Politica

Militares ganham protagonismo com a chegada de Bolsonaro ao Planalto

Presidente eleito sinalizou que, em seu governo, pretende contar com vários generais em ministérios

Simone Kafruni
postado em 29/10/2018 06:00
O comandante do Exército, general Augusto Heleno, foi confirmado como ministro da Defesa na administração de Jair Bolsonaro
Como o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) sinalizou, durante a campanha, que terá vários militares no seu ministério ; ele próprio é capitão reformado e seu vice, general ;, as Forças Armadas vão ganhar protagonismo no futuro governo nunca visto no período democrático do país. Não que isso, necessariamente, agrade ao alto-comando. Integrantes do Exército tentaram blindar a imagem da instituição, descolando-a da de Bolsonaro, por temerem perder a confiança da população num eventual fracasso do novo governo.

Apesar de ser capitão, o presidente será o comandante supremo das Forças Armadas. No núcleo da Defesa, no entanto, a expectativa é de que a corporação continuará prestando o serviço de contribuir com a expertise na engenharia, ciência e tecnologia, e de manter as missões operacionais. ;A instituição tem credibilidade junto à população. Leva água para 4 milhões de nordestinos, atende à saúde na Amazônia. E a geração que foi formada vem de outro ambiente, mais conciliador. Não há espaço para os militares participarem de um regime totalitário. Esse risco é inexistente;, assegura um alto-comandante do Exército.

Nos bastidores, há consciência de que o candidato de certa maneira surfou no prestígio que as Forças Armadas conquistaram. ;Houve uma transferência de votos para Bolsonaro, mas não queremos a responsabilidade de estar junto;, garante um militar da Marinha. Segundo ele, a força quer exercer seu papel constitucional, ;sem interesse, estratégia ou projeto de assumir uma gestão; no governo federal. ;Existem oficiais da reserva, que, como cidadãos, participarão do governo. Se alguém da ativa for escolhido, pode pedir licença por dois anos. Se passar disso, é transferido automaticamente para a reserva;, explica.

Na opinião dos integrantes do alto-comando, a margem apertada de diferença de votos também vai obrigar o capitão reformado a dialogar mais, sem espaço para decisões autoritárias. Os especialistas, contudo, têm opiniões diferentes sobre o papel das Forças Armadas no próximo governo.

Para Arthur Trindade, ex-secretário de segurança do Distrito Federal e ex-militar, é necessário entender as Forças Armadas como corporação, instituição e grupo social. ;São coisas distintas. Como grupo social, os militares vão ocupar muitos cargos no governo, porque é um governo vazio. Não é culpa do Bolsonaro. Os partidos não têm quadros para mobiliar uma máquina;, ressalta. Nesse aspecto, Trindade diz que a expertise militar pode contribuir muito para pastas na área de infraestrutura. ;Agora, vai causar mal-estar, porque não tem vaga para todo mundo. Isso pode gerar atrito interno;, diz.

Enquanto instituição, ressalta o especialista, o Exército conquistou um prestígio social a que não se assistia desde a década de 1970. ;Isso está preocupando os militares, mas eles deixaram o Bolsonaro colar demais. A instituição pode estar sendo posta em risco, porque tudo de ruim que ocorrer vai para a conta dos militares também. E o alto-comando está pessimista quanto ao governo do Bolsonaro em termos econômicos;, analisa. Apesar disso, Trindade avalia que as forças não foram enfáticas em cobrar que o Bolsonaro não os representa. ;Serão cinco generais no governo. Daqui a um ano vai ter mais de 200 militares e vai ficar cada vez mais difícil desvincular a instituição. Ainda no quesito institucional, o maior drama é quem ocupará o cargo de comandante do Exército com o general Augusto Heleno como ministro da Defesa e homem mais poderoso da República?;, indaga.

Outra agenda de atrito é a corporativa. ;A reforma da Previdência pode elevar a idade mínima dos militares. Se não incluir militares e policiais militares, que interessa para os governadores, não vai ter reforma, não vai servir para nada, e Bolsonaro sinaliza manter os privilégios;, assinala. Por último, Trindade ressalta que o presidente eleito não tem nada a dizer sobre a polícia, porque suas pautas são legislativas (desarmamento, redução da maioridade penal). Ou seja, vai continuar a pipocar greve e ele terá de colocar o Exército cada vez mais dentro da Segurança Pública;, argumenta.

