Jornal Correio Braziliense

Politica

Pressão internacional e de aliados deve fazer Bolsonaro abandonar propostas

Especialistas avaliam que pressão internacional e de apoiadores internos deve fazer o presidente eleito abandonar propostas polêmicas para a política externa

A política doméstica brasileira deve falar mais alto e obrigar o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), a abandonar boa parte do plano de promover uma guinada radical nas relações externas do país. Apoiadores importantes do setor produtivo, representados no Congresso Nacional, manifestaram o temor de um possível isolamento internacional, com consequentes prejuízos para as exportações, ante os anúncios do futuro chefe de Estado para a diplomacia. Em nome da governabilidade, o presidente eleito já se mostra hesitante em relação a diversos temas, a exemplo da proposta de transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, cidade que está no centro de uma histórica e sangrenta disputa entre judeus e palestinos. Nos últimos dias, ele adotou um tom moderado e disse que a questão ainda não está decidida.

A principal resistência às propostas para a política externa parte da bancada ruralista no Congresso, cujo apoio foi fundamental no percurso de Bolsonaro até o Palácio do Planalto. A deputada Tereza Cristina (DEM-MS), líder da bancada e escolhida para ser a ministra da Agricultura do próximo governo, alertou que a transferência da embaixada poderia provocar uma retaliação do mundo árabe, hoje um dos principais importadores da carne brasileira.

Os anúncios do presidente eleito acenderam a luz amarela em vários países, atentos e preocupados com uma possível deterioração das relações com o Brasil. Segundo analistas estrangeiros, somente a pressão dos apoiadores internos poderá demover o futuro inquilino do Palácio do Planalto de suas ideias para as relações exteriores.

;Parece que a decisão de transferir a embaixada em Israel, algo que os cristãos evangélicos impuseram muito mais do que a comunidade judaica brasileira, será de fato um mau presságio para o Brasil;, disse ao Correio o americano James Green, professor de história, especialista em Brasil e América Latina, da Brown University, de Rhode Island, nos Estados Unidos.

;O Itamaraty tem, tradicionalmente, adotado uma política de equidistância entre os estados árabes e Israel para evitar favorecer um lado em detrimento do outro. É possível que tanto a comunidade árabe-brasileira quanto aqueles que fazem negócios com países árabes pressionem o presidente eleito a recuar em suas políticas. Ainda é difícil saber o que vai acontecer;, acrescentou Green. Ele observou que, em vez de construir conexões globais, Bolsonaro privilegia um alinhamento com os Estados Unidos, do presidente Donald Trump, ;que está rasgando uma série de acordos e relações internacionais que, provavelmente, serão prejudiciais ao mundo. Entre eles, por exemplo, está a possibilidade de retirada do Acordo de Paris para enfrentar as mudanças climáticas e reduzir o aquecimento global;.

Para o americano Peter Hakim, presidente emérito da ONG Inter-American Dialogue, além das exportações de carne para o mundo árabe, as vendas de soja para a China podem ser afetadas, caso o presidente eleito continue a dispensar um tratamento hostil ao país asiático.

;É importante reconhecer que Bolsonaro enfrentará feroz oposição de seus partidários ruralistas, que são cruciais para sua maioria no Congresso e sua capacidade de governar, às restrições ao comércio e a investimento chineses. Os ruralistas dependem da venda de soja para a China e de outras compras, assim como qualquer esperança de recuperação econômica sustentada;, declarou.

O consultor Lucas Fernandes, da Barral M. Jorge, consultoria especializada em comércio internacional e relações governamentais, frisou que Bolsonaro inovou ao trazer o debate sobre política externa para a campanha presidencial e com um discurso altamente polarizador, com o objetivo de confrontar a diplomacia de governos anteriores, sobretudo do PT.

;Toda essa repercussão negativa levou Bolsonaro a tomar um choque de realidade. Ele tenta seguir os mesmos passos dos Estados Unidos, mas a verdade é que o Brasil não tem a preponderância dos Estados Unidos para enfrentar as consequências. Acredito que ele vá controlar mais o discurso e deixará essas propostas polêmicas para um segundo plano;, avaliou.