Deborah Fortuna
postado em 29/09/2018 08:00
Por volta das 13h de um sábado, um grupo tímido de mulheres se concentrou no centro de Washington, capital norte-americana, em 2017. Os cartazes começaram a chamar atenção e, em pouco tempo, o espaço ficou apertado. Milhares de pessoas haviam se juntado ao ato para defender os direitos de gênero e protestar contra os discursos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um dia após a posse.
Dois anos depois, mulheres se reúnem novamente para protestar. Desta vez, em outra cidade, e contra os discursos de um candidato à Presidência. Não é mais na terra do Tio Sam, mas contra um presidenciável que vê em Trump um ídolo. É neste sábado (29/9), que mulheres de todo país se reúnem se manifestar contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas de intenção de voto e com maior rejeição do público feminino entre os candidatos ao Planalto. Em Brasília, a concentração está marcada para as 15h, na Rodoviária do Plano Piloto. A marcha segue até a Torre de TV.
As marchas sempre estiverem presentes na história da luta de direitos das mulheres, mesmo quando o termo "feminismo" não se configurava como movimento. Espalhadas por todo o mundo, as manifestações sempre tiveram caráter de conquista de espaços na sociedade. Em 1909, mulheres marcharam em Nova York em busca de melhores condições de trabalho. Anos mais tarde, em 1917, elas se reuniram para manifestar contra a fome e os problemas da Primeira Guerra Mundial causados na Rússia.
[SAIBAMAIS] No Brasil, há exatos 50 anos, um grupo de mulheres marcou a história do país ao marchar contra a ditadura instalada quatro anos antes. Personalidades famosas na época, como Eva Todor, fizeram um cordão no Centro do Rio de Janeiro contra a censura provocada pela ditadura militar, quatro anos antes. No cenário atual, há a Marcha das Mulheres Negras, contra o racismo; a Marcha das Vadias, contra violência de gênero; e a Marcha das Margaridas, de trabalhadoras rurais.
Para a professora de ciências sociais da PUC-RS Teresa Marques, as marchas funcionam como repertório de ação de forma efetiva. "No começo, elas não eram políticas, eram fúnebres. Mas, as poucos, foi se dando conta do potencial mobilizador da marcha", contou Marques. Além de ter um caráter geográfico, já que unem pessoas de diversas partes da cidade, elas também têm um caráter simbólico. "O potencial das marchas está em poder parar setores da cidade, e convidar pessoas de diversos lugares. Mulheres têm recorrido a esses recursos e têm tido sucesso para chamar atenção, que é justamente a proposta", explicou a especialista.
Neste ano, as mulheres viraram pivô da discussão política no Brasil. Em uma briga eleitoral, os candidatos à Presidência da República têm disputado a atenção desse público. E não é para menos: são 77,3 milhões aptas a votar ; o que corresponde a 52,4% do eleitorado, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com isso, a opinião dessa parcela pode ser fundamental e decisiva para garantir que candidatos tenham a oportunidade de chegar no segundo turno, ou sejam rejeitados e não alcancem bons resultados na disputa. "O voto feminino, em si, não elege. Mas, as pesquisas têm apontado que elas podem tirar votos de candidatos. E é o que está acontecendo com alguns candidatos, entre eles, Bolsonaro. Muito por conta das declarações, até mesmo antes da campanha, defendendo as desigualdades entre homens e mulheres, por exemplo", afirmou a especialista.
Primavera feminista
No entanto, o voto feminino ainda é disperso. E mais do que isso, indeciso. Na pesquisa do Datafolha, divulgada em 19 de setembro, questionadas em quem votariam para o primeiro turno para presidente, apenas 53% das mulheres tinham certeza em quem iriam votar, enquanto 47% responderam que ainda não sabiam. No caso dos homens, 31% responderam que não sabiam. "Há uma preocupação (dos candidatos) em integrar os indecisos. E, nesse sentido, as mulheres podem ter um peso decisivo nesse processo", explicou Marques.
Sobre o eleitorado feminino, apesar de ser disperso entre os candidatos à Presidência, a professora classifica a existência de uma "primavera feminista". "Há uma intensificação da mobilização de mulheres, tanto nas redes quanto fora. Então, de fato, a questão da mulher virou central", disse.
Votos femininos x votos masculinos
Toda essa mobilização leva a outro fato: a diferença entre votos femininos e masculinos em um candidato. Pelos dados do Datafolha de 19 de setembro, a intenção de votos do líder dos levantamentos, Jair Bolsonaro (PSL), chegou a 28% no cenário estimulado. No universo feminino, ele atinge 21% dos votos. Entre os homens, o percentual é de 36%.
