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Leia a íntegra das declarações de Lula em sua segunda entrevista na prisão

A entrevista com o ex-presidente Lula foi exibida na noite de sexta-feira pela rede de tevê britânica BBC

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 11/05/2019 09:26
Ex-presidente Lula
Na segunda entrevista que concedeu desde que foi preso, exibida pela rede britânica BBC na noite de sexta-feira (10/5), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a fazer críticas ao atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro, a quem chamou de "doente"; negou mais uma vez que o apartamento do Guarujá tenha sido dado a ele como forma de propina; e disse que lutará até o fim da vida para provar a inocência.

Em determinado momento, chegou a demonstrar arrependimento sobre a forma como se relacionou com sua sucessora, Dilma Rousseff ("Às vezes lamento de não ter sido mais incisivo para ela fazer algumas coisas"), e expôs a teoria, chamada de "controversa" pela BBC, de que as manifestações de 2013, que deram início a uma crise no governo Dilma e que levaram ao impeachment, não foram espontâneas, mas sim "parte da arquitetura política de tirar o PT do poder".

Leia a seguir a íntegra de todas as falas de Lula exibidas pela rede de tevê, organizadas por temas:

Bolsonaro

"Eu acho que ele tem um início de mandado extremamente desastroso. A impressão que eu tenho é que ele não sabe lé com cré."

"Ele acaba de fazer um decreto acabando com todos os conselhos populares, que foram criados a partir da Constituição de 88. Ele defende barbaramente um estado armado, um estado policialesco. Você não vê cidadão fazer um gesto, a não ser o gesto de atirar. Ele, na cabeça dele, acha que arma resolve o problema de todo mundo. Ele acaba de autorizar que fazendeiro utilize arma e pode atirar em quem quiser. É um doente. Acha que o problema do Brasil se resolve com arma. O problema do Brasil se resolve com livro, com escola."

"Ele corre atrás do filho para apagar um incêndio todo dia. Eu, sinceramente, não sei como funciona a família. Eu, como não conheço, não vou ficar dando palpite. Mas o que se apresenta publicamente é um negócio incontrolável. Obviamente, para o bem do Brasil, eu espero que ele aprenda."

"Se o Brasil quiser ser respeitado, o Brasil precisa cuidar de si. Não é com discurso, é com prática. Então, o seu Bolsonaro deveria, em vez de ficar falando bobagem, ele deveria falar o seguinte: ;Eu vou terminar esse mandato aqui sendo melhor que o Lula. Eu vou fazer mais universidade, eu vou investir mais em ciência e tecnologia, eu vou colocar mais criança na escola, eu vou fazer mais casa."

Dilma Rousseff

"Uma pessoa cheia de autoafirmação como a Dilma, na hora em que o carro começa a derrapar, nem sempre tem a tranquilidade de parar e parar e falar: ;Pera aí, vamos parar, vamos ouvir, vamos conversar;. Eu, por exemplo, nas minhas reuniões presidenciais, eu nunca comecei uma reunião falando. Se você é o presidente e você começa falando, acabou, ninguém mais falar. Ninguém vai falar para contrariar o presidente da República. Então tem estilos diferenciados. Eu às vezes lamento de não ter sido mais incisivo com a Dilma para ela fazer algumas coisas."

Forma de governar

"Eu resolvi governar o Brasil com esta filosofia: se cada pobre comer dois pãezinhos, tomar dois cafezinhos, comprar um sapato, uma camisa, uma calça, um tijolo a mais, a economia começa a funcionar."

"Tem duas formas de um país crescer. Uma é o mercado interno, você produzir para o consumo do seu povo. E a outra é você produzir para exportação. Para exportar, você tem uma dificuldade. O que acontece? Você precisa fazer um esforço incomensurável para vender. Você tem que bater palma na porta de cada país, tem que convencer os países. Eu viajava, levava empresário para tudo quanto é lugar para vender. Vendia sapato, vendia roupa, vendia tudo. E é por isso que nós demos um crescimento extraordinário."

"Eu penso que no Brasil nós temos um problema psicológico coletivo na elite brasileira, que é não suportar a ascensão das camadas mais pobres do Brasil. Incomoda. É triste, mas incomoda os pobres estarem ocupando as praças que eram dos ricos, os pobres estarem frequentando os restaurantes, os pobres estarem viajando nos aviões que eles viajavam, os pobres estarem, sabe, ocupando um espaço de ascensão social que estava previsto pela elite brasileira desde o fim da escravidão. É importante a gente lembrar pra dizer o número correto. Nesse período nós tínhamos tirado 36 milhões de pessoas da miséria absoluta e tínhamos levado 42 milhões de brasileiros para um padrão de consumo de classe média baixa. As pessoas passaram a gostar de si mesmas.

Olimpíadas e Copa do Mundo

"Toda vez que eu vejo alguém falar mal das Olimpíadas, eu queria lembrar o que aconteceu no dia em que foi anunciado o Rio de Janeiro no Brasil, o que aconteceu em Copacabana. Porque para o povo do Rio de Janeiro foi a festa mais extraordinária no dia em que a gente conquistou as Olimpíadas."

