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Sem Lula, Haddad não seria candidato, nem conseguiria subir nas pesquisas

Fernando Haddad chegou aonde está nas eleições presidenciais apesar do PT, mas, sem Lula, não seria candidato, nem se alavancaria para 29% em tão pouco tempo



Fernando Haddad chegou até aqui apesar do PT. E tem, diante de si, apenas uma certeza: o fogo amigo vai continuar. Na hipótese de ele terminar este domingo vitorioso nas urnas, algo pouco provável pelas pesquisas de intenção de voto, não encontrará vida fácil na própria casa. Será preciso negociar com várias forças do partido, muitas das quais derrotadas nas urnas e ávidas por cargos e influência. Diante da possibilidade de derrota, com maior chance de ocorrer, ele poderá, ao menos, ostentar dezenas de milhões de votos no currículo. Mas nada garante que isso lhe dará direito a protagonismo dentro da legenda e no conjunto da oposição.

;Desde o começo, o PT é um partido de liderança única: Lula. Apenas expoentes regionais têm licença para emergir;, explica Roberto Romano, professor de filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Diante dessa limitação, portanto, Haddad não pode se arvorar no direito de, com o patrimônio político conquistado, manter uma posição que lhe garanta ser postulante ao Planalto novamente.

Para seguir na cena política dentro do PT, Haddad precisará contar com a sorte e com o apoio de caciques que, em alguns casos, fizeram pouco esforço por ele. Ou, até mesmo, jogaram contra. O ex-governador da Bahia Jacques Wagner era o primeiro escolhido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como alternativa para ser cabeça de chapa. Enrolou o quanto pôde, ao mesmo tempo em que trabalhava para que o partido apoiasse Ciro Gomes (PDT).

Só quando não tinha mais jeito, a escolha recaiu sobre o ex-prefeito de São Paulo. E, ainda assim, a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, disse que ele estava ;em estágio probatório;. Wagner foi eleito para o Senado, onde deverá ser um dos principais expoentes petistas. Gleisi, que hoje representa o Paraná na Casa, passará à Câmara. Ambos continuarão com grande poder no Congresso e no partido nos próximos quatro anos. ;O PT virou uma oligarquia regional e parlamentar. A base não tem mais a força que tinha antes, com o envelhecimento da estrutura partidária;, explica o professor da Unicamp.

Diferença menor

Se as pesquisas de intenção de voto indicam a provável derrota de Haddad, de um lado, de outro sugerem que a diferença será menor do que se apontava há três semanas, após o primeiro turno. Na avaliação do candidato petista, ele chegou fraco em 7 de outubro por ter tido menos de um mês para se apresentar ao público. Inicialmente, a chapa foi registrada com o nome dele como vice, tendo Lula na cabeça.

Esperou-se até 11 de setembro, quando se esgotaram todas as possibilidades de recurso para garantir a presença se Lula no pleito. Só então se apresentou Haddad como postulante de fato. Ele mesmo defende essa estratégia como a melhor. Mas, entre analistas, há divergências. ;Se Haddad tivesse sido candidato desde o início do ano, a história poderia ter sido outra;, destaca Romano.

Quem argumenta a favor da escolha petista diz que, sem o apoio de Lula, Haddad não teria decolado. E, de fato, em menos de um mês, ele passou de 4% das intenções de voto para os 29% nas urnas, que lhe garantiram o passaporte para o segundo turno ; Jair Bolsonaro (PSL) teve 46%. O problema é que esse avanço, ainda que não fosse garantido, era razoavelmente esperado. A partir desse patamar, as imagens de Lula, preso em Curitiba, e do PT, passaram a ser um fardo na conquista de novos votos.

Para o cientista político Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), teria sido possível evitar o impasse se Lula e o partido dessem sinal verde para movimentos mais ousados. ;Perguntado se daria indulto ao ex-presidente, Haddad foi evasivo, dizendo que o principal expoente petista quer cumprir o rito legal. Deveria ter sido assertivo, afirmando que a situação depende do Judiciário, e que ele, se eleito, não iria chamá-la para si. Isso teria lhe garantido alguns milhões de votos;, assevera Figueiredo.

Comprometimento

O cientista político Steven Levitski, da Universidade Harvard, afirmou ao Correio, três dias após o resultado do primeiro turno, que Haddad deveria se comprometer publicamente a não soltar Lula, entre outras concessões, como anunciar futuras escolhas de nomes para o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitos pelo centro. E precisaria, sobretudo, buscar a construção de uma ampla frente em defesa da democracia. Em suma, teria de abrir mão de um governo petista. É exatamente esse acerto que Figueiredo enxerga como algo que teria sido possível a partir de uma promessa de não interferir na situação de Lula.

O segundo turno começou claudicante. O próprio Lula reconhece que Haddad não deveria ter passado a primeira semana em São Paulo gravando programas de tevê. Precisaria ter visitado regiões onde pudesse consolidar os votos conquistados e ganhar outros, sobretudo no Nordeste e no norte de Minas Gerais. Jacques Wagner tornou-se coordenador da campanha e, ao menos, conseguiu turbinar a presença social do candidato nas redes, muito aquém, porém, do padrão do oponente.

Um agravante do segundo turno é que poucos petistas arregaçaram as mangas para realmente trabalhar por Haddad. Entre os candidatos, quem venceu a eleição foi descansar. Quem perdeu foi curtir a ressaca. Além disso, a histórica militância petista aguerrida das ruas é algo que pertence mais ao passado do que ao presente.

;O PT foi formado por vários grupos, incluindo cristãos socialistas, trotskistas e egressos do Partido Comunista Brasileiro. Depois da eleição do Lula no primeiro turno e, mais tarde, do escândalo do Mensalão, muitas pessoas deixaram o partido e outras perderam a empolgação;, explica Romano.

Crise ética

Na avaliação de Romano, a crise ética é do sistema político, não apenas a legenda, mas suas lideranças deveriam ter lidado melhor com esse e outros problemas, incluindo a mudança programática após a chegada ao poder. A alteração de rumo começou com a Carta aos brasileiros, durante a campanha de 2002, em que Lula firmou compromissos amigáveis aos mercados. ;Ela representou uma ruptura com o ideário socialista do partido. Deveria ter sido ratificada por um congresso;, argumenta o professor de filosofia.

Na falta de anuência das bases, a legenda foi perdendo um dos principais motivos de orgulho: a diferença em relação aos outros grupos político-eleitorais. Uma certa compensação veio pelo fato de o partido estar no poder em municípios, em estados e, finalmente, em Brasília. A militância ganhou cargos que garantiam renda e oportunidade de se lançar politicamente. Haddad estava no segundo grupo. Conquistou uma vaga de assessor na Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo, em 2001, quando Marta Suplicy era prefeita. Com Lula eleito, foi para o Ministério do Planejamento. De lá, para a Educação. Em 2005, era ministro da pasta.

Haddad filiou-se ao PT em 1983, quando o partido era recém-criado. Passou ao largo da estrutura partidária a maior parte da vida. Se não caísse nas graças do líder máximo da legenda, não teria virado ministro, prefeito de São Paulo, em 2012, e candidato a presidente. Ao mesmo tempo, isso desperta ciúmes que o tornam ainda mais vulnerável na disputa fratricida pelo poder no partido. Até aqui, o fato de ser preferido de Lula ajudou Haddad. Também lhe impôs limites. Depois de conquistar a preferência de tantos brasileiros, a grande incógnita é se sua trajetória continuará a ser vinculada ao criador, com todas as dores e as alegrias que isso traz.