Politica

Bolsonaro aposta as fichas nas ruas

Manifestações marcadas para hoje são teste de força do presidente, que, mesmo de maneira intuitiva, tenta se voltar para a base em busca de apoios. Risco de desgaste com instituições e com o eleitorado está no cálculo de governistas e oposicionistas

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 26/05/2019 04:04
Bolsonaro: mesmo com a tentativa de se desvincular 
das manifestações, o carimbo do presidente estará nos atos

Jair Bolsonaro pode até nunca ter sido apresentado a Max Weber (1864-1920), mas, mesmo de maneira intuitiva, parece ter absorvido o conceito de ;democracia plebiscitária;, criada pelo sociólogo. As manifestações previstas para hoje, que têm a assinatura dos principais apoiadores do capitão reformado, são uma espécie de referendo dele mesmo e do governo. Assim como falava o pensador alemão, o presidente faz testes precoces para se sentir legitimado como homem de confiança das massas, tentando ser reconhecido como tal. É como se os manifestantes fossem reforçar o voto no líder contra o Congresso e o Supremo. Porém, os riscos são enormes.

O primeiro, e imediato, está num eventual fracasso relativo da manifestação ; há poucas dúvidas de que a mobilização nas redes está alta (leia reportagem na página 3), resta saber quantas pessoas vão aparecer. O segundo e o terceiro riscos podem se materializar mesmo se os protestos tomarem as ruas em favor de Bolsonaro. A questão é que os apoiadores podem estimular ainda mais o racha na base política entre parte dos parlamentares do PSL e do Centrão ; mais especificamente o pessoal do DEM, representados pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Por último, há o risco de um protagonismo de grupos mais radicais, que abram frentes a favor do fechamento do Congresso e do Supremo.

;Bolsonaro se movimenta de maneira intuitiva, mas é possível ver que ele tem receio de decepcionar os eleitores mais fiéis e passe a ser visto como um líder fraco por fazer acordos com os políticos tradicionais, de certa forma, é isso que o move neste momento;, diz Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB). ;Max Weber falava do risco da democracia sem lideranças, pois o sistema seria dominado pelos burocratas, pelo baixo clero. Isso, o presidente sacou, como também sacou o que representariam as manifestações de 2013.; A corda, porém, parece ter sido esticada antes do tempo. ;Aí se iniciou o jogo de quem pisca primeiro: Maia ou Bolsonaro;, afirma Kramer. A tensão está na capacidade do presidente em levar o povo à rua.

Desde os protestos de 15 de maio,que mobilizaram 170 cidades brasileiras e da carta anônima divulgada pelo próprio presidente dois dias depois ; onde podem ser lidos trechos como ;o país é ingovernável fora dos conchavos; ; que os aliados de Bolsonaro tentam reagir. E, assim, o presidente foi orientado pela entourage do Planalto a se afastar das manifestações. Mas a estratégia não tinha como dar certo, pois a mobilização começou a ser organizada depois da divulgação da carta divulgada de Bolsonaro e tem como principais apoiadores parlamentares do PSL, o partido do presidente. Assim, seja qual for o resultado de hoje e as consequências políticas do ato, tudo pode ser creditado na conta de Bolsonaro.


;Chapa branca;

A história brasileira tem alguns casos de protestos ;chapa branca;, estimulados pelos próprios presidentes para reforçarem apoios. Em 1945, ainda no Estado Novo, Getúlio Vargas acabou favorecido por manifestações favoráveis à permanência do político gaúcho no poder. Um dos casos mais emblemáticos foi o ;Comício da Central;, na Praça da República, no Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964. Cálculos feitos da época mostram que mais de 150 mil pessoas foram às ruas para ver o presidente João Goulart e o governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola. O contra-ataque da oposição chegou seis dias depois e se prolongou até 8 de junho daquele ano, com uma série de manifestações da ;Marcha da família com Deus pela liberdade;. Por último, há o fatídico caso do chamamento de Fernando Collor para as pessoas invadirem as ruas de verde e amarelo. Deu tudo errado ; o Brasil se vestiu de preto.

;Esses episódios estão inseridos em momentos de crises extremadas, quando os presidentes tentavam a rua como o último recurso;, diz Carlos Fico, um dos maiores historiadores do país, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Amigo do sociólogo Herbert de Souza (1935-1997), Fico lembra que a sugestão para as pessoas vestirem preto foi de Betinho. ;Ele mesmo ficou surpreso com a adesão das pessoas em usarem o preto.; Para o historiador, Bolsonaro cometeu um erro ao estimular e apoiar as manifestações de hoje. ;Ele não ganha nada, pois está no poder. O risco, aliás, é muito grande para ele. Foi uma grande bobagem, algo precipitado, com chances reais de reação das instituições e da própria oposição na rua, como ocorreu com as manifestações da Educação.;


"Bolsonaro se movimenta de maneira intuitiva, mas é possível ver que ele tem receio de decepcionar os eleitores mais fiéis e passe a ser visto como um líder fraco por fazer acordos com os políticos tradicionais;
Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB)


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