Politica

Partidos e discursos conservadores ganham protagonismo no novo Congresso

Base das legendas de direita será responsável por aprovar o plano de governo de Bolsonaro nas áreas de segurança, meio ambiente e direitos humanos. Propostas do capitão estão mais voltadas para o Legislativo do que o Executivo

Paulo Silva Pinto, Leonardo Cavalcanti
postado em 18/10/2018 06:00
Soldados do Exército no Rio: segurança pública deve voltar a ser atribuição dos estados

O avanço dos partidos conservadores no Congresso Nacional será estratégico para o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), se eleito, implementar mudanças nas áreas de segurança, meio ambiente, questões trabalhistas e direitos humanos. As principais propostas, escritas ou não, das quatro áreas necessitam aprovação de projetos no Legislativo, o que levará as legendas de apoio ao capitão reformado a um protagonismo inédito no jogo de forças na Esplanada. Se, como deputado federal, sua produtividade foi baixa ; apenas dois projetos aprovados em 26 anos ;, como chefe do Executivo sua história de legislador poderá ser reescrita.

A base dos partidos de viés claramente conservador chega agora a 182 deputados. Isso inclui os eleitos do PSL, que há quatro anos conquistou apenas uma cadeira e chegou a 52 no pleito duas semanas atrás. Fazem parte da lista também o PP (37 deputados eleitos), PSD (34), PRB (30) e DEM (29). É uma evolução de 55% em relação a quatro anos atrás (veja gráfico).

Quando se observa a evolução desde 1994, ano em que a maior parte desses partidos não estava representado na casa, percebe-se que houve progressiva retração do número total de representantes. Agora, a quantidade de cadeiras com esse grupo não só subiu como suplantou o patamar de 24 anos atrás. Isso não quer dizer que não haja deputados conservadores em outras legendas: essas são aquelas em que esse grupo é hegemômico. O número de conservadores é bem maior, e a possível base do eventual governo Bolsonaro ainda mais ampla, que sugere folga para a aprovação de projetos.

Na parte de segurança pública, por exemplo, o plano de Bolsonaro prevê a redução da maioridade penal para 16 anos, a reformulação do Estatuto do Desarmamento e a adoção do excludente de ilicitude ; uma norma que garante proteção jurídica a policiais acusados de matar em serviço.

Com o plano centrado na atuação do Congresso no primeiro momento, Bolsonaro dá mostras de que deve desmontar o plano da gestão de Michel Temer de assumir parte das políticas de segurança pública ; constitucionalmente, a responsabilidade é dos governos estaduais. ;A dificuldade é que os governadores estão de pires na mão, sem dinheiro nem mesmo para comprar viaturas, um bem de consumo das polícias, pois só duram em média três anos;, afirma Arthur Trindade, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).

O retorno da responsabilidade das medidas contra violência para os governadores fica evidente com a disposição de Bolsonaro em extinguir o Ministério da Segurança Pública, criado pelo governo Temer como uma tentativa de centralizar o trabalho policial. A pasta foi vista como uma medida para tentar aumentar a popularidade, que, no início do ano, já apontava índices muito baixos. A tendência, assim, é levar de volta a estrutura do órgão para o Ministério da Justiça, que voltaria a ter sob seu guarda-chuva uma secretaria nacional para coordenar as atividades policiais e penitenciárias com os governadores.

Nos bastidores, os militares acreditam que a volta da responsabilidade da segurança para os estados seria uma medida acertada. Mas, no eleitorado do candidato do PSL, especialistas no tema acreditam que haverá frustração. Afinal, é grande a expectativa de que Bolsonaro resolva a crise do combate à violência. ;É constitucional, os estados devem assumir a responsabilidade;, disse um oficial de alta patente da Forças Armadas ao Correio. Os militares não têm expectativa em assumir nem a pasta da Justiça nem a de Segurança, caso Bolsonaro venha a mantê-la, contrariando as próprias declarações até aqui.

Novo paradigma

Para Antonio Augusto de Queiroz, diretor de planejamento do Departamento Intersindical de Análise Parlamentar (Diap), a evolução do número de deputados conservadores mostra que as atuais eleições quebram um paradigma que vinha sendo observado em todas as disputas desde 1994. ;O eleitor sempre foi desafiado a fazer uma escolha mais liberal ou mais social. Agora, não é nada disso.; Na avaliação dele, nas últimas décadas havia constrangimento dos eleitores e dos candidatos mais conservadores de se assumirem de direita, o que acabou, com um claro viés conservador nas escolhas. ;Todos saíram da toca;.

O avanço do conservadorismo na Câmara dos Deputados implica vários riscos para conquistas na área de direitos humanos. ;Não se trata apenas de impedir novos avanços. Passa a existir um risco real de retrocessos;, alerta Queiroz. A lista é longa. Direitos assistenciais a presos e a suas famílias, por exemplo, que já existem há décadas, tendem a ser eliminados.

Na área trabalhista, deverá ser modificada a interpretação sobre o que é trabalho análogo à escravidão, uma antiga reivindicação da bancada do agronegócio. O resultado será dificultar a caracterização dos casos que se enquadram nessa situação.

Na área ambiental, as mudanças devem ser ainda mais fortes, passando por facilitar a construção de estradas e exploração de minérios em áreas indígenas sem a necessidade de avaliação detalhada por órgãos ambientais. As restrições ao uso de agrotóxicos devem diminuir.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) deverá ter o nome alterado, afinal trata-se de uma homenagem a um seringalista, implementada em 2007 pela então ministra do Meio Ambiente Marina Silva quando ela era filiada ao PT.

O ICMBio administra parques nacionais e outras áreas de conservação do governo federal, sendo responsável também pela fiscalização desses locais e das adjascências. Surgiu com o desmembramento do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no qual foram mantidas as atividades de fiscalização e licenciamento ambiental em todo o país. Caso Bolsonaro seja eleito, é provável que esses dois órgãos sejam fundidos novamente.

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