Politica

Campanha à Presidência é marcada por propostas genéricas e sem detalhamento

Especialistas avaliam que os programas de governo de Haddad e Bolsonaro pecam pela "pobreza" e falta de discussão de políticas públicas

Otávio Augusto
postado em 14/10/2018 08:00
Bolsonaro aposta em um sistema econômico liberal para atrair investimentos e assim ampliar as oportunidades de emprego

Cento e quarenta páginas norteiam o futuro do país. Sessenta delas endossadas por Fernando Haddad (PT). As outras 80, por Jair Bolsonaro (PSL). Os presidenciáveis defendem ações para áreas críticas, como saúde e segurança. As propostas, contudo, são vazias, genéricas e pouco aplicáveis, segundo três especialistas que avaliaram os documentos a pedido do Correio. Entre as principais falhas, estão a ausência de clareza das medidas e a musculatura enfraquecida de sua viabilidade. Ao todo, 14 áreas foram comparadas.

Para Rui Tavares Maluf, cientista político da Universidade de São Paulo (USP), a disputa deste ano está ;empobrecida; no campo das propostas. ;A candidatura que desejar ter fôlego precisa desenhar melhor suas propostas. O eleitor não pode esperar o próximo presidente ser eleito para saber como será seu governo e o que será feito;, explica.

O especialista acredita que as falhas nos planos de governo se devem à redução do discurso. ;A questão ficou na visão de bem contra o mal, sim ou não. Temos dois finalistas que não respondem o querem fazer e como farão. Muitos assuntos ficaram descobertos dos dois lados. Sem dúvida, isso exige uma atenção maior dos concorrentes e dos eleitores;, acrescenta.

O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é categórico: falta discutir política pública nos planos de governo. Ele aponta os equívocos dos candidatos.

Para ele, o texto do PSL é focado em um nicho de eleitores. ;Bolsonaro constrói um plano de governo com frase de efeito, sem diagnóstico e propostas. Declara que vai combater questões como ideologia de gênero e o comunismo. É um discurso enviesado para a demanda de determinados grupos sociais e reflete somente o ponto de vista desses grupos e traz propostas;, pondera.

Já a campanha petista erra, segundo Geraldo, ao criticar mais que trazer proposições. ;Haddad traz uma versão para atacar um suposto governo conservador. Não traz propostas. É como se o documento fosse um alerta de como o partido vai se comportar numa possível oposição;, interpreta.

O professor e cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas é crítico às propostas. ;É preciso aprofundá-las. Estão no campo da generalidade. Gostaria que fossem mais apuradas;, reclama. Ele exemplifica a fragilidade dos planos de governo. ;Quando se fala em geração de emprego, ainda não está claro de onde vêm as soluções e quais são as propostas.;

Haddad quer retomar 2,8 mil obras paradas para alavancar a criação de postos de trabalho. Bolsonaro aposta em um sistema econômico liberal para atrair investimentos e assim ampliar as oportunidades de emprego. ;Ambas as propostas são genéricas. Tocar obras exige recursos e o momento é difícil. Apostar no comportamento do mercado necessita de um clima favorável. Espero que agora os candidatos apresentem algo mais sólido;, conclui.

Eles se defendem
Na defesa de seus projetos, as campanhas sobem o tom. Marcos Rogério de Souza, coordenador da equipe técnica do plano de governo de Haddad, usa as falhas do documento de Bolsonaro para alavancar a proposta petista. ;São medidas sintéticas, com ideias vazias. Ninguém nunca apresentou um documento tão frágil. O plano de Haddad é detalhado em todas as áreas. Foi construído por acadêmicos, professores e gestores;, defende.

Haddad quer retomar 2,8 mil obras paradas para alavancar a criação de postos de trabalho

Ele considera que o documento traz um ;caminho seguro para o Brasil;. ;Para a economia, Bolsonaro apresenta jargões que expressam os interesses dos ricos, banqueiros e empresários. Ele defende a reforma trabalhista como está e quer uma nova carteira de trabalho. Na segurança, quer privatizar a responsabilidade. Em vez de assumir a responsabilidade do governo, Bolsonaro armando o cidadão o coloca para responder por sua própria segurança;, desaprova.

Durante dois dias, o Correio procurou a coordenação de campanha de Bolsonaro, seus assessores e interlocutores de seu partido para que comentassem o plano de governo defendido pelo PT e defendessem suas propostas. Ninguém respondeu até o fechamento desta edição.

No plano de governo, Bolsonaro destaca que quer ;um governo decente, diferente de tudo aquilo que nos jogou em uma crise ética, moral e fiscal;. ;Um governo sem toma lá, dá cá, sem acordos espúrios. Um governo formado por pessoas que tenham compromisso com o Brasil e com os brasileiros. Que atenda aos anseios dos cidadãos e trabalhe pelo que realmente faz a diferença na vida de todos;, escreveu.


