Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro abaixar o tom com presidentes e líderes partidários, ele ainda tenta encontrar a melhor sintonia com o Congresso. Ontem, em mais de uma ocasião, sinalizou que deve demitir o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, algo que agrada o Parlamento. Entretanto, errou na linguagem ao abordar o regime de capitalização, dizendo que ;não é essencial; e pode ficar para ;segundo tempo;. Líderes dizem que o tema é algo discutível ; e não é o Executivo que tem que dizer o que passa ou não, sem antes consultar o Legislativo. Cobram do chefe do Palácio do Planalto empenho em uma agenda positiva e que dialogue com a sociedade.
O recado disso é a decisão pelo fim do horário de verão. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, encomendou uma pesquisa interna que embasa a decisão do governo. O estudo aponta que 53% das pessoas é a favor do término. A decisão ainda tem o dedo de um parlamentar. O embasamento para decretar o fim do sistema de ajuste temporal foi tomado de acordo com um parecer do deputado João Campos (PRB-GO). A análise, que indica que o horário não oferece economia que justifique a adoção, foi submetida a Bento, que respaldou.
A decisão de Bolsonaro é um gesto importante para a maioria favorável ao fim da medida e ao Congresso. Afinal, tomar uma decisão sugerida por um parlamentar é uma forma de construir um bom relacionamento com o Legislativo. Embora não seja um líder partidário, Campos é um nome forte dentro do PRB, um dos partidos do Centrão. E, ainda que não fosse do bloco ou um parlamentar influente, o aceno é bem-visto como um governo disposto a propor uma gestão em sintonia com o Parlamento.
O presidente da República está ;pisando em ovos; na renovação do diálogo. Em cerimônia no Planalto, brincou dizendo que ;não nasceu para ser presidente. ;Nasci para ser militar;, disse. Com o gesto humilde, ele se mostra disposto a melhorar o diálogo. Ontem, falou com jornalistas pela manhã, em um café, e, depois, em duas ocasiões, no Planalto. Nas três ocasiões, manteve o jeito simples e com palavras de efeito, mas sem um tom agressivo e com união. ;O que a gente quer é mudar o Brasil e devemos respeitar a independência dos poderes. Não existe partido mais ou menos fiel. Para cada matéria a ser votada haverá um entendimento. Não haverá alinhamento automático;, destacou.
A possível demissão de Vélez é outro tema que não é malvisto no Congresso. Pelo contrário. O ministro se envolveu em tantas polêmicas que, para lideranças no Parlamento, a permanência é insustentável. Para o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO), já está ;maduro;. ;É uma pessoa boa, mas alguém que fala o que ninguém quer ouvir;, criticou. Nesta semana, o ministro disse que promoverá mudanças no conteúdo dos livros didáticos sobre o golpe militar de 1964. A ideia é informar que não houve golpe, e o regime militar não foi uma ditadura, mas, sim, um ;regime democrático de força;.
Não é só a pauta ideológica no ministério que irrita parlamentares. Para eles, a pasta está com a agenda paralisada, mergulhada em crises e demissões, e nada em políticas públicas. Bolsonaro ainda não definiu quem substituirá Vélez e nem garantiu que ele será demitido. Mas deixou a entender que a situação é crítica. ;Eu falei que estou com a aliança na mão direita, mas que, na segunda-feira, passo para esquerda ou é gaveta. É isso. Tem reclamações (em relação a ele) e estamos conversando já para ver se resolvemos o problema;, disse.
Racionalidade
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), primeiro vice-líder do governo no Senado, é um dos nomes cotados para substituir o ministro. Seria uma indicação da bancada cristã. Oficialmente, no entanto, ele ainda não recebeu nenhum convite. ;Estou na vida pública pela educação, mas essa é uma decisão exclusivamente do presidente;, ponderou. Mesmo na corda bamba, o ministro se recusa a abandonar o posto e fala que a solução para melhorar a gestão é ter ;racionalidade;. ;Estou no ministério e vou participar do fórum (evento em que esteve ontem). Não vou entregar o cargo;, disse.
Se a situação no ministério da Educação ainda não está resolvida, o mesmo não está na Secretaria de Comunicação (Secom), ligada à Secretaria de Governo da Presidência da República. Bolsonaro afirmou que o publicitário Floriano Amorim, ex-chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, será substituído pelo publicitário Fábio Wajngarten, que trabalhou na campanha do chefe do Palácio do Planalto.
