Creomar de Souza*, Carlos Gustavo Poggio
postado em 18/03/2019 12:41
A relação entre Brasil e os Estados Unidos da América pode ser descrita em uma palavra, oscilação. De fato, os olhares entre Brasília e Washington costumam oscilar em um espectro emocional que beira a passionalidade. No curso do tempo, é possível, portanto, identificar dois movimentos: um de aproximação e outro, de afastamento. Tais ações, na maior parte das vezes são desencadeadas por Brasília e orquestradas como reflexo da própria percepção que grupamentos políticos internos têm dos seus rivais e do papel dos EUA nesse embate.
A eleição de Bolsonaro não foge desse padrão. Vitorioso em uma eleição marcada por enorme polarização política, o presidente e uma parte de seu grupo de tomada de decisão miram para os EUA como um baluarte de resistência a valores que consideram negativos. A diferença fundamental do processo de aproximação orquestrado por essa presidência em relação a outras é que, na atual conjuntura, é uma percepção personalista do processo, é dizer, para alguns membros do governo aproximar-se de Trump é sinonímia de aproximação com o país.
E aqui tem-se um elemento central de análise: o menos importante de uma aproximação de longo prazo com os Estados Unidos é Donald Trump. Na verdade, paradoxalmente, o Brasil pode prejudicar suas chances de estreitar relações com o país norte-americano caso se associe muito estreitamente com a figura de Trump. Dado que qualquer negociação mais significativa no campo comercial, por exemplo, deve necessariamente passar pelo Congresso americano, um acordo que seja visto como excessivamente ligado à figura do presidente pode afastar preciosos votos Democratas e encontrar mais dificuldades para ser aprovado.
Portanto, não basta agradar a Trump, mas há que se levar em conta a intrincada rede de interesses de 435 deputados, 100 senadores, e competir com uma série de grupos de pressão altamente organizados no Congresso americano, que por sua vez estarão atentos para qualquer acordo que eventualmente os afete. Isso sem falar no fato de que a reeleição de Trump em 2020 está longe de ser uma garantia, e um presidente Democrata certamente teria menos incentivos para avançar em negociações que fossem muito associadas ao atual mandatário. Além disso, o próprio Trump pode se ver cingido em questões domésticas e eventualmente perder o interesse em uma negociação com o Brasil.
Outro fator que o presidente e seu time devem ter em mente é que algumas negociações tendem a se estender ao longo do tempo. Por exemplo, o México solicitou a assinatura de um acordo comercial com os Estados Unidos em 1990. De forma similar ao caso brasileiro, o presidente mexicano à época, Carlos Salinas, iniciou negociações com seu colega George Bush por iniciativa própria. Após intensas negociações, o que viria a ser conhecido como NAFTA foi assinado pelo então presidente Bush apenas em 1992, e ratificado pelo Congresso americano em dezembro de 1993, sob a presidência do Democrata Bill Clinton. A votação na Câmara dos Representantes foi um nada folgada 234 X 200, com votos de 132 Republicanos e 102 Democratas, a despeito do forte apoio presidencial ao tratado.
Portanto, entre o primeiro encontro de presidentes e a entrada em vigor do NAFTA, passaram-se 4 anos e 2 presidentes de partidos diferentes. É possível argumentar que o Brasil não pretende buscar algo tão ambicioso como o NAFTA, e que, portanto, o tempo de negociação seria menor. Não foi esse o caso do acordo entre Estados Unidos e Colômbia, que começou a ser negociado em 2004, sob o Republicano George W. Bush, e aprovado no Congresso americano em 2011, sob o Democrata Barack Obama. Da mesma forma, o Peru iniciou conversas com bilaterais com os EUA em 2003, mas o Congresso ratificou o acordo apenas em 2007, e sua implementação se deu em 2009.
Parece claro aqui que qualquer sucesso em termos de relacionamento e acordos bilaterais com os EUA está ancorado na necessidade de se evitar apostar todas as fichas na esfera meramente presidencial e de buscar se aproximar de uma perspectiva mais institucional. Afinal, por mais que a narrativa de reinvenção da política esteja em voga em Washington e em Brasília, a realidade pode se colocar como um muro intransponível entre Trump e Bolsonaro.
*Analista/consultor de risco político, foi por duas vezes bolsista do Departamento de Estado do Governo do EUA e é professor universitário
*Carlos Gustavo Poggio - Doutor em Relações Internacionais, especialista em política dos EUA e Professor Universitário. Atua também como consultor de inteligência política e comercial