Agência Estado
postado em 17/12/2018 17:36
A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, se manifestou de forma contrária ao pedido do Tribunal de Contas da União (TCU) para ter acesso aos anexos complementares das delações do Grupo J, homologadas no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Edson Fachin. Ao STF, o TCU ainda solicitou que Fachin defina "limites e condições" para que os registros sejam utilizados como provas nos processos do tribunal.
Em parecer assinado na última semana, Raquel afirmou que o acesso aos elementos fornecidos pelos colaboradores só pode se dar mediante adesão ao acordo de leniência fechado com a J Investimentos. Dessa forma, opinou que o TCU peça o compartilhamento de provas à Procuradoria da República no Distrito Federal, responsável pelo acordo de leniência da empresa.
O pedido do tribunal de contas está relacionado ao debate sobre a possibilidade dos órgãos de controle, como Receita e TCU, aplicarem outras penalidades e multas a delatores e empresas, além das já previstas nos acordos de colaboração premiada fechados com a Justiça.
Segundo Raquel, "não é razoável" que provas fornecidas pelos colaboradores sejam usadas de forma indiscriminada contra ele, já que um acordo prevê cláusulas e proteção ao delator "contra sanções excessivas" de outros órgãos públicos. Para a chefe da PGR, essas ressalvas servem para fomentar o fortalecimento do instituto da colaboração premiada.
"A ressalva da utilização da prova contra os colaboradores objetiva fomentar o fortalecimento do instituto da colaboração premiada, na medida em que protege os colaboradores contra sanções excessivas de outros órgãos públicos e, ao mesmo tempo, assegura o incentivo real para que as colaborações alcancem o fim público por elas colimado", afirmou Raquel.
A procuradora também ressaltou que a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal orienta que o acesso a informações e documentos obtidos em leniência (isolada ou cumulada, com colaboração premiada) por outros órgãos, ou instituições de fiscalização e controle "depende da adesão racional e razoável aos termos negociados e acertados entre Estado e colaborador". Para Raquel, essa solução decorre da "proporcionalidade e racionalidade" na atuação do Estado.
Apesar de acrescentar que é "indiscutível" que o acordo de colaboração possa repercutir em outras searas, como de improbidade administrativa, tributária e cível, as provas não podem ser usadas contra os próprios colaboradores para produzir "punições além daquelas pactuadas no acordo". "Considera-se uma limitação intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova", considerou.
BNDES
O primeiro pedido do TCU entregue a Fachin em abril tem relação com um processo que trata de irregularidades em operações de aportes de capitais celebradas entre a JBS e o BNDES e a BNDESPar. Em outubro passado, o tribunal apontou prejuízos superiores a R$ 300 milhões causados aos cofres públicos na compra de ações da JBS pelo BNDES, em operações que ajudaram o grupo na aquisição do frigorífico National Beef Packing e da divisão de carnes bovinas da Smithfield Foods, ambos nos Estados Unidos, em 2008.
O ministro substituto Augusto Sherman Cavalcanti, relator no TCU, deseja os anexos complementares de Joesley Batista, sócio do grupo, e de Francisco de Assis e Silva, ex-diretor jurídico, sobre as irregularidades no âmbito do BNDES. Joesley listou operações aprovadas com a intervenção e pagamento de autoridades políticas como a compra e conversão posterior de debêntures da JBS pelo BNDES no valor de US$ 2 bilhões. O ministro entende que tanto o delator como a empresa podem ser responsabilizados no processo.
Rescisão
No mesmo parecer entregue a Fachin, a procuradora ainda requereu juntar o relatório final da CPMI da JBS ao processo, para auxiliar o exame do pedido de rescisão do acordo. A rescisão foi solicitada pela PGR em relação aos temos de colaboração assinados por Joesley e Wesley Batista, Ricardo Saud e Francisco de Assis e Silva. A questão será analisada pelo plenário do Supremo, conforme já entendeu Fachin no caso, mas ainda não há data para isso ocorrer.
Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, publicada neste domingo, 16, o ministro afirmou que a validade das provas não está em jogo no julgamento que será travado no plenário. "Em nenhum momento que pediu a rescisão o Ministério Público tocou na questão das provas. Pelo contrário, o MP diz que, independentemente do resultado, considera que as provas são válidas", disse Fachin.