A rejeição também é maior no público feminino. Ao todo, 49% das entrevistadas disseram que "não votariam de jeito nenhum" no candidato do PSL, contra 37% dos homens.
De acordo com a pesquisadora de comunicação política da UFPR Luciana Panke, a questão das mulheres decidirem voto por causa de rejeição não é inédito no Brasil. Antes de 2002, o mesmo foi observado com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ele também sofreu rejeição das mulheres. Lá atrás, ele tinha um posicionamento mais conservador e machista, sem pauta para mulher. Quando, em 2002, a Marisa Letícia começou a sair em comícios com ele, as pautas começaram a voltar para o público feminino;, lembrou. Com a reconstrução da imagem do então candidato, a rejeição diminuiu. "Também era o que provocada a rejeição do Ciro Gomes (PDT) nas outras eleições", completou.
Quando candidatos, no decorrer das eleições, posicionam-se como machistas, diminuindo o poder feminino, ele se "queima com o público", avaliou Panke. "As mulheres realmente estão com pé no chão, mais articuladas, e com menos medo de se manifestar. Está em um momento da sociedade no qual o empoderamento feminino ganhou força", afirmou.
Mulher não vota em mulher?
"Mito", enfatizou Luciana Panke. Apesar do voto de sororidade de mulheres, ou seja, eleitoras que votam em candidatas por defender maior representatividade feminino no Congresso, a maior parte desse público ainda escolhe pelas propostas. "Mas não é porque ela rejeita outra mulher", explicou a pesquisadora. Apesar de Marina Silva (Rede) ter o segundo maior índice de rejeição, a maior parte também é de homens. São 35% que rejeitam a candidata, contra 29% das mulheres que a rejeitam.
"Uma das questões que observei é que esse discurso de mulher não vota em mulher, ou que mulheres são invejosas, ou que não existem amigas mulheres, isso tudo é uma construção da sociedade para que mulheres não se unam e mostrem a força que estão agora", explicou Panke. "É conveniente que o grupo feminino não se encontre para manter o status quo da sociedade", completou.
Há também outro cenário a ser analisado: as mulheres representam apenas 31,6% das candidaturas do país, com 9,2 mil para todos os cargos, segundo o TSE. Os homens são 68,4% dos candidatos. E mesmo com a lei que obriga partidos a terem pelo menos 30% de candidatas mulheres, esse número não melhorou em comparação com as últimas eleições gerais. Em 2014, quando a cota feminina ainda não era obrigatória, a representação chegou a 31,1%, com 8,1 mil candidatas. Na presidência, por exemplo, de 13 postulantes, apenas duas são mulheres e cinco são vices.
Programas de governo
Apesar da importância nestas eleições, as mulheres foram "esquecidas" nos planos de governo dos concorrentes ao Planalto.
Álvaro Dias (Podemos) não tem a palavra "mulher" citada no plano de governo. Cabo Daciolo (Patriota), apesar de ter uma vice mulher, a professora Suelene Balduino (Patriota), também não tem nenhuma proposta para esse público. Eymael (DC) defendeu a aplicação de programas de metas sociais "orientado para a satisfação das demandas sociais", mas não especificou se essas propostas também incluem mulheres. No programa de governo, essa palavra não foi citada. João Amoêdo (Novo) também não traz nenhuma proposta específica para o público.
No meio termo, estão Henrique Meirelles (MDB), Bolsonaro e Geraldo Alckmin (PSDB), que têm poucas ações voltadas ao público feminino. No caso do emedebista, há apenas uma proposta, que é incentivar a redução da diferença salarial entre os gêneros. O tucano e o capitão reformado também só trazem uma medida voltada para o público. O primeiro para combater a violência, e o segundo para combater o estupro.
Com mais destaque a posição feminina, João Goulart Filho (PPL) apresenta pautas relacionadas ao espaço feminino dentro da sociedade: combate à discriminação salarial; aumento da licença maternidade; e facilitação dos meios de contracepção. Marina Silva (Rede) traz um tópico só para tratar do assunto, no qual propõe o fortalecimento do empreendedorismo feminino, igualdade e meios de combate à violência. Em poucas páginas de programa de governo, Vera Lúcia (PCO) também dedica uma parte apenas para o público feminino. Um dos 16 pontos do "programa socialista" é dedicado ao fim da opressão.
Já Guilherme Boulos (PSol), Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT), todos com vice mulheres, dedicam maior espaço, com propostas para o combate à desigualdade salarial; prevenção de violência doméstica; e defesa na paridade de mulheres na política.