Politica

'Bolsonaro colocará em risco a democracia no Brasil?', pergunta 'FT'

O Financial Times diz que a maioria dos eleitores parece não se importar com a apologia do deputado à ditadura militar, com o endosso à tortura e com comentários depreciativos

Agência Estado
postado em 24/10/2018 15:27

Eleitor com bandeira de bolsonaro em mãos.

É com uma pergunta no alto da página principal de seu site que o jornal britânico de economia "Financial Times" convida seus leitores para uma "grande leitura" sobre a política brasileira: o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, colocará em risco a democracia do País? O longo texto traz depoimentos de eleitores que afirmam não ter alternativa de voto depois de quatro mandatos do PT - a disputa do ex-militar é com o candidato da legenda, Fernando Haddad.

Pelo que as pesquisas de intenção de voto indicam, o dono da retórica que vem sendo comparada com a do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a do líder filipino, Rodrigo Duterte, vencerá a disputa no domingo, 28. Ele assumirá, de acordo com a reportagem, um País polarizado entre esquerda e direita e que precisa desesperadamente de reformas econômicas para evitar a volta à crise.

O "Financial Times" diz que a maioria dos eleitores parece não se importar com a apologia do deputado à ditadura militar, com o endosso à tortura e com comentários depreciativos sobre homossexuais, mulheres e negros. "Eles querem usá-lo como uma bola de demolição para acabar com o que veem como um establishment político irremediavelmente corrupto e incompetente, começando com o PT", mencionou.

Quaisquer que sejam as razões para sua provável vitória, segundo a publicação, os observadores estão divididos sobre se uma Presidência de Bolsonaro ameaçará uma das conquistas mais duramente conquistadas no Brasil - sua democracia.

A campanha, observou o veículo de comunicação inglês, foi moldada com falas chocantes e frases provocativas. Relatou ocasiões passadas em que disse que a ditadura poderia ter matado mais pessoas e que fecharia o Congresso no mesmo dia que fosse eleito. "No domingo passado, ele disse em um comício que o PT, ;esses marginalizados vermelhos;, serão ;banidos de nossa terra natal; e prometeu que Haddad seria jogado na cadeia", citou.

O cientista político da Universidade de Stanford Francis Fukuyama o descreveu como uma ameaça à democracia. Alguns observadores, no entanto, acreditam que a ameaça é exagerada, como, por exemplo, Chris Garman, da consultoria política Eurasia Group, que usou como argumento a existência de instituições relativamente robustas.

Ao descrever o perfil do candidato de extrema-direita, o site lembra que ele passou pelo Exército antes de entrar para a política, no fim dos anos 80, e que mudou de partido quase dez vezes.

Mídias sociais

O site também informou que, desde o início da Operação Lava Jato, Bolsonaro vem usando agressivamente as mídias sociais para preencher o vazio político e cortejando eleitores com uma mistura de conservadorismo social - ele foi rebatizado no Rio Jordão - e o liberalismo econômico.

Hoje, explica o site do diário, seus partidários vão desde ativistas de extrema direita que esperam uma reprise da ditadura militar e empresários que buscam políticas econômicas liberais a cristãos evangélicos que apoiam os "valores familiares tradicionais" e outros que querem uma repressão ao crime.

O "FT" recorda que, após Haddad substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - preso por corrupção, mas que ainda estava à frente de Bolsonaro nas pesquisas - na campanha, o capitão reformado foi esfaqueado, o que lhe trouxe uma cobertura televisiva quase primitiva.

No primeiro turno, Bolsonaro recebeu 46% dos votos em seu leito hospitalar contra 29% de Haddad. "Desde então, ele conduziu sua campanha de segundo turno em grande parte de casa, recusando-se a participar de debates na televisão", observou.

Ao contrário do PT, que é responsabilizado pela destruição da economia sob a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, Bolsonaro está tentando formar uma equipe econômica composta de tecnocratas liderada pelo seu assessor Paulo Guedes, economista formado pela Universidade de Chicago.

