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Conselheiros estudam criar rede para divulgar discursos de Bolsonaro

Usar a internet durante campanha foi uma cartada para aproximar o ex-deputado do eleitor. Passadas as eleições, os movimentos nas redes, porém, deveriam ser mais controlados e integrados.

Leonardo Cavalcanti, Bernardo Bittar
postado em 10/03/2019 08:00
ilustração de uma voz falando no alto falante redes sociais

Na última sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro foi finalmente convencido sobre a necessidade de integrar os discursos de governo. E, por mais inusitado que pareça, o plano está mais próximo do democrata Barack Obama do que do republicano Donald Trump, um dos ídolos declarados do capitão reformado.

O argumento dos conselheiros diretos do presidente foi simples: discursos e imagens propagados nas redes humanizaram Bolsonaro na campanha, mas já não serviam tanto quanto antes. Usar a internet foi uma cartada para aproximar o ex-deputado do eleitor. Passadas as eleições, os movimentos nas redes, porém, deveriam ser mais controlados e integrados.

Depois dos episódios envolvendo a queda de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República e das controversas publicações sobre o carnaval, a partir de um vídeo com a divulgação de uma prática sexual, o golden shower, Bolsonaro decidiu dar ouvidos aos apelos dos principais conselheiros, a maior parte do núcleo militar.

Na prática, os perfis de Bolsonaro acabaram sendo uma dor de cabeça para os militares, que tentavam, desde, a posse mostrar ao presidente a necessidade de pensar a comunicação de maneira estratégica. A internet, apesar de ganhos comprovados não só por aqui, mas em governos estrangeiros, havia se tornado um inconveniente. E pior, o tema estratégico da vez, a reforma da Previdência, ficou em segundo plano nas postagens.

Durante a folia de Momo, Bolsonaro publicou no Twitter o vídeo de uma cena que provocou críticas até mesmo de aliados. Um homem aparece dançando após introduzir o dedo no próprio ânus e outro rapaz surge urinando na cabeça do que dançava. No texto anexo à imagem, o presidente diz que não se sentia confortável em comentar, mas gostaria de mostrar ;o que tem virado muitos blocos de rua do carnaval brasileiro;.

Para evitar novos descompassos, a primeira ideia do Planalto é mapear todos os integrantes da cúpula do governo, a partir do presidente, verificando o número de seguidores e o alcance dos perfis. Com isso, o plano é a unificação dos comunicados ; em que o ministro, por exemplo, a partir de um compartilhamento de notícia oficial feito pelo presidente, compartilhe o texto na conta institucional. Isso formaria uma teia uniforme.

Levantamento do Correio na rede mostra que Bolsonaro tem 3,6 milhões de seguidores no Twitter e 10 milhões no Facebook. O vice-presidente Hamilton Mourão tem 438 mil seguidores no Twitter. Desde o início do mandato, ministros sem contas oficiais foram orientados a criar perfis próprios para evitar eventuais perfis falsos. ;Falta compreensão no Brasil sobre a separação de perfis institucionais e sociais. São casos como o do governador de São Paulo, João Doria, e do primeiro escalão do governo federal;, diz o especialista em marketing político e digital Marcelo Vitorino.

;Os Estados Unidos deram um passo à frente, criando um perfil institucional para o presidente, não para o gestor, mas para o cargo. No governo do Reino Unido, há o blog do primeiro-ministro. Refere-se ao cargo, onde há agenda;, afirma Vitorino. ;Em outros lugares do mundo, há iniciativas da profissionalização da comunicação institucional do governo. O presidente seria muito menos atacado se tivesse dois perfis. Em um, fala do bloquinho de carnaval (no pessoal). No outro, detalha a reforma da Previdência e o pacote anticorrupção do ministro da Justiça, Sérgio Moro;, completa Vitorino.

Estratégia

Integrantes do Planalto admitem que convencer Bolsonaro sobre a necessidade de controlar estrategicamente as postagens foi até fácil depois dos deslizes, mas sabem que o presidente não vai largar a conta pessoal. O próximo passo da equipe é direcionar, também, as notícias oficiais no jornal, no rádio e na televisão. Cada perfil de veículo e do público será voltado para determinado conteúdos, dos mais simples aos mais sofisticados.

Para especialistas, as redes sociais fortalecem o discurso em torno da imagem pessoal de Bolsonaro. O presidente não é um político tradicional. E, como convive com um Congresso indiferente, usa as redes sociais para reunir a base. É muito diferente quando ele fala sobre carnaval e sobre a reforma da Previdência. A história da reforma não pega. Por isso, ele tenta chamar a atenção de outras formas. Quer aprovar a agenda prioritária, mas só conhece a internet. É tudo o que ele tem;, explica o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Pablo Holmes.

É por isso que os conselheiros do Planalto já estabeleceram que a única forma de avançar nos comunicados da reforma será a partir de outras mídias, considerando as tradicionais. ;Sabemos o quanto é difícil explicar para a população a importância da reforma da Previdência, assim, a ideia é segmentar as informações por público específico, para que os parlamentares sintam-se pressionados a votar o texto proposto pelo governo.;

Holmes cita um estudo de Pablo Ortellado, de 2016, que trata sobre a politização da internet no Brasil. Ele considera os mais de 200 milhões de brasileiros e mais de 140 milhões de eleitores, mas calcula que apenas 20 milhões sejam politicamente ativos nas redes. ;Se você contabilizar os seguidores que Jair Bolsonaro tem no Twitter e no Facebook, verá que ele tem um público expressivo para quem falar;, afirma, complementando: ;Mas as pessoas gostam de compartilhar coisas que mexem com emoções. Falar do xixi no carnaval vai fazer barulho. Falar da Previdência, não. Por isso, é importante realinhar a forma de comunicação;.

Repercussão

Ao tomar decisões baseadas na repercussão de suas frases na internet, Bolsonaro se coloca como alguém que faz apenas a leitura da própria bolha. Foi assim quando, na semana passada, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi obrigado a desconvidar Ilona Szabó, diretora executiva do Instituto Igarapé, como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Considerada expert no assunto, é tratada como ;esquerdista; pelos seguidores do presidente ; que fiscalizam e cobram as promessas de campanha de Bolsonaro. Ilona acabou descartada.

;Ao ouvir os seguidores, Bolsonaro mantém o capital político vivo;, garante o cientista político Carlos Alberto Moura, analista da HC7 Pesquisas. ;Embora algumas coisas repercutam muito mal na ;vida real;, tem coisas que a ;base de apoio; do presidente na internet aprova e, por isso, ele continua alimentando as redes sociais com tudo o que ;acha razoável;. Não dá para pensar que as publicações são feitas ao acaso;, conta.

Moura diz que, ao se voltar apenas para as redes, o presidente faz com que os ;grandes players; ; que costumam acompanhar as publicações tradicionais ; tenham menos confiança em projetos da agenda prioritária do governo. ;O cara que quer saber detalhes sobre pacote anticorrupção ou reforma da Previdência vai direto naquele veículo tradicionalde comunicação, que explica os projetos, e não no Twitter. É aí que o presidente perde;, frisa.

O plano dos conselheiros de Bolsonaro de controlar estrategicamente as redes foi colocado em prática ainda na última sexta, quando a maior parte das postagens do presidente fez referência a assuntos oficiais do governo. Resta saber até quando isso vai durar ou mesmo neutralizar o próximo tuíte com opiniões pessoais ou de cunho moral.

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