Politica

Abismo financeiro entre ricos e pobres cresce ainda mais

Recessão que o país atravessou entre 2015 e 2016, a maior da história, interrompeu, em 2017, a diminuição da desigualdade de renda. Economistas chamam atenção para a necessidade de políticas de longo prazo

Otávio Augusto, Murilo Fagundes*
postado em 19/12/2018 06:00
Aline, moradora do Lago Sul, diz não ter dúvidas de que é privilegiada, e dá aulas de inglês na Estrtural
Com cada vez mais pobres e a desigualdade social distanciando a população brasileira, distribuir renda e garantir desenvolvimento a todos é tarefa urgente para as equipes econômica e social do presidente eleito, Jair Bolsonaro. O índice de desigualdade social no Brasil ficou estagnado em 2017. É a primeira vez que isso acontece nos últimos 15 anos, aponta a ONG Oxfam Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 15,2 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da extrema pobreza.

A recessão que o país enfrentou entre 2015 e 2016, a maior da história, resultou nos atuais 13 milhões de desempregados. Dois milhões de pessoas voltaram à extrema pobreza. As dificuldades ficam ainda maiores quando se analisa as tendências: quem é rico está cada vez mais endinheirado. Os pobres, a cada dia, contam com menos recursos. Para formar esse cenário, são avaliados mercado de trabalho, educação, moradia e distribuição de renda para ter um retrato da qualidade de vida dos brasileiros e confirmou-se que a pobreza cresceu.

Recessão que o país atravessou entre 2015 e 2016, a maior da história, interrompeu, em 2017, a diminuição da desigualdade de renda. Economistas chamam atenção para a necessidade de políticas de longo prazo
Umas das principais entidades que monitoram essa realidade é categórica: em 2017, o Brasil parou de reduzir desigualdades, conclui a ONG Oxfam Internacional, confederação que busca soluções para a pobreza e a desigualdade. ;Desde 2002, o índice de Gini da renda familiar per capita, medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), tem sistematicamente caído de um ano para outro, o que não foi observado entre 2016 e 2017. No ano passado, também pela primeira vez nos últimos 15 anos, a relação entre renda média dos 40% mais pobres e da renda média total foi desfavorável para a base da pirâmide;, destaca, em seu relatório

Luiz Alberto Machado, economista e ex-diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), explica que o Brasil tem ocupado uma posição ruim na igualdade de renda por falhas em planejamento de estratégias. ;O fundamental é conseguirmos concatenar as ações de curto, médio e longo prazo. Nos últimos tempos, a preocupação foi com curto prazo: taxa de juros e controle da inflação. Isso é importante, mas o país precisa de mais: desburocratização, simplificação tributária. Isso tudo impacta a competitividade da economia;, exemplifica.

Paulo Dantas da Costa, ex-presidente do Conselho Federal de Economia, é categórico: ;É preciso adotar políticas públicas de aumento de salário mínimo, aumento da empregabilidade e de programas sociais eficientes. O imposto de renda em nações desenvolvidas chega a 40% para quem ganha mais, enquanto no Brasil se chega a 27,5%.;

Distrito Federal


A capital federal voltou a ser a unidade da Federação com a maior desigualdade de renda no país. O Coeficiente de Gini, divulgado pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), mostra o desequilíbrio da renda familiar per capita na cidade. A discrepância chega a 18 vezes quando se compara o Lago Sul (a maior renda) com a Estrutural (a menor renda).
Recessão que o país atravessou entre 2015 e 2016, a maior da história, interrompeu, em 2017, a diminuição da desigualdade de renda. Economistas chamam atenção para a necessidade de políticas de longo prazo
As irmãs Késsia e Kássia Sousa, de 26 e 29 anos, são moradoras do setor Santa Luzia, área mais carente da Cidade Estrutural. Elas, que nasceram no Maranhão, vieram para Brasília quando jovens e viram na capital uma saída para a pobreza. Kássia, porém, resolveu voltar para o estado de origem e por lá permaneceu até julho deste ano, quando, com o marido desempregado e quatro filhos pequenos, quis tentar a vida na capital mais uma vez.

