postado em 23/05/2019 04:05
Mesmo com o clima ainda tenso entre o Palácio do Planalto e o Congresso, existe um discurso alinhado de integrantes do Executivo e do Legislativo em favor da aprovação da proposta da reforma da Previdência. Foi o que se viu ontem no seminário ;Por que a reforma é crucial para o futuro do país?;, promovido pelo Correio Braziliense e pelo Estado de Minas, e que contou com as participações do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
O evento contouainda com a presença de atores importantes no cenário político, empresarial e técnico, e o debate teve um nível elevado. Especialistas mostraram em planilhas a dramaticidade do cenário fiscal e a urgência dessa reforma que tramita na comissão especial da Câmara. Durante as apresentações, Guedes e Maia mostraram, em painéis diferentes, sintonia. E trocaram elogios. Ambos demonstraram estar empenhados em tirar a reforma do papel e demonstraram otimismo na aprovação.
O chefe da equipe econômica de Jair Bolsonaro sinalizou que, mesmo com alterações pontuais, a expectativa de economia esperada, de R$ 1,2 trilhão em 10 anos, deverá ser mantida. O ministro defende que esse valor é necessário para que o governo implemente o sistema de capitalização, ou o que ele agora chama de ;poupança garantida;, para os trabalhadores mais jovens. ;Estou absolutamente confiante na aprovação da reforma da Previdência;.
Maia, defensor da reforma, destacou que o salário elevado dos servidores empurrou o país apara esse desequilíbrio fiscal que exige a reforma da Previdência. Entretanto, reconheceu que será difícil manter os estados na reforma, apesar de continuar defendendo um sistema único. ;Não adianta resolver parte da doença do corpo, porque se deixar a outra parte doente, morre o corpo inteiro. A federação é um sistema;.
Pelos mais pobres
O ministro da Economia, Paulo Guedes, mostrou que tem fôlego para defender a reforma da Previdência. Tanto que falou por quase uma hora na abertura do seminário ;Por que a reforma é crucial para o futuro do país?;, realizado pelo Correio e pelo Estado de Minas, com o apoio da Confederação da Agricultura e a Pecuária do Brasil (CNA), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Durante a explanação, Guedes não poupou críticas aos opositores da reforma e reforçou que o atual sistema já é injusto para com os mais pobres. ;A Previdência atual é uma fábrica de privilégios. Tira dos menos favorecidos e transfere aos mais ricos. O que estamos querendo fazer é reduzir as desigualdades. E é evidente que o lobby contra a reforma está aqui em Brasília. Não é o Brasil;, afirma. Nesse sentido, ele defendeu que servidores públicos, incluindo políticos e juízes, também precisarão contribuir mais para a Previdência, e que isso não é confisco. Guedes ressaltou que eles precisarão trabalhar por mais tempo para se aposentarem, pois a idade média dos mais pobres é justamente a sugerida na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ; de 65 anos para homens e de 62 anos para as mulheres. A idade média de aposentadorias no funcionalismo é inferior a 50 anos.
Ao mostrar o desequilíbrio das contas públicas, o ministro reforçou o discurso de que o país gasta mal os recursos públicos, pois eles não foram devidamente empregados para o benefício da população nas últimas décadas. ;O governo virou um aparato de transferência de renda. O Orçamento público foi capturado pelas corporações públicas e também pelos piratas privados;. Guedes afirmou que está ;absolutamente confiante; de que a reforma da Previdência será aprovada pelo Congresso sem muitas alterações, porque a parte política ;fará a sua parte; e manterá o impacto em torno de R$ 1 trilhão em 10 anos. Segundo ele, esse valor é o combustível para o sistema de capitalização, que ele denominou de ;poupança garantida;.
Ele, inclusive, pediu ajuda da imprensa e denominou de ;fake news; as informações de que a reforma vai prejudicar os mais pobres e de que a capitalização no Chile fez as pessoas se suicidarem. ;O sistema de repartição causa mais suicídio no Brasil do que o de capitalização no Chile, e muito mais em Cuba. Essas são verdades que a mídia tem que filtrar, apurar e transmitir também;, aponta.
