O Palácio do Planalto vai montar uma espécie de "posto avançado" na Câmara para atendimento dos deputados no varejo. Depois da eleição que deu vitória a Rodrigo Maia (DEM-RJ) para novo mandato à frente da Casa, o governo estabeleceu um cronograma para medir a temperatura do Congresso e evitar ser pego de surpresa com insatisfações de última hora em votações consideradas prioritárias pelo presidente Jair Bolsonaro, como a reforma da Previdência.
Com uma base aliada ainda em formação e após definir os 22 ministérios apenas sob indicação de frentes parlamentares, Bolsonaro foi aconselhado a criar algo semelhante a uma "ouvidoria" para tratar das demandas individualmente, aproveitando a retomada dos trabalhos legislativos, agora com um Congresso renovado. Das 35 metas traçadas para os primeiros cem dias de governo, que serão completados em 10 de abril, metade depende do sinal verde da Câmara e do Senado.
Nomeado na sexta-feira como titular da Secretaria Especial para a Câmara - cargo atrelado à Casa Civil -, o ex-deputado Carlos Manato (PSL-ES) será o encarregado de ouvir os antigos pares e os novatos, do alto ao baixo clero.
Ele não estará sozinho nessa missão: outros ex-deputados, como Victorio Galli Filho (PSL-MT), Fábio Sousa (PSDB-GO), Marcelo Delaroli (PR-RJ) e Laudivio Carvalho (PODE-MG), vão ocupar o gabinete da liderança do governo na Câmara.
"Quero botar um posto avançado lá, um apêndice para atender os deputados. Irei na Câmara às terças e quartas-feiras, das 16 às 17 horas", afirmou Manato, que desde 2 de janeiro já despacha no 4.; andar do Planalto.
Candidato derrotado ao governo do Espírito Santo, em 2018, Manato integra o núcleo político que ajudará o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, nas negociações com o Congresso. Além dele, fazem parte do grupo os ex-deputados Leonardo Quintão (MDB-MG), na Subchefia de Assuntos Parlamentares, e Abelardo Lupion (DEM-PR), assessor especial de Onyx, juntamente com o ex-senador Paulo Bauer (PSDB-SC), que comandará a Secretaria Especial para o Senado.
Emendas
A Casa Civil tenta traçar com a equipe econômica um plano de pagamento das emendas parlamentares individuais, em dez parcelas de no mínimo R$ 750 milhões, o que totalizaria R$ 7,5 bilhões. Tradicionalmente destinadas aos redutos eleitorais dos congressistas, as emendas sempre funcionaram como moeda de troca em outros governos. O discurso do Planalto, porém, ainda é o de que nada será tratado na base do toma lá, dá cá.
"As emendas estão no Orçamento, são impositivas. Nós não vamos colocar nem aceitar faca no pescoço", insistiu Manato. O ex-deputado disse que o governo quer "todo mundo bem tratado", mas não fará barganha política para obter votos no Congresso. "Vamos trabalhar na base do diálogo, do convencimento e esperamos a franqueza quando um deputado não puder votar conosco. Não é por isso que vamos ficar de cara feia", afirmou ele.
O Planalto faz esforço concentrado para aprovar, no primeiro semestre, a proposta de reforma da Previdência, considerada mais difícil, pois, por ser emenda constitucional, necessita do apoio de 308 deputados e 49 senadores, em duas votações. Na agenda do governo está ainda o pacote com medidas para combater a corrupção, que será apresentado nesta segunda-feira, 4, aos governadores pelo ministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro (mais informações na pág. A8).
"Quero também que o ministro trate da segurança pública. As pessoas estão morrendo pelo absurdo que é o comando do tráfico de drogas e de armas em todos os Estados", disse Maia ao Estado, após ser reconduzido à presidência da Câmara. "Nós vamos construir um grande pacto no Brasil para aprovar as reformas e garantir condições mínimas para que os empresários voltem a investir aqui, mas espero que o governo trate também desse enfrentamento ao crime organizado." Ele observou que já há projetos nesse sentido tramitando na Casa há um tempo. "Mandar outro para lá seria vaidade do próprio ministro", provocou.
Ficha
Maia e Onyx não têm um bom relacionamento, embora sejam do mesmo partido, o DEM. O presidente da Câmara chegou mesmo a dizer que o chefe da Casa Civil trabalhou contra sua candidatura. Para se precaver de qualquer intriga, o ministro orientou Manato a ir para as conversas na Câmara municiado de dados.
O secretário de Onyx tem no computador a ficha completa dos 513 deputados - dos quais 243 são novos. "Sei quantos mandatos cada um teve ou não, se é médico, militar, professor e até sua atuação nas redes sociais", comentou Manato.
Escolhido na última hora para apagar o incêndio em um Senado conflagrado, o tucano Paulo Bauer, por sua vez, disse que fará de tudo para abrir um canal direto dos parlamentares com Bolsonaro e com Onyx, após a vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP) naquela Casa.
"Não tenho caneta nem tinta", avisou Bauer. "Temos, porém, condição de ouvir, acompanhar projetos, montar estratégias de trabalho e dar apoio aos pleitos dos senadores, levando as reivindicações deles para os diversos ministérios."
Ao contrário de muitos integrantes do governo, Bauer avalia que o senador Renan Calheiros (MDB-AL), derrotado por Alcolumbre, não será o líder da oposição. "Renan já se reinventou várias vezes. Não custa se reinventar de novo", argumentou.
A eleição no Senado, no sábado, 2, foi marcada por bate-boca, xingamentos e até denúncias de fraude. Renan renunciou à candidatura quando a segunda votação já havia sido iniciada e percebeu que perderia. Suas últimas frases, porém, não deixam dúvidas de que o foco de sua trincheira, agora, estará na contramão do Planalto. "Você pode até tirar o velho Renan de cena, mas nunca matá-lo", disse ele ao Estado.
No modelo original do núcleo político desenhado por Onyx, o ex-deputado Leonardo Quintão trataria do relacionamento com o Senado, mas, logo na largada, trombou com Renan. "Ele é um bom amigo, mas péssimo adversário", resumiu Quintão. O alagoano é conhecido no governo por guardar o ódio "encapsulado" e dar o troco. Por não conseguir se aproximar dos senadores, Quintão foi deslocado para outra pasta e agora vai cuidar da tramitação de emendas, medidas provisórias e projetos no Congresso.
Na retaguarda da Casa Civil, o ex-secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná Abelardo Lupion terá uma tarefa mais interna no núcleo político de Onyx, de quem é compadre. Será dele a missão de acompanhar os pedidos de governadores e prefeitos, que também têm influência sobre o Congresso.
"Nós vamos ser o para-choque do governo", resumiu Lupion. Ainda sem sala no Planalto, Lupion foi deputado por seis mandatos e é considerado habilidoso, tanto que acompanhou Alcolumbre no Senado, nos últimos dias. "O diabo é sábio porque é velho", brinca ele, abrindo um sorriso. Antes de se despedir, porém, Lupion avisa que agirá sempre para "blindar" o Executivo. "O momento é crítico e não temos o direito de errar", diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.