Kássia conseguiu um lote com um barraco de madeirite na comunidade. Foi vítima das fortes chuvas deste ano. ;Perdi televisão, cama, roupas, tudo. Estou morando de favor no barraco da minha prima enquanto ela fica em Samambaia. Ainda não consegui arrumar nada do meu barraco. Quando ela pedir o lote de novo, não vai ter jeito;, conta a maranhense, que está abrigada em um lote vizinho ao da irmã.

O marido de Kássia, José Sousa, 35 anos, segue desempregado, como ela. Eles vivem com menos de R$140 por mês. Os planos do casal estão centrados nos filhos, que, segundo eles, poderão trilhar um caminho diferente do deles. ;No Maranhão não tem oportunidade para pobre, não. Não podia comprar nem um caderno. Então desisti. Minha vontade agora é colocar os filhos na escola. Desejo muito estudo para eles. Não deu para eu estudar e agora é a vez deles. Minha filha vai até fazer balé;, conta Kássia, emocionada.

A estudante Aline Almeida, 20 anos, moradora do Lago Sul, está na parte de cima da pirâmide. A jovem estudou em escola particular durante os ensinos fundamental e médio e hoje faz direito em uma faculdade privada na Asa Norte. Com situação financeira segura, ela dispensa os ganhos do estágio. ;Meu foco é experiência. Se fosse para eu me sustentar com o dinheiro do estágio, infelizmente não daria;, explica.

Aline, que é filha de engenheiros, pretende fazer pós-graduação no exteior. Ela não tem dúvidas de que é privilegiada. ;Vou bastante ao Entorno com os meus pais e já ensinei inglês para crianças humildes. A impressão que tenho é a de que vivo numa bolha;, afirma.

* Estagiário sob supervisão de Vicente Nunes

Quatro perguntas para


Naercio Aquino Menezes Filho, economista e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper


Há diferenças em relação aos índices de mensuração da desigualdade. Pelo que o senhor acompanha, a desigualdade diminuiu ou cresceu nos últimos anos no país?
Depois de um período de forte queda na desigualdade de 2001 a 2015, a desigualdade cresceu nos últimos dois anos. Isso ocorreu por causa da crise que aumentou o desemprego e a desigualdade, impactando principalmente na renda das pessoas mais pobres. Um desafio do próximo governo será continuar reduzindo essa distância.

Em que período, na sua avaliação, ocorreu uma maior guinada para a diminuição da desigualdade social?
Foi no período entre 2001 e 2014. Veio caindo continuamente nesse período. Isso aconteceu porque as pessoas se tornaram mais educadas, diminuiu-se a diferença de salários, e o salário mínimo quase dobrou.

O que falta para sanarmos esse problema?
Precisamos investir na primeira infância, porque há uma parcela grande de domicílios na pobreza extrema, sem saneamento básico, sem estrutura. E a pobreza se concentra em negros e pardos. A tendência é de que as crianças não mais se desenvolvam nessas condições. Elas terão problemas pelo resto da vida. É necessário fazer com que o Bolsa Família alcance todas as famílias pobres, o programa Saúde da Família tenha todos os valores ajustados e que o programa Criança Feliz, que quer aproximar pais e filhos, seja reajustado.

Como tem visto as investidas do governo eleito em relação à diminuição das desigualdades? Acha que haverá um esforço concentrado nesse tema? E quais os maiores desafios?
Ainda não se sabe muito sobre essas políticas. Resta esperar. É muito importante dar igualdade de oportunidades de forma que as crianças pobres tenham as mesmas condições que as ricas. Se não, persistirá um problema de produtividade. Elas desistem, vão para a criminalidade, para o tráfico. Acaba-se perdendo potencial de crianças que poderiam estar estudando e futuramente trabalhando.

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