Politica

Opinião: a indústria de armas agradece

O decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que escancara o acesso à posse de armas é o exemplo mais bem-acabado de uma medida que, simplesmente, não passou por nenhuma das etapas da Análise de Impacto Regulatório

Leonardo Cavalcanti
postado em 16/01/2019 06:00
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL)(c), durante cerimônia de assinatura de decreto presidencial para a flexibilização de compra de arma de fogo e munição, no Palácio do Planalto, em Brasília, nesta terça- feira, 15. E/D: os ministros da Defesa, Fernando Azevedo; e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni; o vice-presidente Hamilton Mourão.Há um termo conhecido no universo dos gestores e legisladores que é esquecido, de maneira irresponsável, por políticos na maior parte das vezes. Trata-se da Análise de Impacto Regulatório (AIR), que, na academia, significa a melhor evidência para alcançar um objetivo específico. Na prática, é uma espécie de testagem de determinado problema a partir de investigação, cruzamento de dados e análise de opções dentro de um processo transparente. Só depois dessas principais etapas ; há outras ;, toma-se uma decisão, que precisa ser reestudada de tempos em tempos para considerar erros e acertos.

O decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que escancara o acesso à posse de armas é o exemplo mais bem-acabado de uma medida que, simplesmente, não passou por nenhuma das etapas da Análise de Impacto Regulatório. Até porque não se sabe dentro do governo qual é o problema a ser enfrentado pela população, quanto mais qual é a melhor evidência para se alcançar o objetivo, dada a inexistência da testagem. Poderíamos parar por aqui, mas há um decreto assinado. É preciso, assim, ampliar o debate sempre que possível. Digamos que o problema identificado pelo governo tenha sido a insegurança do cidadão de bem, desprotegido na própria casa.

A partir daí, seria preciso buscar a tal da análise dos dados e as opções possíveis de enfrentamento. Nada disso, entretanto, foi feito, posto a ausência de determinados números sobre segurança pública, sempre tratados em segundo plano ou escondidos pelos governos. Um dos estudos disponíveis é o do economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Se fosse considerado, o trabalho serviria como alerta para regular fortemente o comércio de pistolas e revólveres, pois revela que para cada 1% a mais de armas nas mãos da população, há um aumento de 2% no número de mortes.

Esse é apenas um aspecto, há outros, lembrados, ontem, por representantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Fiquemos no essencial: a política irresponsável aposta numa mística e estúpida defesa individual ; qualquer atirador experiente sabe da dificuldade de reagir a um assalto ;, que é diferente de gestão pública coletiva, a partir da inteligência policial e patrulhamento. Números levantados pelo Correio com base no cadastro nacional de motoristas habilitados e em informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que 60 milhões de brasileiros hoje estariam aptos a comprar uma arma. A bancada da bala e a indústria do lobby da morte agradecem, é a mais forte certeza até aqui.

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