Kellie Meiman Hock*
postado em 18/03/2019 12:45
Há 20 anos, quando trabalhei para o Escritório de Representação Comercial dos Estados Unidos (USTR), Washington batalhava por um sonho ;; a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Parte do objetivo era criar um mercado unificado que ia do Alasca à Patagônia, o que permitiria que as Américas tivessem melhores condições para competir com a Ásia. A outra parte do objetivo era maximizar a integração das economias dos dois titãs do hemisfério, Brasil e Estados Unidos, em um momento no qual a América do Norte, ancorada pelo Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), e a América do Sul, ancorada pelo Mercosul, pareciam preparados para uma batalha pela dominância comercial do hemisfério. A economia relativamente fechada do Brasil, junto aos desacordos de âmbito doméstico sobre barreiras comerciais, subsídios, e questões de propriedade intelectual, dificultaram a realização do sonho da criação da ALCA.
Rapidamente chegamos a 2019, e a administração Bolsonaro claramente demonstra suas intenções em ampliar a aproximação com os EUA, e deixar para trás os dias de políticas industriais mais intervencionistas. Ao mesmo tempo, o atual momento requer que o Brasil faça ajustes graduais, embora necessários, visando a migrar para uma economia mais aberta. Após décadas de investimentos destinados, principalmente, para o mercado doméstico, o Brasil tem agora a oportunidade de se transformar em um polo de crescimento voltado para o mercado internacional, com base em exportações.
Simultaneamente, há muito que pode ser feito quando o presidente Jair Bolsonaro se encontrar com o presidente Donald Trump, em Washington, na segunda-feira, para, conforme citado pelo secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, Marcos Troyjo, ;incrementar as relações comerciais com os EUA;. Podemos buscar uma parceria comercial mais significativa com foco em facilitação de comércio, como o secretário sugere; ou podemos retomar as longas (e frustrantes) negociações sobre tributação bilateral ou acordos de investimento.
Ou ainda, consistente com as aspirações do Brasil, podemos desenvolver um plano de trabalho focado no desejo do país de se tornar membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Plano, cuja base, partiria de um maior alinhamento das políticas públicas e estratégias de desenvolvimento econômico aos padrões estabelecidos pela organização. A colaboração do Brasil com a OCDE iniciou-se há mais de 20 anos. Desde então, progressos importantes foram feitos, como aqueles refletidos no Acordo de Cooperação Bilateral e Programa de Trabalho de 2015, o qual mapeou ajustes necessários em políticas públicas que poderiam virtualmente assegurar a entrada do Brasil na OCDE.
Adotar reformas complexas não é tarefa fácil. E a adesão ao órgão, por si só, não deve ser visto como sendo o ponto final na jornada. Pelo contrário; a adesão é um veículo de transformação econômica, que traz recuperação de confiança pelo mercado, redução da desigualdade, e promoção da transparência. Investidores americanos querem fazer parte do cumprimento desta missão pelo Brasil, e da evolução do país com base nos princípios da OCDE. Medidas concretas que o Brasil pode tomar para aderir à OCDE incluem: 1) Aumentar a eficiência e a consistência nas determinações tributárias e judiciais; 2) Seguir melhores práticas internacionais nos métodos de taxação relacionados a questões como transferência de preços e mediação tributária; 3) Simplificar o sistema tributário para torná-lo mais previsível e o cumprimento menos oneroso; 4) Adotar ajustes fiscais mais complexos, incluindo a reforma da Previdência; 5) Reaproximar o BNDES da sua missão inicial de desenvolvimento econômico; 6) Fomentar a transparência, o Estado de direito, e garantias aos investidores em todos os setores da economia, desde processos regulatórios e licitações públicas, até a execução de contratos; 7) Diminuir tarifas em setores-chave e reduzir distorções causadas na economia devido a exigências de conteúdo local.
Adotar uma agenda ambiciosa, como é demandado pela OCDE, requer coragem e convicção na capacidade das empresas brasileiras em competir. Se excluirmos o sistema de impostos do Brasil, cuja complexidade e onerosidade são notórias, eu arrisco dizer que a economia brasileira poderia ser, na verdade, uma das mais competitivas do mundo. Diante desses fatos, o comprometimento da administração Bolsonaro com este objetivo de adesão à OCDE deve ser reconhecido.
E os EUA devem estar ao lado do Brasil enquanto o país busca executar esta importante tarefa, apoiando seus esforços em atender as exigências rigorosas da OCDE. Ao mesmo tempo, progressos complementares à agenda de comércio bilateral podem ser feitos. Áreas que julgo estarem ;maduras; para colaboração incluem: convergência regulatória, simplificação aduaneira, serviços, e comércio digital. Ademais, uma discussão sobre como endereçar o tratamento por parte da China sobre propriedade intelectual também poderia ser vantajosa para os interesses econômicos do Brasil e dos EUA.
Enquanto a crise humanitária na Venezuela naturalmente dominar a conversa entre os líderes brasileiro e americano, o encontro apresenta uma oportunidade para nossos governos detalharem um plano de trabalho bilateral em áreas que nos permitam avançar rapidamente. E por meio do alcance de uma agenda econômica mutualmente benéfica, ganharemos a possibilidade de testar o quanto a afinidade entre o chamado ;Trump dos Trópicos; e o Trump pode de fato ser produtivo para ambos os países.
*Kellie Meiman Hock - Sócia-diretora na consultoria McLarty Associates, ex-diplomata americana e diretora para o Brasil no Escritório de Representação de Comércio dos EUA