Politica

Lei não obriga políticos a cumprirem promessas de campanha

Após o pleito, o eleito pode voltar a descumprir promessas, alertam especialistas. Cabe ao eleitor puni-lo quando voltar à urna

Alessandra Azevedo
postado em 22/10/2018 06:00
Fernando Haddad (PT) já mudou três vezes o programa desde o registro da candidatura. Propostas de Bolsonaro são vagas, o que dificulta fiscalização
As diretrizes que os candidatos à Presidência da República prometem seguir durante um eventual mandato são detalhadas nos planos de governo, registrados obrigatoriamente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A preocupação dos eleitores com esse documento é tão importante quanto a atenção aos discursos, mas de nada adianta o engajamento durante as campanhas se todas as promessas forem esquecidas nos quatro anos seguintes. A falta de vigilância dá abertura a frustrações: quando os candidatos, uma vez eleitos, se esquecem ; ou deixam de lado propositalmente ; os compromissos que fizeram quando tentavam angariar votos.

Um exemplo recente é o que fez o candidato ao governo de São Paulo João Doria (PSDB), que garantiu, em 2016, que não deixaria a Prefeitura da capital paulista para concorrer a outro cargo. Fez exatamente o contrário neste ano. No Palácio do Planalto, a reversão de expectativa aconteceu no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que mudou o posicionamento quanto às políticas fiscais. Não foi muito diferente do que houve com Fernando Collor, que bloqueou o acesso dos brasileiros às suas contas bancárias, incluindo a poupança.

A partir de 2019, o eleito pode voltar a descumprir promessas, alertam especialistas. O cenário mais provável é que o nome escolhido nas urnas não consiga cumprir boa parte das promessas ou, em alguns casos, não esteja sequer disposto a executá-las. A uma semana do segundo turno, o candidato que desponta em primeiro lugar nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), tem um histórico de promessas vagas ou pouco detalhadas. A outra opção dos brasileiros, Fernando Haddad (PT), já fez mudanças no plano de governo desde o primeiro turno, o que sugere instabilidade.

No Brasil, todos que optaram por esquecer os planos pagaram um preço. Dilma e Collor, por exemplo, sofreram impeachment. Mas nenhum deles arcou com punições no âmbito penal. Afinal, descumprir promessas feitas aos eleitores não é crime. ;Quem se elege por meio do voto não está vinculado juridicamente às promessas de campanha;, explica o advogado especialista em direito eleitoral Marcellus Ferreira Pinto. Além disso, não há sequer previsão legal para o que se costuma chamar de ;estelionato eleitoral;. ;Existem crimes eleitorais que se assemelham, mas não ele, propriamente dito. O conceito não foi inserido na lei brasileira como crime ou infração civil;, aponta o advogado. A maior punição pode ser exercida pelo próprio eleitor, quando volta à urna.

Carta branca

Caso Haddad seja eleito e resolva ir contra o plano de governo e privatizar estatais como a Eletrobras, por exemplo, ele pode não ser punido criminalmente, mas com certeza sofrerá consequências políticas. Já no caso de Bolsonaro, que tem um programa com diretrizes pouco claras, essa garantia é mais difícil de ser feita, afirma a cientista política Flávia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB).

Para ela, o maior problema é não saber muito bem o que o líder nas pesquisas promete. ;Votar assim é dar uma carta branca ao candidato. O risco é enorme;, alerta. Fiscalizar a execução de um programa que não é detalhado é bem mais difícil. ;O que dá para fiscalizar, que está no plano e ele deve fazer, é privatização;, acredita a professora. Bolsonaro também pode ser cobrado em relação à prioridade de políticas relacionadas à segurança pública, que foi o mote da campanha.

O teto de gastos públicos também é mencionado pelos dois candidatos: o capitão reformado do Exército afirma que manterá o limite. O petista diz que revogará a emenda que o instituiu. A divergência vale para a reforma trabalhista, que Haddad promete desfazer, enquanto Bolsonaro propõe, por vezes, aprofundar.

Na visão do cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getulio Vargas (FGV), embora seja ;muito complicado captar o que o Bolsonaro oficialmente quer;, os dois programas de governo são fracos. Haddad não tem divergência de discursos na chapa, mas não traz tanta consistência no documento, avalia o especialista.

Na última terça-feira, ele entregou ao TSE uma nova versão do programa de governo. É a terceira desde o pedido de registro da candidatura do PT. Retirou a proposta de uma nova assembleia constituinte e suavizou pontos relacionados a identidade de gênero e políticas contra as drogas. ;Mudanças no plano de governo são mal vistas, porque quem votou no primeiro turno tinha uma expectativa, e agora ele mostra ter uma linha diferente sobre certos assuntos;, diz Praça.

;Quem se elege por meio do voto não está vinculado juridicamente às promessas de campanha;
Marcellus Ferreira Pinto, advogado especialista em direito eleitoral

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