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Indicado para o Banco Central tem Paulo Guedes como mentor

Indicação de Roberto Campos Neto para presidir a Autoridade Monetária causa surpresa pela inexperiência no setor público e por ser pouco conhecido no mercado. O avô dele foi ministro do Planejamento no governo Castelo Branco

Rodolfo Costa , Bernardo Bittar, Renato Souza
postado em 16/11/2018 06:00
Sede do Banco Central: comando da instituição costuma ficar com funcionários de carreira ou economistas com percurso acadêmico de destaque
Com sólida formação e experiência profissional no mercado financeiro, o próximo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, tem carreira proeminente no setor, ainda que não notória. Por isso, houve surpresa entre economistas com a indicação dele para o cargo hoje ocupado por Ilan Goldfajn. Próximo ao superministro da Economia, Paulo Guedes, Campos Neto é tratado por alguns como ;um ilustre desconhecido;. A escolha dele foi divulgada ontem pela equipe de transição de governo e, depois, confirmado pelo BC. Atualmente, ele é diretor de Tesouraria do Banco Santander. O próximo na lista de nomeações, segundo Paulo Guedes, será Mansueto Almeida, que continuará à frente da Secretaria do Tesouro Nacional, também sob o guarda-chuva do superministro da Economia.

Aos 49 anos, Roberto Campos Neto é visto por muitos analistas como ;muito jovem; para assumir um cargo de tamanha responsabilidade. O ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas o considera um tanto quanto ;sem bagagem;, ainda que tenha uma carreira de destaque no mercado financeiro. ;Ele não é propriamente um acadêmico, nem economista de governo ou do BC. É um operador de tesouraria. Não é alguém com nome forte no mercado financeiro e, talvez, não fosse o esperado para o cargo. Ele é próximo ao Paulo Guedes, por isso a escolha. O Roberto Neto não tem a tradição de Ilan Goldfajn, mas espero que seja uma aposta acertada;, afirma. A bolsa brasileira estava fechada ontem por conta do feriado, mas em Nova York o nome foi bem recebido: o índice que reúne todos os papéis de empresas brasileiras subiu 2,33%.

Especialistas acreditam que, embora inusitadas, as indicações de Bolsonaro têm sido condizentes com o discurso da campanha. O cientista político Ivan Ervolino, criador da start-up de monitoramento legislativo SigaLei, explica que a equipe do presidente eleito é, majoritariamente, composta por pessoas novas e talentosas. O mais conhecido é o juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça. ;Se pensar friamente, era um juiz de primeira instância;, diz.

Para Ervolino, o movimento mostra que Bolsonaro quer nomes que não estejam atrelados à velha política. ;Ele quer fugir do óbvio. Por isso, trouxe figuras que não são tarimbadas, mas podem surpreender. Dá para avaliar de duas formas: ou Bolsonaro quer renovar o jogo, ou escolheu nomes menos proeminentes para que as instituições sucumbam ao controle do governo;, analisa.

Professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Guilherme Silva Prado lembra que nenhum dos escalados até agora pertencia ao ;primeiro escalão;, exceto os vindos do Exército. Ainda assim, acredita que ;refrigerar o ambiente poderá fazer com que as decisões do presidente eleito tenham mais impacto, principalmente quando divergirem da opinião do petit comité governamental;.

Dessa maneira, acredita, o mercado pode até responder negativamente às movimentações. ;Mas ninguém se elege presidente da República sendo pouco estratégico. Ele (Jair Bolsonaro) é um estrategista. Só precisa lembrar que é interessante ter uma equipe de ponta, por exemplo, para facilitar as negociações com o Legislativo. Especialmente diante da aparente dificuldade que se aproxima.;
Roberto Campos Neto e Paulo Guedes

Linhagem

O próximo presidente do BC descende de uma linhagem de economistas. É neto do ex-ministro e ex-embaixador Roberto Campos, responsável pelo Planejamento no governo Castelo Branco e mais tarde senador. O avô do futuro presidente do BC é considerado um dos maiores influenciadores do pensamento liberal no país. Campos Neto será sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e, para ocupar o cargo, também precisará ser aprovado pelo plenário. Na Casa, Neto é visto como alguém com pouca intimidade com o serviço público, pois fez toda a carreira em instituições privadas. Com especialização em Finanças pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, ele está no Santander há 16 anos. Falta-lhe um doutorado em economia, normalmente ostentado por presidentes do BC. Em nota, o atual presidente do BC, Ilan Goldfajn, que chegou a ser convidado pelo novo governo para permanecer à frente da instituição, informou que deixará o cargo por motivo pessoais e teceu elogios ao substituto. ;Profissional experiente e reconhecido, com ampla visão sobre o sistema financeiro e a economia nacional e internacional, Roberto Campos Neto conta com seu apoio e sua confiança no futuro trabalho à frente do BC;, informou a assessoria de Ilan.