Alinhamento

Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, explica que, constitucionalmente, nada muda. ;A Constituição de 1988 diz que o poder das Forças Armadas deve se submeter ao poder civil. Não importa se quem entrar tenha maior alinhamento ou não com a caserna. Agora, politicamente, os militares terão mais voz e mais recursos;, aposta. ;A carreira como deputado mostrou projetos corporativistas, com objetivo de dar dotação maior para as categorias militares e forças de segurança;, lembra. Consentino ressalta que o presidente, mesmo integrante das Forças Armadas, terá que respeitar as regras do jogo democrático. ;O que pode haver é assédio à Constituição ou tensão das relações com os outros poderes;, diz.

Na opinião de Cristiano Noronha, analista político da Arko Advice, as Forças Armadas vão ganhar protagonismo por estarem na base eleitoral do presidente eleito. ;A maior participação de militares com influência em políticas públicas não é necessariamente ruim, é uma mudança;, destaca. Para o especialista, a campanha é um momento inflamado, de afirmações mais radicais que, depois da eleição, não se confirmam. ;Se houver excessos, serão contidos, não só pelo Congresso mas pelo Judiciário. Nossa democracia não corre risco;, opina.

Organização

O professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC) Sérgio Praça destaca que as Forças Armadas terão o papel de tomar conta do Bolsonaro, vigiar o presidente, moderar algumas posições dele e organizar o governo. ;A marca mais forte dele é o amadorismo e os militares se destacam pelo profissionalismo. É um paradoxo, porque ele é ex-militar. Mas a campanha é desorganizada, não tem um porta-voz definido. Os filhos falam livremente, Paulo Guedes diz uma coisa, Bolsonaro outra, e o Mourão outra. Não há uma coordenação;, observa.

O professor descarta a possibilidade de um regime mais autoritário usando o apoio das Forças Armadas. ;O Brasil de hoje não é o da década de 1964. Ele não está sendo eleito para ser ditador, e sim para ser presidente com todas as oportunidades e limitações que isso significa;, diz. Praça ressalta que, apesar do poder, como presidente, terá que lidar com Legislativo, com o Supremo Tribunal Federal, com governadores, prefeitos e com a mídia. ;É mais fácil os militares usarem ele do que o contrário. É muita ingenuidade comprar briga com essa instituição;, pontua.

No entender do cientista político André Felipe Rosa, há um folclore muito grande com relação aos militares com base no que ocorreu em 1964. ;Isso foi em outro momento. Não acredito em ditadura, nem censura. Apenas que os militares vão ter mais voz. Antes eram escondidos pelos presidentes. Como Bolsonaro é capitão subjetivamente resgatará a credibilidade da corporação;, argumenta. Na reforma da Previdência, Rosa aposta que Bolsonaro não vai mexer na aposentadoria de militares e policiais. ;São a base política dele. Se mexer, perde;, calcula.

Um governo totalitário não é descartado pela cientista política Maria Helena de Castro Santos, professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). ;Vivi o regime militar, sei o que é viver sob um governo totalitário. Havia essa mistura de militares na política. Mas a Constituição determina que a função das Forças Armadas é a defesa da pátria, garantia dos poderes constituídos e por iniciativa de qualquer dos poderes de garantia da lei e da ordem. Ou seja, agora só podem atuar se forem chamadas;, alerta.

O temor da professora é que Bolsonaro tem dado sinalizações de que vai chamá-las. ;Primeiro lugar, está dizendo que terá cinco militares como ministros. Na democracia, se estabelece o controle de civis aos militares. Como vai colocar militares no primeiro escalão, quem sabe segundo e terceiro, isso já ameaça a democracia;, ressalta. Para a especialista, mesmo que haja golpe militar e tanques nas ruas, as autoridades eleitas democraticamente podem introduzir modificações antidemocráticas nas leis, nas portarias, nas normas. ;Pode começar com pequenos atentados à liberdade;, diz. O lado positivo, no entender de Maria Helena, é que as Forças Armadas sofreram uma mudança geracional muito importante e apenas o alto-comando, ou seja, os mais velhos, mantêm o ranço contra o que ;ainda chamam de comunistas;.

"O Brasil de hoje não é o da década de 1964. Ele não está sendo eleito para ser ditador, e sim para ser presidente com todas as oportunidades e limitações que isso significa;
Sérgio Praça, professor do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas

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