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Conheça as propostas do primeiro grande pacote de governo Bolsonaro

Propostas criminalizam o caixa 2, combatem facções e endurecem pena por homicídio e latrocínio

Leonardo Cavalcanti, Rodolfo Costa
postado em 05/02/2019 06:00
Conjunto de medidas do governo prevê o combate à corrupção, ao crime violento e ao crime organizadoO governo federal apresentou o primeiro pacote de medidas. Com a agenda econômica ainda em gestação, quem saiu na frente e anunciou o primeiro grande ato da gestão do presidente Jair Bolsonaro foi o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Ontem, ele apresentou o anteprojeto de Lei Anticrime. Durante 1h36, detalhou e respondeu a perguntas do conjunto de reformas que pretende promover em 15 legislações, incluindo os códigos penal e o processual penal, a fim de combater crimes de corrupção, o crime organizado e o violento (veja o quadro com as mudanças abaixo).

São 34 páginas em que o Ministério da Justiça pontua 61 artigos a serem modificados. A proposta está nos moldes do idealizado por Moro. Criminaliza o caixa 2, prevê a prisão após condenação em segunda instância, estabelece cumprimento de regime fechado para condenados por crimes contra a administração pública, endurece penas para homicídio e latrocínio e tipifica textualmente conhecidas facções como organizações criminosas.

O pacote de mudanças aborda critérios técnicos, mas a formatação do texto mostra um traquejo político de Moro. O projeto foi construído com governadores em reuniões que se iniciaram ainda no período de transição. Ontem mesmo, o ministro se encontrou com chefes do Executivo estadual, vices e secretários. O prestígio, avalia o Palácio do Planalto, é positivo para consolidar uma boa relação com os gestores estaduais.

O alinhamento com os governadores é importante para a tramitação da proposta no Congresso. O respaldo deles pode favorecer as articulações políticas do governo no Parlamento. Ontem mesmo, Moro foi pedir a bênção logo cedo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um café da manhã na casa do parlamentar.

Depois da apresentação à imprensa ontem, o anteprojeto foi encaminhado para a Casa Civil. A matéria será analisada pela Subchefia para Assuntos Jurídicos e também pelas Secretarias Especiais para assuntos da Câmara e do Senado. Serão essas as representações responsáveis a fazer a articulação política no Congresso, sob a tutela do ministro-chefe da pasta, Onyx Lorenzoni.

Aval dos estados

No que depender do aval dos governadores, a matéria terá apoio dos gestores estaduais no Congresso. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), considerou a proposta como ;bem fundamentada;. Entre os pontos previstos pelo anteprojeto está o que possibilita audiências por videoconferência. O governo de São Paulo gasta mais de R$ 40 milhões com deslocamento de presos para esse tipo de reunião. ;No caso das teleaudiências, pedimos para que isso fosse menos facultativa e mais obrigatória;, destacou o tucano.

A matéria também foi elogiada pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). ;É um projeto interessante de endurecimento de pena, principalmente nos crimes hediondos e também de organizações criminosas;, frisou. Ressaltou, contudo, que é preciso agilidade no acesso dos estados e do DF aos recursos dos fundos na área de segurança pública. Governadores destacam que o dinheiro captado pode ser usado para construção de presídios e compra de equipamentos para as polícias.

O ministro Sérgio Moro evitou avaliar um prazo para a aprovação da matéria na Câmara e no Senado, mas mantém a expectativa de sucesso. ;Os vários deputados eleitos incluíram essa bandeira de implementar qualidade à segurança;, observou. Cláudio Timm, sócio da área de relações governamentais do escritório Tozzini Freire Advogados, concorda com a avaliação. E acredita que o projeto poderá ser analisado simultaneamente com outras pautas, como a reforma da Previdência. ;Não ofusca, atrapalha ou cria obstáculos para as demais tramitações;, ponderou.

Superficial

Nem todos respaldam o projeto. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública classifica o texto como superficial no que se refere à segurança, por não prever medidas como diretrizes para formação de policiais. Arthur Trindade, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), concorda. Para ele, o pacote está longe de ser efetivo no campo da segurança pública. ;Não há dúvida de que o ministro foi bem ao anunciar os projetos, mas a Justiça não trata apenas de corrupção. E aí faltaram medidas específicas para combater a violência no cotidiano;, ponderou.

O aspecto técnico também sofreu críticas. Para o criminalista João Paulo Boaventura, sócio do Boaventura Turbay Advogados, o texto apresenta mudanças inconstitucionais, como o acordo de não persecução penal ; que prevê a negociação de uma pena mais branda em caso de confissão do crime. Há também inseguranças jurídicas, como o excludente de ilicitude, que possibilita policiais terem isenção de pena caso matem alguém em serviço sob pretexto de ;escusável medo, surpresa ou violenta emoção;. ;Conceitos vagos demonstram falta de técnica legislativa e ausência de conhecimento da dogmática penal, pois já está na legislação;, analisou.