Questão fiscal
Para Guedes, sem resolver a questão fiscal, que passa pela reforma, o país não voltará a crescer, pois uma das maiores despesas de hoje é a Previdência, que custa R$ 750 bilhões por ano. ;Gastamos, hoje, mais com idosos do que com os nossos jovens;, criticou ele, lembrando que o orçamento da Educação é de R$ 70 bilhões, ou seja, 10 vezes menos do que os gastos com aposentadorias.
O ministro voltou a comparar o sistema de aposentadoria atual a um avião com várias bombas-relógio armadas, como a questão demográfica, os privilégios e o sistema de financiamento do regime de Previdência ; ;que mata o emprego; porque o custo de um trabalhador para o empregador é o dobro do salário que ele recebe. Além disso, ele lembrou que, cada vez mais, diminui o número de jovens que contribuem para pagar os benefícios dos idosos. ;O sistema está quebrado. Daqui a 40 anos serão dois jovens para cada idoso. Aí, o avião vai cair para nossos filhos e netos. Não poderemos seguir com essa ameaça;, alertou.
Guedes reforçou que o segundo passo do governo, após a reforma da Previdência, será privatizar, e os recursos serão destinados para reduzir a dívida pública. Ele voltou a lembrar que a conta de juros da dívida está, atualmente, em torno de R$ 400 bilhões por ano. ;Com as privatizações, vamos travar essa despesa, que é uma vergonha para o Brasil;, afirmou. O ministro ressaltou que o terceiro maior gasto do governo federal é a despesa com pessoal, que também será atacada, pois 40% dos servidores vão se aposentar nos próximos cinco anos. Nesse sentido, ele defendeu a redução da máquina pública, diminuindo o número de certames para novas contratações. ;Vamos travar os concursos. Vamos ter uma classe burocrática de mais qualidade, com menos gente mais bem paga e mais produtiva;, frisou.
Produtividade
;O Brasil é uma anomalia;. Com essas palavras, o economista Paulo Tafner buscou definir o país e a necessidade da reforma da Previdência, em outro painel do seminário do Correio. Na avaliação do especialista em Previdência e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo (USP), essa anomalia existe porque o país gasta muito, como um país rico, mas ainda é pobre e, nesse sentido, vai quebrar antes mesmo de ;cometer suicídio;.
;Estamos cada vez mais perto dos países mais pobres e insistimos em nos comportar como se ricos fôssemos;, alerta. De acordo com Tafner, esse quadro dramático das contas públicas existe porque as despesas com a Previdência crescem R$ 50 bilhões por ano, e o deficit das aposentadorias dos sistemas público e privado correspondem a 5% do PIB. Para piorar, o bônus demográfico está acabando ; termina em 2021, segundo ele. Esse período, iniciado nos anos 1960, é considerado áureo para qualquer economia, porque havia, desde então, muito mais gente trabalhando do que idosos e crianças.
Logo, isso ajudaria no aumento da produtividade do país, mas o Brasil desperdiçou a oportunidade. Ao longo da época do bônus, lembrou Tafner, foram adotadas medidas populistas desde os governos militares, e escolhas erradas acabaram sendo tomadas ao longo das últimas décadas. Agora, é preciso acelerar as reformas para não perder o restinho desse período. Para piorar, o processo de envelhecimento da população está mais acelerado no Brasil do que em outros países, seja na América Latina, seja na Europa, seja na Ásia.
;O Brasil escolheu ficar velho e pobre;, lamenta. Ao comparar com outros países que aproveitaram o bônus, conseguiram melhorar a produtividade e enriqueceram, como a Coreia do Sul, que tinha a renda per capita parecida com a do Brasil na década de 1970. Conforme dados apresentados por Tafner, o país será um dos 10 países com a população mais envelhecida do mundo no próximo século, mas não se preparou para esse cenário. ;Aproveitamos o bônus com os militares mais populistas, mas o fato é que o populismo custou pela crise de inflação (da década de 1980). A produtividade despencou e já perdemos o bônus. Ele andou e a produtividade não andou. O bônus acaba e sepultamos o caixão de forma definitiva;. (RH)