Simone Kafruni
postado em 21/02/2019 06:00
A reforma da Previdência pode até encontrar resistência, mas a mudança no sistema é inevitável sob pena de entrar em colapso. Maior responsável pelo deficit das contas públicas, o rombo previdenciário, que chegou a R$ 198 bilhões no ano passado, reduz a capacidade do Estado de investir em outras áreas, como saúde, educação e segurança. Para financiar os gastos, o governo precisa se endividar cada vez mais. Hoje, a dívida bruta do Brasil atinge 76,7% do Produto Interno Bruto (PIB), a segunda maior relação entre 40 países emergentes, atrás apenas da Venezuela.Além disso, o buraco é crescente. Como são os trabalhadores que financiam os aposentados, a pressão demográfica compromete a sustentabilidade do sistema com o passar dos anos. As famílias têm cada vez menos filhos, com impacto na receita futura. Em 1980, a taxa de fecundidade era de 4,1 filhos, com drástica redução para 1,8 em 2010 e projeção de atingir 1,7 em 2060. Ao mesmo tempo, a expectativa de sobrevida dos brasileiros com direito à aposentadoria vai disparar até lá: para idosos com 70 anos, um aumento de 17,5 anos; para pessoas com 65 anos, aumento de 21,2 anos; e para quem tem 60 anos, sobrevida de 25,2 anos.
Nilton Molina, presidente do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, explicou que o Brasil arrecadou R$ 1,3 trilhão em 2018 e gastou R$ 700 bilhões, ou 55% do total, com Previdência. ;Isso é três a quatro vezes mais do que gastou com saúde para 210 milhões de brasileiros. Estamos gastando mais com idosos do que com os jovens;, disse. De outro lado, as pessoas estão ficando mais velhas. ;A longevidade impacta nesse custo extraordinariamente. Como a fertilidade é baixa, o Brasil será um dos países mais envelhecidos. Por isso, a reforma não é só necessária, mas inevitável.;
Injustiça
Para piorar o quadro, o atual sistema é extremamente injusto. Mais de 83% dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) recebem menos de dois salários mínimos, enquanto o benefício médio mensal das aposentadorias do setor privado é de R$ 1.420 e das pensões por morte, de R$ 1.280, no regime público federal é de R$ 7.700. Se abrir as carreiras, a discrepância é ainda mais evidente.Segundo o relatório da avaliação atuarial do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) de 2017, a aposentadoria média dos servidores do Poder Executivo estava em R$ 8,4 mil por mês, e as pensões, em R$ 5,2 mil. No Poder Legislativo, o benefício médio de aposentadoria é de R$ 26,8 mil, e R$ 5,4 mil, de pensão. No Judiciário, R$ 18 mil e R$ 8,7 mil, respectivamente. ;O RGPS atende mais de 30 milhões de pessoas, e o deficit per capita anual é de R$ 5 mil, coberto por todos. O RPPS atende 4 milhões, e o deficit per capita, se incluir militares, chega a R$ 78 mil;, comparou Fábio Klein, analista da Tendências Consultoria.
Segundo ele, a principal fonte do deficit fiscal brasileiro é a Previdência. ;Até 2014, o resultado positivo do Tesouro e de outras fontes compensaram o rombo previdenciário. De lá para cá, período que combinou com crise econômica, explosão de gastos e queda da arrecadação, o Tesouro perdeu essa capacidade;, explicou. Em 2014, o deficit das contas públicas foi de R$ 23,5 bilhões, sendo R$ 56,7 bilhões negativos da Previdência e R$ 33,2 bilhões positivo do Tesouro, de acordo com Klein.
;Com crise econômica, desoneração da folha e desemprego, que faz a arrecadação do INSS encolher, o rombo bateu quase R$ 200 bilhões em 2018. Além disso, a previsão de uma reforma aumentou a procura pela aposentadoria;, ressaltou. O resultado é que, para ajustar as contas, é preciso cortar custeio e investimentos, com prejuízo no serviço público, e aumentar a dívida pública, jogando títulos no mercado para financiar a máquina.
O problema de o país se endividar, conforme Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, é que tira recursos do setor privado, que gastaria em investimentos produtivos e passa a optar por títulos porque o prêmio é cada vez maior. ;Como o risco de insolvência aumenta com a dívida, os juros são mais altos para tornar o título atrativo. Porém, isso acarreta um problema estrutural. Sem investimento, a economia cresce pouco, há redução de empregos e contribuição cada vez menor para o sistema;, detalhou.