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Novo status na OMC "é a evolução normal", diz Sérgio Amaral em entrevista

Embaixador avalia que visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA teve resultados importantes, como o acordo de salvaguardas e o apoio para a adesão na OCDE

Denise Rothenburg - Enviada Especial
postado em 25/03/2019 06:00
Embaixador avalia que visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA teve resultados importantes, como o acordo de salvaguardas e o apoio para a adesão na OCDEWashington ; Ao fazer um balanço sobre a recente visita oficial do presidente Jair Bolsonaro ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, minimizou as críticas sobre o apoio para a adesão do Brasil na Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) condicionado à perda do tratamento diferenciado do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), de país em desenvolvimento.

Sem estimar ganhos ou perdas, ele afirma que o objetivo do país é não continuar com esse status. ;É a evolução normal e acho que vamos ter flexibilidade;, frisa ele, demonstrando otimismo no processo de adesão do país na OCDE. ;Não vejo grandes dificuldades;.

Para o embaixador, a visita ;foi boa; e ;trouxe resultados concretos e importantes;. E o principal deles, foi a assinatura do acordo de salvaguardas tecnológicas.

Na avaliação do diplomata, ;vai permitir o lançamento de satélites e uma cooperação maior com os Estados Unidos;, além de aumentar a utilização da base de Alcântara, no Maranhão. E evitou falar sobre a questão dos vistos, em que o Brasil derrubou a exigência unilateralmente.

A seguir a entrevista do diplomata concedida ao Correio:

Que balanço o senhor faz da visita do presidente Bolsonaro? Dá para comemorar?
Sim, a visita foi boa. E deve ser vista em três dimensões. A primeira delas é que se dá num momento em que existe uma convergência muito grande nos valores e nos princípios que compartilhamos e isso sempre existiu. É uma tradição da nossa relação. O segundo fato é que trouxe resultados concretos e importantes. Eu colocaria, em primeiro lugar, o acordo de salvaguardas tecnológicas para o uso comercial do centro espacial de Alcântara. Ele vai permitir uma grande cooperação no setor privado brasileiro com o americano e até com outros países. Isso está pendente há 20 anos. Foi talvez o assunto que eu mais me empenhei. A negociação foi longa, de mais de um ano, junto com a Aeronáutica. Fico muito satisfeito, porque isso vai permitir a utilização de um centro que está lá e que nunca foi usado para lançamentos de maior porte. E isso vai permitir o lançamento de satélites e uma cooperação maior com os EUA.

A oposição, em especial, o PT no Brasil chamou esse acordo da base de ;entreguismo;...
Você tem que fazer a opção: Prefere ficar com a base de Alcântara sem utilização? Ou você está disposto a aceitar algumas restrições para poder utilizar a base com Estados Unidos, com outros países, para poder lançar seus satélites e ter uma receita na base de Alcântara? O que adianta ter uma base e ela não for utilizada?

Eles vão pagar por essa utilização?
Não é o governo americano quem vai pagar. O acordo é para dar a salvaguarda da tecnologia do veículo lançador e também tem provisões relativas à não proliferação (de armas). Quem vai pagar são as empresas e muitas poderão atuar em parceria com empresas brasileiras. Esses recursos vão alimentar o programa espacial brasileiro, a utilização da base. Mas existem restrições que decorrem, seja da legislação americana, seja de acordos internacionais. Essa é uma avaliação que o país tem que fazer, se prefere deixar a base de Alcântara como está ou prefere utilizar em parceria. Os EUA detêm 80% do mercado de lançamento de satélites. Agora, o que o Brasil tem que fazer, e essa é a minha opinião, é o desenvolvimento autônomo dessa tecnologia. Um país que soube desenvolver a tecnologia de aviões como a Embraer, de exploração do petróleo em águas profundas, tem condições, como já mostrou. O lançamento que foi feito de um veículo na base de Alcântara e que falhou foi um acidente. A Aeronáutica tem essa tecnologia.

O senhor mencionou três pontos, quais os outros dois?
O segundo fato importante é a OCDE, uma aspiração nossa de bastante tempo, em que conseguimos o apoio de todos os membros da OCDE, menos os Estados Unidos. Agora, conseguimos um apoio importante para o Brasil começar as negociações com a OCDE.

Mas houve uma exigência para esse ingresso, como, perder o tratamento diferenciado na OMC. Isso é bom?
Esse pedido, essa observação foi feita pelo embaixador (Robert) Lighthizer (conselheiro de Trump), na primeira vez em que fui lá preparando a visita do presidente. Havia a indicação de que a maior parte do governo americano estava de acordo, a restrição única que prevalecia era a dele. Conversamos sobre isso. Eu disse: não vejo razão para isso, são duas coisas diferentes e vocês também têm apoiado outros países e não estabeleceram qualquer condição. Mas, no meio, sempre tem uma negociação mais ampla. Isso apareceu como uma espécie de uma barganha, uma mudança, do Brasil ir progressivamente mudando a categoria que ainda é visto, de país em desenvolvimento. Evidentemente, isso não vai afetar o passado. Mas poderia afetar o futuro. É difícil, não tem como medir isso, quanto vale em termos das concessões que tivemos. Agora, o que é fato é que o objetivo do Brasil ao entrar na OCDE, ou de participar da OMC, não é de continuar sempre como país em desenvolvimento. É a evolução normal e acho que vamos ter flexibilidade.