;O presidente Goldfajn adotará todas as providências para garantir a melhor transição no comando da autoridade monetária e, atendendo a pedido do novo governo, permanecerá no cargo até que o Senado aprecie o nome de Roberto Campos Neto, nos próximos meses;, completou o documento enviado à imprensa.

A desconfiança que alguns agentes possam ter do indicado ao comando da autoridade monetária deve ser suprimida logo no início da gestão, avalia o economista Aod Cunha, ex-diretor do JP Morgan e ex-secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul. ;Substituir o Ilan não seria uma missão fácil para ninguém;, ponderou.

Para ele, Campos Neto tem as qualificações para trabalhar por uma política que garanta maior concorrência no sistema financeiro, bem como para garantir o poder de compra da moeda. ;Para isso, contudo, será necessária a aprovação da reforma da Previdência;, alertou.

O presidente do Santander Brasil, Sérgio Rial, elogiou o subordinado. ;Roberto Campos Neto é um profissional com sólida formação e profundo conhecimento da área econômica. Desejamos a ele muito êxito no desempenho de sua nova função, tão importante para o desenvolvimento do país;, afirmou, em nota.

Carreira

Na última terça-feira, Roberto Campos Neto esteve no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, onde está montado o gabinete de transição de governo, e conversou com Paulo Guedes. Na ocasião, foi elogiado por integrantes da equipe de Bolsonaro. Pelo menos cinco nomes estavam cotados para a Presidência do BC, entre eles o do atual diretor de Política Econômica da instituição, Carlos Viana Carvalho. No entanto, Guedes se alinhou mais com a visão de Neto, e deve apresentá-lo ao presidente eleito nos próximos dias. Campos Neto começou a carreira na década de 1990. Trabalhou no Banco Bozano Simonsen de 1996 a 1999, como operador de derivativos de juros e câmbio, operador de dívida externa, operador da área de Bolsa de Valores e, por fim, como executivo. No ano seguinte migrou para o Santander, ocupando o cargo de chefe da área de renda fixa internacional. Ficou na instituição de 2000 a 2003 e, em seguida, foi para a gestora Claritas como gerente de carteiras. Ao voltar ao banco espanhol, em 2005, atuou como operador e chefe do setor de trading. Chegou à diretoria em 2010.

Ao contrário de Campos Neto, Mansueto Almeida tem larga experiência no setor público. Mestre em Economia pela USP, ele ocupou cargos no Ipea e no Ministério da Fazenda. Ocupa o cargo de secretário do Tesouro Nacional desde abril deste ano, por indicação do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles.

Análise da notícia

Guedes no comando

; PAULO SILVA PINTO

A escolha de Roberto Campos Neto como presidente do Banco Central (BC) significa que Paulo Guedes estará também no comando da Autoridade Monetária, além de assumir o futuro Ministério da Economia, megaestrutura a juntar tudo o que hoje está nas pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio.

Pode parecer natural. E já foi no passado, quando a Autoridade Monetária era subordinada à Fazenda. Desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, porém, seu presidente tem status de ministro. Mais: há um projeto no Congresso, que o futuro governo diz apoiar, estabelecendo autonomia para os dirigintes do BC, com mandatos fixos e não coincidentes com o do presidente da República.

Se a autonomia vingar, Campos Neto seria o indicado para o cargo? Há dúvidas entre analistas. O currículo dele é excelente para um diretor do BC, mas incompleto para a posição máxima da instituição. Não basta ; ou sequer é necessário ; ser um bom operador de mercado. É preciso entender cada variável da macroeconomia, incluindo todas as suas complexidades, com ênfase para a política fiscal. Além, disso, deve-se usar a comunicação de modo preciso para coordenar as expectativas dos agentes econômicos. Certamente Campos Neto poderá mostrar plena capacidade para essas funções. Até lá, espera-se que prove.

Entre as certezas está a de que o todo poderoso Guedes vai imprimir sua marca no BC. Provavelmente buscará aumentar a competição entre bancos, talvez facilitando a entrada de novos competidores estrangeiros. Mas, de volta ao campo das dúvidas, ele terá de mostrar que a capacidade de atuar em tantas frentes está à altura de suas ambições.

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