As críticas são contestadas por Moro. O ministro reconhece os avanços feitos nos últimos governos, mas avalia que nenhum apresentou um pacote de medidas tão abrangente. O ministro discorda dos argumentos de insegurança jurídica, sustentando que fica mais fácil para um juiz absolver ou condenar um réu havendo previsão legislativa. Destacou ainda que há exemplos internacionais e outros pacificados em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) para os casos contestados como inconstitucionais, como a prisão após condenação em segunda instância. ;O STF já afirmou quatro vezes que é constitucional. O governo federal tem responsabilidade em liderar o processo de mudança;, defendeu.

Conjunto de medidas de combate à corrupção, ao crime violento e ao organizado.

O texto altera informações em 61 artigos distribuídos entre 15 legislações:
  • Código de Processo Penal
  • Código Penal
  • Lei de Execução Penal (7.210/1984)
  • Código Eleitoral (Lei 4.737/1965)
  • Lei 8.072/1990 (crimes hediondos)
  • Lei 12.850/2013 (organização criminosa)
  • Lei 10.826/2003 (registro, posse e comercialização de armas)
  • Lei 8.429/1992 (improbidade administrativa)
  • Lei 11.671/2008 (transferência e inclusão de presos em penitenciárias de segurança máxima)
  • Lei 12.037/2009 (Banco Nacional de Perfil Genético)
  • Lei 9.296/1996 (interceptação telefônica)
  • Lei 11.343/2006 (políticas públicas sobre drogas)
  • Lei 9.613/1998 (crimes de lavagem ou ocultação de bens)
  • Lei 13.608/2018 (recompensa por informações que auxiliem em investigações policiais)

Confira abaixo os principais pontos da Lei Anticrime proposta por Moro:

  • Prisão após segunda instância: o texto prevê a prisão após condenação em segunda instância como regra no processo penal. Caso o tribunal ou corte superior responsável verifique eventual recurso extraordinário será possível excepcionalmente suspender a execução.
  • Crimes contra a administração pública: condenados por crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e peculato cumprirão regime pena inicialmente em regime fechado.
  • Caixa 2: arrecadar, manter, movimentar ou utilizar valores que não tenham sido declarados à Justiça Eleitoral será enquadrado como crime.
  • Organizações criminosas: o texto reconhece facções como organizações criminosas. Tipifica o Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigo dos Amigos, Milícias e outras associações ;como localmente denominadas; como instituições criminosas. Condenados por organização criminosa encontrados com armas podem cumprir pena em penitenciárias de segurança máxima. Líderes condenados cumprirão três anos de pena em presídios federais.
  • Crime hediondo com morte: condenados por homicídio e latrocínio poderão progredir de regime somente após cumprir 3/5 da pena.
  • Crime com arma de fogo: condenados por crimes com uso de arma de fogo cupmrirão regime fechado.
  • Confisco de bens: condenados a mais de seis anos de prisão poderão ter bens confiscados de acordo com a diferença entre o patrimônio e a quantia compatível com rendimentos lícitos. Obras de arte confiscadas poderão ser encaminhados a museus.
  • Criminosos habituais: o texto endurece a pena a reincidentes. O juiz deverá denegar a liberdade provisória com ou sem medidas cautelares a criminosos contumazes.
  • Soluções negociadas: investigados que confessarem o cometimento de uma infração penal, sem violência ou grave ameaça, poderão negociar acordo de uma pena mais branda, encerrando o processo.
  • Pagamento de multa: multa imposta a um condenado deve ser paga 10 dias depois de iniciada a execução definitiva ou provisória da pena.
  • Tribunal do júri: a proposta prevê alteração no Código de Processo Penal para que decisão de Tribunal do Júri seja cumprida imediatamente.
  • Excludente de ilicitude: juízes poderão reduzir pela metade ou isentar de cumprimento de pena o agente policial ou de segurança pública que matar em serviço se o excesso aplicado decorrer de ;escusável medo, surpresa ou violenta emoção;.
  • Legítima defesa: Configura-se legítima defesa situações em que o agente policial ou de segurança pública, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne ;injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem;.
  • Perfil genético: Condenados por crimes dolosos serão submetidos à identificação do perfil genético, por extração do DNA. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados poderá ocorrer na situação de absolvição do acusado ou mediante requerimento, decorridos 20 anos do cumprimento da pena.

Fonte: Anteprojeto de Lei Anticrime

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