Politica

Em reunião com líderes partidários, Bolsonaro acena com a 'boa política'

Segundo participantes das conversas, a mudança de tom do chefe do Executivo foi essencial para o diálogo

Bernardo Bittar, Rodolfo Costa
postado em 05/04/2019 06:00

As reuniões de ontem, como a feita com Geraldo Alckmin, foram acompanhadas de perto por Onyx Lorenzoni: pedido de desculpas do presidente
O governo deu, ontem, o pontapé da renovação no diálogo com o Congresso. O presidente Jair Bolsonaro recebeu os presidentes nacionais do PRB, PSD, PSDB, PP, DEM e MDB em reuniões que começaram às 8h30 e, com pausas na agenda, terminaram às 17h20. A principal sinalização da renovação no trato foi o abandono do discurso entre a ;velha; e a ;nova; política. Aos caciques, acenou que é a ;boa; política que deve predominar. O efeito no mercado veio de forma rápida e a bolsa voltou a responder com bom humor (leia mais na página 4).

Dos mandatários, ouviu que terá apoio para a aprovação da reforma da Previdência. No entanto, ela inevitavelmente será alterada. Foi alertado que as regras de aposentadorias dos trabalhadores rurais e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) serão suprimidas do texto. Também recebeu a advertência de que alguns partidos não farão parte da base governista e que o fechamento de questão pela reforma é incerto até o momento. Ainda assim, a reunião foi avaliada como positiva pelas legendas e pelo próprio pesselista.

O presidente da República mais ouviu do que falou. Foi, inclusive, humilde. Pediu desculpas por ;caneladas; durante o período eleitoral, quando insinuou na campanha que o MDB representava a velha política e que os demais partidos representados nas reuniões de ontem reuniam ;a nata do que há de pior no Brasil;. Para o mandatário emedebista, Romero Jucá, o gesto de Bolsonaro representa um desprendimento para ouvir e conversar. ;Mostra uma mão estendida. O governo pode cometer equívocos, mas não pode ser condenado por cometê-los. Agora, tem que ter humildade e rapidez para corrigi-los. E tenho certeza de que o governo quer fazer isso, pois quer um bom resultado no trabalho;, ponderou.

O ;despertar; de Bolsonaro para o novo canal de diálogo com o Congresso não surgiu do dia para a noite. Ao longo da última semana, foi alertado pelos ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Secretaria de Governo, Santos Cruz, a trocar o disco e mudar o discurso agressivo. Há duas semanas, teve embates com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o Congresso, ao dizer que alguns parlamentares não querem ;largar a velha política;, em crítica ao chamado ;toma lá, dá cá;, por supostas cobranças de cargos. A repercussão gerou uma crise entre os poderes que, agora, começa a ser contornada.

A articulação política do Planalto alertou Bolsonaro a procurar uma relação com mais harmonia, respeito e linguagem parlamentar que dessem condições para construir o bom convívio com o Congresso. Deu certo. Jucá disse ao presidente que não existe a ;nova; e a ;velha; política, e ele concordou. ;Existe política que tem que ser construída com diálogo ao longo do tempo. E o presidente terminou concordando que o que vale é a ;boa; política. Portanto, taxar de ;velha; ou ;nova; é um desserviço;, avaliou.

Um dos responsáveis pelo diálogo aberto foi o DEM, de ACM Neto e Rodrigo Maia

O diálogo, no entanto, não convence os presidentes nacionais a embarcar na base governista, ou seja, manter fidelidade às pautas do governo. O recado dado a Bolsonaro é de que cada dia será uma agonia diferente, de modo que toda matéria precisará ser dialogada à parte. O mesmo vale para o fechamento de questão, instrumento usado pelos partidos para votar em bloco com orientação pré-determinada. ;Não discutimos fechar questão, que será avaliada e discutida dependendo do tema, da proposta, de como os debates fluírem;, explicou Jucá.

Força-tarefa

Os encontros de Bolsonaro com os presidentes partidários têm dedo do DEM. Nas últimas semanas, o partido se movimentou internamente para apagar o incêndio na relação entre o governo e o Congresso. A estratégia foi construída por meio de uma força-tarefa montada internamente a fim de melhorar o relacionamento entre Maia e Lorenzoni. A pessoas próximas, o presidente nacional do partido, ACM Neto, prefeito de Salvador, vem garantindo que a convivência entre os dois está melhor. E ontem sinalizou, inclusive, que há a possibilidade de o DEM fazer parte da base governista.