Publicidade para reforma
A troca na Secom tem por objetivo melhorar a publicidade em torno da reforma da Previdência. Mas o governo ainda precisará debater melhor os pontos, como a própria capitalização. Para o deputado federal José Nelto, líder do Podemos na Câmara, não cabe ao presidente decidir se a discussão fica para segundo plano ou não. ;A capitalização pode seguir adiante, mas tem que dialogar. Tem que dar opção para o aposentado escolher entre esse regime ou o de repartição, além de estabelecer um piso mínimo, a contribuição dos patrões, e uma reforma para abrir o sistema financeiro;, ponderou.
Preocupação com a Apex
Manter o bom relacionamento entre o governo e o Congresso vai, inevitavelmente, exigir que o presidente Jair Bolsonaro acabe com o conflito dentro da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). O diretor executivo e presidente da empresa ligada ao Ministério das Relações Exteriores, Mário Vilalva, está em pé de guerra com a diretora de Negócios, Letícia Catelani. O fogo cruzado entre os dois preocupa congressistas, sobretudo do Senado, que temem pela demissão do diretor de Gestão Corporativa, Márcio Coimbra. É alguém com interlocução dentro do Congresso e próximo do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Por dois anos, foi estrategista político do parlamentar.
A guerra já dura quase dois meses, mas se intensificou nos últimos dias. Senadores observam o conflito com lupa e já se mobilizam para conversar com o governo e alertar para uma solução. Começou especificamente em 16 de fevereiro, quando Vilalva decidiu renovar um contrato que caducaria quatro dias depois, de R$ 10 milhões assinado com a agência de ativação de marketing Terruá, citada na Operação Lava-Jato. Catelani, por sua vez, se recusou a assinar.
Mais recentemente, Vilalva retirou o poder de contratação de Catelani e proibiu a admissão de Paulo Vilela, ex-candidato a deputado pelo PSL, para a gerência na diretoria de negócios. No Congresso, comenta-se que o presidente da empresa, embaixador de carreira, é protegido dos militares. Há três dias, a agência contratou como gerente da chefia de gabinete da empresa o general Roberto Escoto, comandante da invasão militar no Conjunto de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro, em 2014.
Entretanto, ele dá expediente há cerca de duas semanas. Em reuniões, exige que gerentes e demais convidados deixem o celular de fora da sala, o que sido um constrangimento dentro da empresa. O Congresso desconfia que os militares estão apoiando Vilalva por meio de Escoto, na tentativa de fortalecê-lo para que ele possa assumir o Itamaraty. A leitura feita por alguns é de que a cúpula militar, nacionalista, não gosta das relações comerciais feitas pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que tem se alinhado muito aos Estados Unidos.
Do outro lado do conflito há Catelani, indicada pelo próprio Bolsonaro após ter trabalhado com ele na campanha eleitoral. Sabendo disso e que os militares têm se fortalecido no governo, os parlamentares temem que a bomba estoure no lado de Coimbra. Questionado ontem em café sobre a disputa de poderes, Bolsonaro negou haver uma guerra entre ;olavetes; (em referência ao filósofo Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro) e militares. Parlamentares alertam, contudo, que Coimbra não foi indicação direta de Carvalho, mas, sim, do chefe do Itamaraty, e lembram que ele é do quadro técnico, com formação em Harvard e tem aval de congressistas, sobretudo de Alcolumbre.
;O Davi não vai aceitar bem que ele seja tragado em uma guerra que não é dele;, advertiu um senador próximo a Alcolumbre. A Apex, por sua vez, informa que Vilela não apresentou diploma de nível superior e que o presidente da agência possui competência exclusiva para decidir sobre contratação e demissão de pessoal.
Em nota, a Agência Terruá informou que nunca teve qualquer envolvimento com as investigações da operação Lava-Jato ou quaisquer outras operações policiais de qualquer tipo. "Assim como jamais teve contra si processos administrativos ou judiciais que desabonem sua conduta e profissionalismo", comunicou.
Segundo a nota, a decisão tomada pela Apex, em fevereiro, de não renovar o contrato de marketing promocional com a Agência Terruá, causou estranheza à empresa, que vinha trabalhando desde novembro do ano passado na criação e desenvolvimento de ações marcadas para acontecer em março e em abril nos Estados Unidos e Itália, respectivamente. "À luz dos fatos, fica claro que a decisão de ruptura foi resultado de uma questão política interna da Apex. Tanto no segmento público quanto no mercado privado, a imagem da Agência Terruá é fundamentada no compromisso com a transparência e a qualidade dos serviços prestados de Live Marketing, que inclusive renderam à agência prêmios nacionais e internacionais", acrescentou.