Se ele conseguir fazer as reformas, o Brasil pode estar preparado para outro ciclo virtuoso, de acordo com o economista do UBS, Tony Volpon. Guedes tem um ambicioso programa de privatização de 147 grandes estatais para pagar 20% da crescente dívida pública do Brasil.

No entanto, Bolsonaro foi no passado um feroz crítico das privatizações e alertou sobre como algumas áreas estão fora desse pacote, como a geração de eletricidade e as operações da Petrobras.

O "FT" comentou que o sistema previdenciário brasileiro é dispendioso e muitas vezes injusto, permitindo que muitos trabalhadores se aposentem aos 50 anos de idade e beneficiando funcionários públicos bem remunerados. Bolsonaro disse que apoia algum tipo de reforma, mas descartou a versão preparada pelo atual presidente Michel Temer.

"Essas reformas também serão difíceis de implementar. Com 30 partidos no Congresso, Bolsonaro terá que ganhar a maioria de dois terços necessária para aprovar uma emenda à Constituição, para fazer uma reforma previdenciária. Mas algum tipo de mudança será necessário com relativa rapidez, argumentam os economistas, ou a lua-de-mel de Bolsonaro com os mercados pode ser curta", apontou o site.

Agenda Social

Alguns advertem que Bolsonaro pode querer usar seu capital político para entregar primeiro sua agenda social, em vez de priorizar reformas econômicas. O candidato poderia tentar flexibilizar o porte de armas, relaxar as normas para a polícia em confrontos armados com criminosos e reduzir a maioridade penal dos atuais 18 anos. Para outros, no entanto, tais preocupações são insignificantes em comparação com o que veem como instintos autoritários de Bolsonaro.

"Suas propostas para afrouxar os controles dos policiais, por exemplo, são alarmantes em um País que tem um dos maiores números de assassinatos cometidos pela polícia no mundo. A esmagadora proporção das vítimas é de jovens negros", trouxe o site, citando que em 2015 e 2016 este foi o perfil de três a cada quatro mortos pela polícia.

Outros temem ainda, conforme o "Financial Times", que a retórica da campanha tenha desencadeado uma onda de crimes de ódio. Além de citar a facada ao próprio Bolsonaro, informou sobre o assassinato do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, em uma discussão sobre política.

A reportagem também lembra que um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, também deputado, causou alarme esta semana quando, em um vídeo divulgado, descartou qualquer tentativa do Supremo Tribunal Federal (STF) de impedir a candidatura de seu pai. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comentou que a fala "cheira a fascismo" e Bolsonaro pediu desculpas à Corte Suprema.

O papel dos militares na campanha de Bolsonaro também irritou alguns, ainda de acordo com o "FT". Ele promete nomear vários generais para ministérios e seu vice, o general Antônio Hamilton Mourão, também se aposentou no Exército. Enquanto militares têm se interessado mais por política do que antes, a maioria dos analistas vê o grupo desempenhar um papel de "apoio", em vez de intervir mais diretamente na política, como o modelo de Donald Trump nos Estados Unidos. Alguns analistas também duvidam que o Brasil possa desenvolver uma forma de "autoritarismo brando", como na Turquia.

Democracia

Outra barreira para uma Presidência mais autoritária é que as pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros ainda apoia a democracia. "Bolsonaro parece ter percebido isso e prometeu uma reforma política, incluindo surpreendentemente uma proposta para acabar com a reeleição." Entre os eleitores moderados, conforme o "Financial Times", falar de um fim da democracia não é algo levado a sério.

Em um pequeno box anexo à grande reportagem, o site lembrou de críticas do candidato ao maior país asiático e também principal parceiro comercial, afirmando que a China não estava comprando no Brasil, mas "o Brasil". Na semana passada, o militar da reserva repetiu que não queria que empresas estatais "estratégicas" acabassem nas mãos chinesas como resultado de privatizações. Se eleito no domingo, analistas e exportadores esperam, conforme o texto, que Bolsonaro adote uma postura mais pragmática sobre o tema antes de tomar posse em janeiro.

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