Rodolfo Costa , Renato Souza
postado em 21/04/2019 08:00
A guerra aberta em razão da instauração de um inquérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por iniciativa do presidente da Corte, Dias Toffoli, que nomeou, sem sorteio, o ministro Alexandre de Moraes para a relatoria do caso, evidencia uma disputa por poder dentro do Judiciário. Os atritos, que começaram ainda no julgamento do mensalão, em 2007, ganharam força durante a Operação Lava-Jato. Agora, procuradores estão na mira da investigação que corre na Suprema Corte, acusados de vazamentos e ;ataques;, e fazem com que as controvérsias que envolvem a instância mais alta da Justiça ganhem um novo capítulo. No último momento, os ministros conseguiram reverter o desgaste. Pelo menos por ora.
Nos primeiros três meses deste ano, houve um nítido aumento de críticas dos integrantes da Lava-Jato em relação ao STF. O julgamento que permitiu o envio para a Justiça Eleitoral de crimes de corrupção conexos às eleições foi tratado como um ;ataque; que ;levaria ao fim da Lava-Jato; pelos integrantes do Ministério Público Federal (MPF). As vozes do órgão se levantaram mais uma vez para criticar o julgamento da constitucionalidade da prisão em segunda instância, que deveria ter ocorrido no último dia 10 no STF, mas foi adiado a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A professora Vera Chemim, mestre em direito administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em STF, afirma que existe uma disputa de protagonismo, estruturada por alguns ministros da Corte, que opõe os integrantes do Tribunal aos representantes da Lava-Jato em primeira instância. ;A operação é formada por equipes jovens, principalmente por parte de procuradores. São pessoas que abraçaram a bandeira do combate à corrupção; às vezes com excessos, outras vezes, não. Existe, neste momento, uma briga pelo poder, por protagonismo e para aparecer na mídia. Não pelo Supremo em si, mas por alguns de seus ministros;, afirma.
Vera destaca que o Supremo não deve usar o Regimento Interno do Tribunal para agir como achar que deve. Ela destaca que a derrubada da censura contra a revista Crusoé, que estava proibida de publicar uma reportagem que cita o ministro Dias Toffoli, representou um avanço, mas que o erro não foi corrigido. ;As regras internas da Corte têm força de lei, por normatizar o trabalho dos ministros. Mas não podem ser usadas para violar a Constituição. O ministro Alexandre de Moraes percebeu o erro que cometeu ao censurar a mídia. Mas faltou humildade para reconhecer a falha na decisão que autoriza a publicação das informações. Todo o Supremo sabe que esse inquérito em si está em desacordo com a Constituição. Mas o ego dos integrantes da Corte não permite que isso seja reconhecido de imediato;, afirma.
Embate
A crise atual entre a Suprema Corte e a força-tarefa da Lava-Jato foi moldada em 2017, após decisões do ministro Gilmar Mendes. Foi ali que começaram os principais embates entre a Suprema Corte e a força-tarefa da Lava-Jato, sobretudo no Rio de Janeiro, com a prisão do empresário Jacob Barata, em julho daquele ano. Padrinho de casamento da filha do magnata do setor de transportes, Beatriz Barata Filho, Gilmar o mandou soltar, iniciando uma leva de decisões polêmicas e controversas que desgastaram a imagem do ministro e recaiu sobre a própria Corte.
Em 2018, mesmo com veto ao habeas corpus para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o julgamento apertado, de seis a cinco colocou a Suprema Corte de vez em rota de colisão. A partir dali, outras solturas viriam a ocorrer e a intensificar o desgaste. Em março deste ano, se agravou com a decisão de mandar ações relacionadas à operação para a Justiça Eleitoral.
O embate entre procuradores e magistrados se intensificou. Os ataques contra ministros do Supremo foram o estopim para a abertura do inquérito que investiga até membros do MPF, sob pretexto de apurar supostas fake news contra a Corte. A suspensão da matéria publicada na Crusoé foi a cereja do bolo.
O futuro da interação entre as instituições que integram o Judiciário é nebuloso. As reações em relação ao inquérito que continua em andamento mobilizam o Legislativo. Nesta semana, deve ser protocolado um pedido de impeachment contra Toffoli e Alexandre de Moraes pelo senador Alessandro Vieira (PPS-SE). O ministro Marco Aurélio Mello, que deixa claro não concordar com o inquérito, acredita que as retaliações não devem avançar. ;Pedidos de impeachment sempre ocorrem. Inclusive sempre se fala na Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o Supremo. Mas essas coisas fazem parte do jogo democrático;, diz.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da minoria no Senado, torce para uma solução ágil. Para ele, o caminho é o julgamento da Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), protocolado pelo partido dele no STF para pôr fim ao inquérito aberto. ;Espero que esses acontecimentos sirvam de lição para os membros do STF, que tem ministros honoráveis e, mais do que honrados, admiráveis, como Barroso, Fachin, Marco Aurélio e até outros;, pondera.
A expectativa do senador também é para que os acontecimentos sirvam de razão material para que membros da Suprema Corte não tomem atos unilaterais que desrespeitem a ordem democrática e a Constituição. ;Não existe ninguém acima da lei na ordem jurídica, nem senador, nem presidente da República, nem membro do STF. Fica muito feio para quem interpreta a guarda a Constituição;, destaca.
"As operações do MP são formadas por equipes jovens, que abraçaram a andeira de combate à corrupção, às vezes com excesso;
Vera Chemim, mestre em direito administrativo pela FGV
"Espero que esses acontecimentos sirvam de lição para os embros do STF, que tem ministros honrados"
Randolfe Rodrigues, senador da República