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Abrir mão de vantagens na OMC, o preço para entrar no clube dos ricos

Como membro pleno da OCDE, o governo brasileiro espera atrair investimentos e obter outras vantagens, como acesso a financiamento externo com melhores condições

Claudia Dianni
postado em 20/03/2019 06:00
Reunião da OCDE, em Paris, no ano passado: principal entrave para a entrada do Brasil na organização era exatamente os Estados Unidos
Um dia depois de dispensar cidadãos americanos de visto de entrada no Brasil sem nenhuma contrapartida, o presidente Jair Bolsonaro concordou em abrir mão de vantagens para negociar acordos comerciais com países ricos na Organização Mundial do Comércio (OMC), uma exigência do presidente dos EUA, Donald Trump, em troca de apoio ao pleito de o país ser aceito como membro pleno na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como ;clube dos países ricos;.

Como membro pleno da OCDE, o governo brasileiro espera atrair investimentos e obter outras vantagens, como acesso a financiamento externo com melhores condições. Por outro lado, vai abrir mão de regular a exposição do mercado interno à concorrência de produtos e importados em setores considerados mais sensíveis.

A OMC não possui critérios para classificar países como ricos ou pobres. Por isso, os membros devem se autodeclarar ;país em desenvolvimento; para obter as vantagens previstas na cláusula 28 (parte quatro) do Acordo Geral de Tarifas e Comércio, que precedeu a OMC. De acordo com essa cláusula, quando em negociação com países ricos, nações em desenvolvimento não precisam oferecer reciprocidade da liberalização de seu mercado. Assim, é possível ganhar uma fatia maior do mercado do país rico e ao mesmo tempo manter certo nível de proteção em seu mercado interno.

O Brasil se aproximou da OCDE em 2007, quando, além de membro observador, passou a ser um parceiro estratégico do grupo, o que permitiu que, de lá para cá, o país assinasse 39 dos 238 acordos de boas práticas da organização. Na época, porém, a estratégia da política externa do então presidente Lula estava baseada, entre outros aspectos, na aproximação dos países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, em manter liderança entre os emergentes.

;No âmbito do G-77, o Brasil tenta derrubar, por exemplo, práticas como subsídios agrícolas, praticados pelos Estados Unidos e pela Europa, países da OCDE, que prejudicam as exportações brasileiras. Participar dos dois fóruns implica em concordar com essas práticas que sempre condenou;, afirma Vladimir Feijó, professor de relações internacionais e direito internacional do Ibmec. O G-77 é uma coalizão de nações em desenvolvimento, que visa promover os interesses econômicos de seus membros e criar uma maior capacidade de negociação conjunta.

Para o especialista, a decisão do governo brasileiro pode estimular outros organismos internacionais, como o Banco Mundial, a pressionar o Brasil a abrir mão do status de país em desenvolvimento e perder o acesso ao financiamento de projetos com condições especiais. Ele acredita que o presidente americano soube usar melhor do que o brasileiro a prática da barganha comercial. ;No caso do visto, não foi exigido nada em troca;, compara.

Já para o embaixador José Alfredo Graça Lima, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a troca foi positiva. Ele avalia que a autodeclaração como país em desenvolvimento na OMC foi importante durante um período de transição, mas as vantagens em integrar o grupo dos países desenvolvidos como membro pleno são muito maiores. ;O mais importante é que o Brasil vai ter que se comprometer com normas e práticas econômicas melhores para atrair investidores;, disse. Sobre a reciprocidade no caso dos vistos, ele acredita que, neste caso específico, fazer a mesma exigência seria mais retaliação do que reciprocidade. ;Deixar de emitir visto é um alívio para os consulados, que precisam usar o tempo para cuidar dos interesses dos brasileiros;, afirma.

Trigo


Segundo a declaração conjunta emitida pelos dois países ontem, no fim da visita oficial, o Brasil vai abrir uma cota de importação de 750 mil toneladas de trigo para os Estados Unidos em troca de visitas técnicas que podem reabrir o mercado americano para a carne bovina. Mesmo assim, os americanos ganham o direito de exportar carne de porco para o Brasil. ;Neste caso específico, a cota pode não agradar aos argentinos;, pondera Graça Lima. O vizinho, principal fornecedor do trigo para o Brasil, exporta o produto com tarifa zero.

O Brasil é membro observador da OCDE desde 2007, mas oficializou pedido para ser membro pleno do grupo no governo de Michel Temer, em maio de 2017. As decisões são tomadas por unanimidade, entre os atuais 37 membros. Até agora não houve acordo sobre admitir o Brasil. A maior resistência era dos Estados Unidos. A organização internacional, com sede em Paris, tem o objetivo de promover a cooperação e estimular o desenvolvimento de políticas para a promoção do desenvolvimento econômico e o bem-estar social. O combate à corrupção e à evasão fiscal também fazem parte da agenda da OCDE. O processo de entrada de um país, geralmente, leva três anos.

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