Estado
postado em 16/09/2018 09:47
O contador Dirceu Pupo Ferreira, homem de confiança dos negócios imobiliários da família de Beto Richa, é suspeito de tentar atrapalhar as investigações de corrupção, fraudes em licitações e lavagem de dinheiro que levaram o ex-governador do Paraná e candidato ao Senado pelo PSDB à prisão nesta semana, junto com familiares e aliados Todos foram soltos na sexta-feira, 14, por ordem do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
As imagens do sistema de segurança do prédio de número 417, na Rua Carlos de Carvalho, em Curitiba, registram encontro de Ferreira - identificado como um "faz tudo" do ex-governador que representa formalmente a família nos negócios - com o corretor de imóveis Augusto Albertini, no último dia 8 de agosto.
As suspeitas são de que Ferreira procurou Albertini para tentar combinar com ele o depoimento que ele deveria prestar às autoridades, caso fosse procurado, sobre a compra de salas comerciais no Edifício Neo Business, na região do Centro Cívico, centro administrativo da capital paranaense, pela família Richa.
O negócio teria envolvido a permuta de um imóvel que a família tinha em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, e uma complementação em dinheiro em espécie de R$ 1,7 milhão, sem declaração. Segundo investigadores, o a transação pode ocultar dinheiro de propina recebido de desvios em contratos do governo do Estado, em especial na área de rodovias.
O ex-governador é investigado pelo Gaeco, na Radiopatrulha, e pela força-tarefa da Operação Lava Jato (que reúne a Procuradoria da República, a Polícia Federal e a Receita), na Operação Piloto. Ambas deflagradas simultaneamente na terça-feira, 11, tratam de suposta corrupção envolvendo empreiteiras e negócios de estradas do Estado.
"Essa sistemática de aquisição de imóveis de valores distintos através de simples permuta, omitindo dos registros formais os pagamentos realizados em dinheiro, em quantias consideráveis, não parece ter sido isolada por parte da família Richa", registra o pedido de prisão do ex-governador feito pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Estadual.
Registro
O contador de Richa chegou ao prédio em que ocorreu o encontro com o corretor às 10h48, mostram os arquivos de imagem entregues ao Gaeco. Há também registro da conversa deles e de sua saída, às 11h14.
O encontro é para o Ministério Público Estadual um dos indícios "concretos" da tentativa de obstrução da Justiça e foi um dos pontos centrais dos pedidos de prisão dos investigados, para levantamento de provas e preservação das apurações e testemunhas.
"Tal situação de influenciar as testemunhas e embaraçar as investigações foi observada concretamente no presente caso", escreveu o Gaeco, no pedido aceito pelo juiz estadual Fernando Bardelli Silva Fischer, da 13.ª Vara Criminal de Curitiba. O juiz decretou a prisão preventiva dos investigados - sem prazo para acabar - no mesmo dia em que Gilmar mandou soltar.
Injusta
Neste sábado, 14, ao anunciar que o Gaeco deve recorrer para reverter a decisão do STF, o promotor Leonir Batisti disse que o ministro Gilmar Mendes "não faz justiça aos fatos".
"O ministro está distante e especialmente em relação ao fato objetivo de que o grupo das pessoas investigadas já procurara esse ano, em agosto, pessoas que poderiam ser testemunhas, para que essas pessoas omitissem a verdade ou mentissem aos investigadores para evitar, então, a responsabilização, ou a apuração", disse Batisti.
Gilmar - que criticou a operação que levou o político para a cadeia - concedeu a liberdade a Richa menos de uma hora depois de a 13.ª Vara Criminal de Curitiba transformar a prisão temporária que havia sido decretada contra o governador em preventiva - que determinaria que ele ficaria preso durante o processo. Richa foi solto no início da madrugada deste sábado.
Delator
O encontro do contador de confiança da família Richa com o corretor de imóveis e as imagens de segurança do prédio foram entregues ao Gaeco oficialmente pelo ex-deputado estadual e empresário Antônio Celso Garcia, o Tony Garcia, em sua delação premiada homologada em agosto.
Um dos envolvidos no esquema de corrupção alvo da Radiopatrulha, Tony Garcia revelou ter conhecimento que Albertini havia sido "recentemente procurado" por Ferreira "na condição de representante dos Richa". O objetivo, segundo o delator, seria "orientá-lo a respeito do que dizer, ou melhor, do que não dizer, caso viesse a ser intimado pelas autoridades a prestar declarações em relação a alguma das várias investigações".
Ao justificar a necessidade de prisão dos investigados, o Gaeco registra: "ora, se solto e sem o conhecimento da investigação o representado (Ferreira) já está atuando para dissimular as provas, imagine caso sejam decretadas medidas restritivas contra o grupo criminoso".
Para os promotores, "não é preciso esforço para perceber que a atuação criminosa" do contador de confiança de Richa "não decorreu de sua iniciativa própria, tendo agido a mando e no interesse dos demais integrantes da organização criminosa".
Inocente
Liberado na madrugada deste sábado, depois de quatro dias preso no âmbito da Operação Rádio Patrulha, o ex-governador disse que a ordem da Justiça "foi uma crueldade enorme". Beto Richa nega todas as acusações. "Eu não merecia o que aconteceu, mas estou de cabeça erguida e continuo respondendo a todas acusações sem a menor dificuldade."
A defesa de Richa pediu sua liberdade diretamente a Gilmar Mendes. Ela alegou que o ex-governador foi preso por fatos relacionados ao ano de 2011, o que não caracteriza a urgência nem o risco de continuidade da ação criminosa. Argumentou ainda que nunca foi chamado a depor anteriormente no caso e que já tinha se colocado à disposição do Ministério Público para prestar esclarecimentos.
A defesa de Dirceu Ferreira disse que considerava a prisão absolutamente ilegal e desnecessária. O advogado Gustavo Alberine Pereira não foi localizado para comentar o encontro dele com o corretor.
Na mira
O Gaeco investiga, no âmbito da Operação Rádio Patrulha, direcionamento do programa Patrulha do Campo, criado em 2011 para recuperação de rodovias rurais do Estado, orçado em R$ 71 milhões, para um grupo de empresários, que em contrapartida pagariam propinas ao grupo político comandado por Richa e seu irmão, conhecido como Pepe Richa, ex-secretário de Infra Estrutura e Logística do Paraná.
A Lava Jato busca provas de corrupção em outro esquema, também no setor de contratos de rodovias do Estado: o direcionamento de uma Parceria Público Privada para um consórcio liderado pela Odebrecht, em 2014, para obras e gestão de 220 quilômetros da rodovia PR-323, que liga os municípios Maringá a Francisco Alves - negócio de R$ 7 bilhões.
Tanto a Radiopatrulha como a Lava Jato consideram ter indícios de que crimes estariam sendo praticados por pessoas alvos das investigações.