E quanto tempo leva ainda para o Brasil ser aceito?
Não depende mais dos Estados Unidos. A OCDE faz normalmente duas reuniões por ano para definir as questões maiores de política e uma delas é a aceitação das novas candidaturas. A reunião será nos próximos meses. Aí, os países votam. E aqueles que são aceitos como candidatos a negociar, então, entram em um processo de negociação. O que acontece é que já existe uma fila de candidatos no processo de negociação. Colômbia, por exemplo, não sei se já foi aprovada. Na fila, em primeiro lugar, está a Argentina. Virá, depois, o Brasil. E a negociação é variável. O tempo que dura é difícil prever. No caso do Brasil, creio que será uma negociação rápida, porque já temos, já participamos de vários dos chamados protocolos, de mais de 70. Aquilo que ainda temos a negociar não deve ser difícil. E muito do que a OCDE poderia pedir ao Brasil, na medida em que já aceitamos várias das práticas econômicas que ela pode pedir, está na linha do que o ministro Paulo Guedes (da Economia) quer fazer. Não vejo grandes dificuldades.

O senhor pode dar exemplo do que o ministro Guedes quer fazer e que a OCDE pode pedir?
Por exemplo, maior abertura da economia, desregulamentação, reforma tributária. Todas essas são questões que, normalmente, a OCDE levantaria numa negociação para ter a adesão final.

O senhor mencionou três dimensões da visita, qual a terceira?
O outro ponto que também é importante entre os que foram negociados são as questões relativas à área de segurança e que nós temos todo o interesse porque isso vai nos ajudar a combater o contrabando de armas. Uma das coisas que mais nos preocupa no combate à criminalidade é o fato de que entram no Brasil as armas mais sofisticadas, muitas vezes provenientes dos Estados Unidos, e de qualidade superior às armas que são usadas no país.

Como aquela apreensão no Rio, por exemplo, dos M16, e houve até quem dissesse que havia peças de fuzis dos M27, exclusivos das forças armadas americanas?
É, isso vai haver uma cooperação maior nessa questão das fronteiras, que é uma preocupação grande em relação ao combate à criminalidade no Brasil. Houve vários acordos que não têm necessariamente um resultado imediato, mas que sinalizam áreas de cooperação importante para nós. Por exemplo, o fórum de energia. Existe o interesse dos dois lados e nós trabalhamos em relação a essas questões. Na área de espaço, acordo espacial, cooperação grande no setor privado. Empresas brasileiras e americanas querem trabalhar juntos em projetos de lançamentos a partir de Alcântara. Existe uma fila de espera nessa questão dos satélites. E teremos também o restabelecimento do CEO Fórum. Um grupo restrito de membros dirigentes das empresas E esses dirigentes, de igual número de cada lado e ainda será definido, é o que tem mais alta representatividade e poderão ajudar a definir os rumos para o comércio.

Em relação à Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que significa para o Brasil ser um aliado extra-Otan?
Na verdade, durante a conversa entre os dois presidentes com a participação ampliada, o presidente Trump deixou ao Brasil definir como ele quer entrar: Como um membro fora da Otan, ou como um membro dentro da Otan. Mas isso demandaria mudança dos regulamentos. Não sei se está previsto ser membro da Otan países que não estão na área do Atlântico Norte. O Brasil precisa avaliar se vale a pena ser um membro da Otan, que contribui financeiramente. Toda a discussão que existe hoje na Otan é financeira. Essa é uma questão que o Brasil vai ter que avaliar melhor para definir sua participação.

Mas e a venda da carne bovina para os EUA e da suína para o Brasil?
Isso é um ponto importante para nós, porque temos que resolver essa questão sanitária. Houve um atraso na resposta, do lado americano, e agora o que se combinou é que irá uma missão fazer essa inspeção. Quanto à carne suína americana, faltam algumas informações para o Brasil. São fatos normais do comércio.

E a soja, daqui para a China?
A questão da soja é diferente, porque na guerra comercial entre Estados Unidos e China foi suspensa a exportação de soja para a China e o Brasil se beneficiou disso. No ano passado, a exportação de soja para o mercado chinês representou 86% da exportação brasileira de soja. Isso porque exportamos o que exportávamos normalmente e aquilo que os Estados Unidos deixaram. Agora, é normal que, se houver e quando houver esse acordo, a exportação de soja brasileira para a China diminua. Até agora não fechou.

O senhor sente que a bússola vai mudar completamente, ou seja, o Brasil negociará mais com os Estados Unidos do que com a China?
O consumidor vai ao supermercado, porque vende mais barato ou porque o dono é simpático? Temos uma excelente relação com os EUA, mas temos também uma excelente relação econômica com a China. O ministro Guedes deixou claro que vai dançar com quem quiser dançar com ele. A parte central da sabatina no Senado para minha aprovação vir aos Estados Unidos foi que precisamos chegar numa relação de maturidade com os EUA. E tentar evitar uma relação pendular, ora está de um lado, ora de outro. E uma relação de maturidade é aquela em que vamos discutir os temas da agenda de acordo com o mérito de cada um. Aquilo em que nós concordarmos, não tem por que não trabalhar junto. E aquilo que não concordarmos, não tem porque não dizer. E isso é uma coisa que os Estados Unidos entendem e apreciam: que é a franqueza no relacionamento.

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