O que eles propõem


; Jair Bolsonaro (PSL)*

Saúde
Criar o Prontuário Eletrônico Nacional; garantir que toda força de trabalho da saúde possa ser utilizada pelo SUS; incentivar que todo médico brasileiro atenda a qualquer plano de saúde, criar a carreira de médico de Estado e treinar agentes comunitários de saúde para se tornarem técnicos de saúde preventiva.

Educação
Mudar o conteúdo e método de ensino, com mais matemática, ciências e português, sem a doutrinação e sexualização precoce; expurgar a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC); e promover a educação à distância.

Segurança
Recuperar as condições operacionais das Forças Armadas; acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias; reduzir a maioridade penal para 16 anos; e reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa.

Corrupção
Resgatar as 10 medidas contra a corrupção.

Infraestrutura
Desburocratizar, simplificar, privatizar e pensar de forma estratégica e integrada. Havendo baixo risco regulatório, o Brasil poderá atrair uma grande quantidade de investimentos.

Mulheres
Combater o estupro de mulheres.

Infância
Combater o estupro de crianças.

Ciência, Tecnologia e Inovação
Estimular jovens pesquisadores e cientistas das universidades a buscarem parcerias com empresas privadas para transformar ideias em produtos. O Brasil deverá ser um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio, gerando novas aplicações e produtos.

Previdência
Propor um novo modelo de previdência: por capitalização. Seria uma forma de alavancar a poupança para a aposentadoria. Novos participantes terão a possibilidade de optar entre os sistemas novo e velho. E aqueles que decidirem pela capitalização merecerão o benefício da redução dos encargos trabalhistas.

*O candidato não apresenta propostas para negros, LGBTs, idosos, meio ambiente e seca.

; Fernando Haddad (PT)

Saúde
Regionalizar serviços de saúde; aprimorar a regulamentação das relações em particular com as organizações sociais; promover a reforma psiquiátrica; criar a rede de clínicas de especialidades médicas; e implantar o prontuário eletrônico.

Educação
Investir progressivamente 10% do PIB no setor; implementar custo-aluno-qualidade (CAQ); institucionalizar o novo Fundeb, com aumento da complementação da União; e ajustar a Base Nacional Comum Curricular.

Segurança
Reduzir as mortes violentas; refazer o Plano Nacional de Redução de Homicídios; fortalecer os sistemas de informação sobre segurança pública; e aprimorar a política de controle de armas e munições, reforçando seu rastreamento.

Corrupção
Aperfeiçoar as leis e os procedimentos que garantam cada vez maior transparência e prevenção à corrupção, bem como aprimorar os mecanismos de gestão e as boas práticas regulatórias dos órgãos públicos.

Infraestrutura
Expandir parcerias com o setor privado por meio de concessões e outras parcerias público-privadas; criar o fundo de financiamento da infraestrutura, composto por pequena parcela redirecionada das reservas internacionais e recursos do BNDES e privados.

Mulheres
Incentivar políticas que promovam a autonomia econômica das mulheres, a igualdade de oportunidades e isonomia salarial no mundo do trabalho; e recriar o Ministério das Mulheres.

Negros
Adotar medidas para a valorização dos negros, visando à equiparação salarial e maior presença nos postos de chefia e direção; e elaborar o Plano Nacional de Redução da Mortalidade da Juventude Negra e Periférica.

LGBTs
Criar nacionalmente o Programa Transcidadania, que garantirá bolsa de estudos a pessoas travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade para concluírem o ensino fundamental e médio

Idosos
Desenvolver políticas para a proteção socioeconômica e o envelhecimento ativo da população, especialmente em áreas de baixa renda, além de implementar o Plano Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável.

Infância
Apoiar os municípios para a ampliação das vagas em creche; combater o trabalho infantil; retomar políticas de proteção prevenindo o abandono e a violência; e aperfeiçoar e equipar os conselhos tutelares.

Meio ambiente
Investir na gestão sustentável dos recursos hídricos, protegendo aquíferos e lençóis freáticos da contaminação e superexploração, recuperando nascentes, despoluindo rios e ampliando as obras de saneamento.

Seca
Ampliar o Programa Um Milhão de Cisternas; e dar continuidade ao Projeto de Integração do rio São Francisco (PISF).

Ciência, Tecnologia e Inovação
Aumentar o orçamento das agências de fomento federais; implementar o plano decenal de aumento dos investimentos nacionais em CTI, tanto governamentais quanto empresariais, visando atingir o patamar de 2% do PIB em investimentos até 2030.

Previdência
Revogar medidas aprovadas por Michel Temer; promover o equilíbrio e a justiça previdenciária; e garantir que serão adotadas medidas para combater, na ponta dos gastos, privilégios previdenciários incompatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira.

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