Embora não seja um relacionamento que os aproxime em âmbito pessoal, favorece o clima em nível profissional. Com a evolução no convívio, o DEM vem se movimentando nos bastidores do Congresso para instruir que assuntos relacionados ao Executivo sejam conversados com Lorenzoni, de modo a fortalecer a articulação do ministro dentro do governo, deixando que Maia cuide da agenda legislativa. É um processo para não interferir na interlocução de nenhum dos dois.

A prova do fortalecimento dado a Lorenzoni são as próprias reuniões de ontem. Ele foi o principal responsável pela construção da agenda. Não é para menos o esforço do DEM. O partido percebeu que o ministro vinha sendo preterido por bancadas partidárias, que optam por conversar com outros interlocutores do governo, como Santos Cruz e o ministro da Economia, Paulo Guedes. São movimentos adotados de olho na continuidade da expansão da legenda, nas eleições de 2020 e 2022. Entende que um ministro da Casa Civil forte atrai bons nomes para lançar em postos estratégicos nos próximos pleitos. Um ministro enfraquecido, não.

O fortalecimento do cacife político dos principais líderes do partido é favorável para puxar cabos eleitorais e candidatos fortes, em uma possibilidade de crescer na esteira do PSL. Onde o partido de Bolsonaro não conseguir emplacar ou não tiver um nome forte suficiente nas próximas eleições, o DEM estará presente. ACM Neto é só elogios a Lorenzoni. ;Ele vem demonstrando absoluta compreensão da necessidade de construir uma articulação política que permita o avanço da pauta do país;, disse. Lorenzoni articulou, inclusive, reuniões com mais cinco partidos na próxima semana, e mantém conversas para que as reuniões com os presidentes sejam mensais.

"Existe política que tem que ser construída com diálogo ao longo do tempo. E o presidente terminou concordando que o que vale é a ;boa; política;
Romero Jucá, presidente do MDB

Reforma com justiça social

Claro, a reforma da Previdência deu o tom das conversas de ontem. Segundo os líderes, as mudanças precisarão se concentrar em garantir justiça social, com corte de privilégios, e o ajuste fiscal. Foi o aviso do presidente do PSDB, Geraldo Alckmin. O tucano frisou que será preciso alterar alguns pontos para que a legenda apoie o texto. ;Idade mínima e tempo de transição. A reforma é muito complexa e detalhista. Não aprovaremos nenhum benefício menor que o salário mínimo. O nome já diz: é o mínimo. Nós somos contra o BPC, assim como a questão rural. Se há uma diferença na área urbana, precisa haver na rural;, destacou.

Especialistas acreditam em paz momentânea

Em uma live feita ontem, o presidente Jair Bolsonaro falou sobre o dia de reuniões e deixou claro que o toma lá dá cá não fez parte das conversas. ;Tratamos de questões partidárias, governabilidade e a nova Previdência. Ao contrário do que parte da mídia disse, em nenhum momento tratamos aqui de cargos. Eles (os líderes partidários) têm o perfeito entendimento de que querem colaborar não com o governo, mas com o Brasil;, discursou. Para especialistas, falta agora ver se as conversas serão colocadas em prática.

A análise é de que os congressistas darão um voto de confiança, mas com um pé na frente e outro atrás, como gatos escaldados desconfiados do que pode vir pela frente. Não é para menos. A declaração de Bolsonaro de que ;tem político que não quer largar a velha política; foi dada em 23 de março, menos de um mês depois da reunião com líderes de 18 partidos. ;Como em outros momentos, Bolsonaro deu sinalizações de que queria um bom diálogo e, depois, mudou o discurso dando patadas;, lembrou o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.

Ribeiro prevê uma trégua momentânea na relação entre o Executivo e o Legislativo. ;E isso não significa que apoiarão as pautas do governo logo de cara. Serão cautelosos;, analisou. Os líderes voltarão a ter fé no governo, mas, se Bolsonaro voltar a ser polêmico e agressivo no trato com os parlamentares, perderia de vez a confiança com os partidos.

Os presidentes nacionais são líderes que falam pelo partido e podem dialogar em nível institucional, se articulam o apoio ou não a determinadas pautas do governo, ressalta o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko Advice. Ele aconselha, no entanto, que o governo amplie o leque de articulação. ;Será preciso ter um diálogo com várias instâncias. Não somente com os presidentes, mas, também, com governadores, líderes e vice-líderes na Câmara e no Senado;, avaliou.

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