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Cabral diz ter trocado favores com chefe do MP-RJ para enterrar investigação

Inquérito de um jantar realizado em Paris, em setembro de 2009, do qual participaram Cabral, alguns secretários, correligionários e empresários ficou conhecido como a 'farra dos guardanapos'

Agência Estado
postado em 03/05/2019 08:44
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB)O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB), que está preso desde 17 de novembro de 2016 e já foi condenado a mais de 198 anos de prisão, afirmou ter trocado favores com o então chefe do Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) para garantir o arquivamento da investigação sobre a "farra dos guardanapos". Sob esse nome, ficou conhecido um jantar realizado em Paris, em setembro de 2009, do qual participaram Cabral, então governador do Rio, alguns secretários e correligionários e empresários que mantinham contratos com o Estado. Vários foram fotografados com guardanapos na cabeça, daí a forma como o episódio ficou conhecido.

Cabral fez a afirmação durante depoimento prestado ao Ministério Público do Estado do Rio em 25 de abril, na penitenciária de Bangu, onde o ex-governador está preso. O depoimento, tomado durante investigação contra o ex-procurador geral de Justiça Cláudio Lopes, foi obtido pela emissora de TV por assinatura Globonews, que a divulgou nesta quinta-feira (2/5).

Cabral afirmou que à época conversou com o então procurador-geral de Justiça do Estado do Rio, Marfan Vieira Martins, sobre a nomeação do então promotor Sérgio Nogueira de Azeredo, então chefe de gabinete de Marfan, para o cargo de desembargador. Em troca, a investigação seria arquivada.

"O Marfan conversou comigo, disse: ;Olha, fique tranquilo, eu vou fazer uma gestão séria, limpa, eu sei do teu envolvimento com o Cláudio, eu sei do que o Cláudio é capaz de fazer em termos de constrangimento;. E aí eu nomeei o Marfan, talvez com um delay, uma demora mais do que eu havia feito três meses antes, no biênio do Marfan, e aí combinamos isso e o conselho arquivou", contou Cabral.

Questionado se Marfan condicionou o arquivamento à indicação de seu chefe de gabinete para a vaga de desembargador, o ex-governador respondeu: "Ah, isso ficou implícito, isso ficou implícito que; isso era fruto de um acordo. ;Vamos arquivar, o meu grupo vai votar com você e os votos do meu grupo não são suficientes para arquivar. É, procure o outro grupo;."

Esse outro grupo, segundo Cabral, era liderado pelo promotor Marcos Chut, que - diz o ex-governador - também queria ser nomeado desembargador.

"O Marfan me procurou e disse: ;Olha, nós estamos com problema no Conselho Superior. O Cláudio (Lopes, procurador anterior) não terminou o trabalho, ele deixou esse abacaxi aqui, nós temos que concluir. Eu não tenho votos suficientes para arquivar;. Primeiro, eu tranquilizei ele e disse: ;Doutor Marfan, o senhor fique tranquilo porque esse é um assunto que eu não tenho nada;. Então ele falou: ;Há quem queira prejudicar;. E aí traçamos um plano em que houve, inclusive, um combinado político, que eu fizesse o Serginho - assim chamávamos o chefe de gabinete dele, Marfan - abriria uma vaga de desembargador do Estado e que; a outra parte do grupo do Conselho Superior era liderada pelo Marcos Chut, por pessoas ligadas ao Marcos Chut. E aí o Marcos Chut tinha o desejo de ser candidato (a desembargador) e o Marfan me disse: ;Olha, eu não tenho como chegar a esse grupo, e o que eu tenho ouvido é que o Marcos Chut tem uma tendência a votar. O grupo lá; acho que você devia chamar o Marcos Chut pra uma conversa;", afirmou Cabral ao MP-RJ.

Cabral diz que chamou Chut para conversar. "Aí eu falei: ;Marcos, eu queria pedir o teu apoio e me comprometer com você, que a primeira vaga (de desembargador) vai ser do Serginho. Queria até pedir o teu grupo pra votar com o Serginho e você ir pra segunda vaga, que talvez não seja comigo, seja com o Pezão (Luiz Fernando Pezão, então vice-governador e que assumiria o cargo com a renúncia de Cabral). Eu vou chamar Pezão aqui pra ele assumir esse compromisso;. Aí fizemos uma reunião e foi assumido esse compromisso de que a primeira vaga seria do Serginho. Eu o nomeei, saí em 3 de abril de 2014, eu nomeei o Serginho".

O promotor Azeredo tomou posse como desembargador em março de 2015, e Marcos Chut dois meses depois, em maio do mesmo ano. Ambos foram eleitos para vagas do quinto constitucional, destinadas ao Ministério Público.

Respostas


A reportagem não conseguiu localizar os envolvidos por Cabral, na noite desta quinta-feira, 2. À Globonews, o ex-procurador geral de Justiça Marfan Vieira Martins afirmou que o arquivamento foi determinado por Cláudio Lopes. Isso teria ocorrido 14 dias depois da nomeação de Marfan, mas antes de sua posse - por isso, quem comandava o MP-RJ ainda era Lopes. Para Marfan, isso joga por terra "a falaciosa imputação de que a escolha de Marfan teria relação com o referido arquivamento".

"As imputações formuladas pelo ex-governador não coincidem com a cronologia dos fatos narrados e não merecem qualquer credibilidade. A acusação é leviana e atinge a honra e imagem do procurador Marfan Vieira", afirmou Marfan, em nota.

O desembargador Sérgio Azeredo disse que basta pesquisar na internet as datas e os fatos citados por Cabral para descobrir que não são verdadeiros. "De forma leviana e irresponsável, Cabral arvora-se agora em arauto da moralidade para fazer, impunemente, inúmeras afirmações mentirosas e imputações caluniosas, obviamente sem qualquer lastro probatório".

O desembargador Marcos Chut afirmou que o processo de escolha e sua posterior nomeação como desembargador transcorreram de forma regular e que repudia veementemente as declarações de Cabral.

Propina


No mesmo depoimento, segundo a Globonews, Cabral afirmou que pagou propina de R$ 150 mil a Claudio Lopes, que chefiou o Ministério Público antes de Marfan. Em troca, eventuais investigações do MP-RJ contra Cabral e seus aliados deveriam ser arquivadas.

"O compromisso era proteção total a mim e aos meus. Palavras dele (Lopes): ;Fique tranquilo que a proteção é a você e aos seus. Fique tranquilo porque aqui eu vou controlar tudo;. Tanto que houve um ruído quando ele se licenciou para ser candidato à reeleição em 2010 e houve uma investigação com o (então secretário de Saúde da gestão Cabral) Sérgio Côrtes, e ele ficou ali numa situação meio atabalhoada porque; Aí ele levou pra casa os processos, eu sei que ele foi lá me dar satisfação. ;Fique tranquilo porque tá tudo acomodado, tudo;".

A defesa de Lopes afirmou à Globonews que as declarações de Cabral não merecem credibilidade, porque ele já apresentou inúmeras versões para os mesmos fatos, inclusive em contradição ao que disseram outros acusados e testemunhas.

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