Plácido Fernandes
postado em 08/04/2019 06:00
Enfim, o bom senso: ao retirar da pauta desta semana a votação que poderia mudar o entendimento da mais alta corte de Justiça do país sobre prisão após condenação em segunda instância, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, deu importante contribuição para evitar o crescente desgaste do STF. Há quem avalie que a mudança de paradigma seria uma sentença de morte para a Lava-Jato, e uma grande vitória do Supremo, de Lula e do PT. A análise está absurdamente equivocada.
No caso de um retrocesso jurídico nessa questão, Lula poderia deixar a sala da PF onde cumpre pena em Curitiba. Mas os grandes beneficiados, de fato, seriam 160 mil presos que estão na mesma situação jurídica do petista e, principalmente, as grandes bancas de advocacia criminal que podem ser acionadas para tirá-los da cadeia. Os perdedores? Sobretudo a sociedade, que já não põe muita fé no Supremo e ficará ainda mais desacreditada do Judiciário. Afinal, como atestam pesquisas, a Lava-Jato é a única iniciativa de combate à corrupção que ainda goza de elevado apoio popular no país, sobretudo por colocar atrás das grades poderosos que sempre contaram com decisões de tribunais superiores para se manter impunes.
Agora, de volta ao cerne da questão: há, no STF, meia dúzia de magistrados que quer mudar o entendimento sobre quando deve ocorrer a prisão de um condenado. Para isso, dizem se basear no artigo 5;, inciso LVII, da Constituição, que dispõe: ;Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de ação penal condenatória;. Basta saber ler para entender o que está escrito.
Esses magistrados, contudo, apontam outro sentido no texto: ;Ninguém pode ser considerado ;culpado; até a palavra final do Supremo;, o que mudaria o conceito sobre presunção de inocência. Está escrito no inciso que é preciso a palavra final do STF para alguém ser considerado culpado? Claro que não! E por que não está? Simples: porque entre as atribuições do STF não consta a de julgar crimes de pessoas ;comuns;, apenas de privilegiados com foro especial, como deputados, senadores, ministros de Estado e presidente da República.
Se passar a prevalecer a vontade desses magistrados, a impunidade que existia antes da Lava-Jato voltará a vigorar com toda a força. Afinal, é improvável que o mundo inteiro esteja errado ao prender réus após a sentença transitar em julgado no segundo grau de jurisdição. Ora, a presunção de inocência de um réu acaba logo depois da primeira condenação. A partir daí, o que há é presunção de culpa. Tanto que há países, como a França e os Estados Unidos, em que a Justiça é ainda mais implacável: o cumprimento da pena se inicia logo na primeira instância.
Erroneamente, no Brasil, muita gente chama de ;cumprimento antecipado da pena; a prisão do réu após a condenação ter transitado em julgado na segunda instância. Não se trata de antecipação. É o correto. O ponto fora da curva voltará a ocorrer se houver retrocesso no STF. Antes, o réu cheio de dinheiro apelava a tribunais superiores, com recursos meramente protelatórios, até que a pena prescrevesse. Não ficava um dia na cadeia. Era essa a regra no país antes da Lava-Jato e da decisão do Supremo que pôs fim à impunidade. O país torce para que a impunidade não prevaleça.