"Eu acho que foi uma oportunidade mal aproveitada pelo Brasil. O Brasil já estava tomado de ódio, já estava tomado de uma disputa insana. E isso prejudicou o país. Na verdade, a gente jogou fora essas duas oportunidades."

Manifestações de 2013

"Acho que até hoje nós não avaliamos corretamente o que aconteceu em 2013. Ninguém me convence de que aquilo foi porque a polícia de São Paulo bateu numa manifestação de 3 mil pessoas. Não acredito. Na minha opinião aquilo já fazia parte da arquitetura política de derrubar o governo, de tirar o PT do poder. Porque era uma manifestação muito contra o PT."
"Não estou negando a realidade. A verdade é que naquele tempo a economia não estava mal. É importante lembrar que a economia cresceu, eu acho, 1,9% ou 2% naquele ano."

Corrupção

"Eu acho que a corrupção tem um peso (sobre o desempenho econômico), mas não é um peso a ponto de atrapalhar o crescimento da economia do Brasil. O que atrapalha o desenvolvimento da economia do Brasil é que o Brasil nunca pensou efetivamente em se desenvolver. O Brasil se contentou em ser o que é: um país para 35 milhões, e o restante que seja número estatístico."

"É importante lembrar que todos os instrumentos de combate à corrupção nesse país foram feitos nos oito anos (de meu governo) e nos quatro (primeiros) anos de governo da Dilma. Tudo."

Tentativa de ser ministro de Dilma

"Eles achavam que eu evitaria o impeachment. Eu, conscientemente, não achava que era vantagem ter ido para o governo naquela altura dos acontecimentos. Ninguém entra no carro já em alta velocidade para tentar controlar o carro. Eu aceitei desde que a gente mudasse a política econômica. Se eu tivesse a preocupação de ser julgado, eu não estaria no Brasil. Eu estou aqui porque eu quero estar aqui."

"A minha reação ao grampo (divulgação feita por Moro de conversa telefônica entre Lula e Dilma) foi de que o Brasil estava fora de controle. O Brasil não tinha mais autoridade. Porque um juiz de primeira instância fazer todos os desatinos que o Moro fez. O Moro fornecia à imprensa informações em primeira mão, do jeito que ele entendia. A imprensa transformava a mentira do Moro em verdade e aí o cara já estava condenado. Por que você acha que eu decidi resistir?

Apartamento no Guarujá

"A Polícia Federal foi na minha casa, levantou meu colchão, abriu meu fogão, pra investigar minha casa. Sem nenhum critério. Eu nunca tinha sido convidado nem pra prestar depoimento"
"Esse apartamento (do Guarujá), esse maldito apartamento, se ele é meu, eles têm que ter um documento, eles têm que ter um contrato, um pagamento. Alguma coisa tem que ser mostrada. Não é possível que alguém possa dizer que um apartamento é meu se eu não comprei, não morei, não paguei, não tem escritura. Que negócio é meu?"

A única coisa que eu estou desafiando é que alguém tem que mostrar a prova. Acha que o cara que virou presidente da República, que tinha o status que eu tinha a nível mundial, que tinha o carinho que eu tinha a nível mundial, ia sujar a minha biografia por um maldito apartamento. Acha que eu ia fazer isso? Jogar fora um patrimônio construído? Se essa gente tivesse prova, essa gente me desmascarava.

Possibilidade de sair do país

"Havia muita gente que achava que (antes de ser preso) eu deveria sair do Brasil, muita gente que achava que eu deveria ir para uma embaixada. Eu decidi: eu vou ficar no meu país. É em Curitiba que eles me querem, eu vou pra lá. Por isso tomei minha decisão e estou muito tranquilo aqui."

Provar a inocência

"A única coisa que me interessa é minha inocência, e eu vou brigar por ela até o último dia de minha vida. Eu sou um homem que está muito tranquilo com minha consciência. Eu só tenho eu mesmo, esse povo maravilhoso que está aí fora (acampado em frente ao prédio onde ele está preso), para provar minha inocência. Quando eu provar minha inocência, eu posso morrer tranquilo."

Sérgio Moro

"Ele não nasceu para isso (a política). Ele nasceu para se esconder atrás de uma toga e ficar lendo o Código Penal. É pra isso que ele nasceu. Ele tem que se expor a debate. Eu, por exemplo, adoraria sair daqui e debater com o Moro sobre os crimes que cometi."

"Eu digo todo dia: eu não acredito que o Moro e os juízes que me julgaram durmam com a consciência tranquila com que eu durmo. Não acredito. Eu me preparo muito. Você me vê bravo assim, mas eu não tenho ódio não. Tenho muita tranquilidade, porque eu sei o que está acontecendo neste país e vou brigar para que os setores progressistas da sociedade voltem a governar este país. Não é possível a gente conviver com a quantidade de mentira com que a gente está convivendo."

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