Ana Dubeux
postado em 21/10/2018 12:18
Meus dois melhores amigos romperam. Já não têm nada em comum. Já não concordam nem naquelas coisas mais elementares, que os aproximaram por tanto tempo. O Frank Sinatra tocando no carro bem alto, a fuga para o vinho do Porto na hora do almoço, o cafezinho na esquina de casa, a gelada no boteco pé-sujo. Viraram seus encontros do avesso, subiram o tom da voz, embaralharam as cartas da mesa, acusaram-se mutuamente.
Meus amigos, eu lhes digo que ando aflita. E também cansada dessa labuta diária, da política ingrata que criou espinhos além da conta em nossas roseiras. Por causa dela, vocês já não se olham nos olhos, frequentam outras barracas de praia, arranjaram outras turmas, que se encontram no WhatsApp para postar emojis satisfeitos e palminhas corroborando as mesmas ideias de seus grupos.
Não foram apenas discussões bobas ou sobre pontos de vistas opostos. Romperam do pior jeito. A identidade derreteu feito gelo n;água. Logo eles, que pareciam gêmeos de tanta afinidade. Mesmo riso solto, mesma devoção aos santos, mesma busca pelo sentido da vida. Tantas conversas até que, de repente, conheceram uma parte do outro que não tinha sido apresentada. Não foi amor à primeira vista, tampouco houve simpatia.
Não achei que estaria viva para ver a ópera bufa que vocês encenaram naquele outro dia: uma briga daquelas, quase aos socos e pontapés, diante de uma plateia horrorizada, mas sedenta por um desfecho sangrento.
Tudo bem que é difícil engolir um pacote fascista embrulhado pra presente com laço de fita. É tentar justificar o injustificável; humanizar o desumano. Tortura e ditadura ; dá pra defender? Corrupção também dói na alma. Ignorar a sujeira levantada pela Operação Lava-Jato é desonestidade, não é? Por tudo isso, vocês partiram para o tudo ou nada. Amizade meio-termo realmente nada tem a ver com vocês. Melhor assim.
Agora, ficam os nós. Tipo novelo de lã, pelo de cão. Nós ingratos. Não vai dar para desatar. Quem sabe um dia vamos rir disso tudo, não é? Hoje, o meu desejo é chorar. Não apenas porque vocês partiram da vida um do outro e deixaram lugares vazios na minha mesa compartilhada. É preciso aceitar que estamos vivendo um pesadelo. Só não me peçam pra fingir que é bom. O sonho que eu quero viver ainda é de liberdade e tolerância.