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A hora da sintonia fina

Desafio agora é preparar um texto substitutivo da Reforma da Previdência sem prejudicar muito a esperada potência fiscal pretendida pela equipe econômica e, ao mesmo tempo, não deixar a proposta dura demais a ponto de ser rejeitada no Congresso

postado em 02/06/2019 04:24
Para o relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), quem vai decidir o que fica e o que sai do texto são os líderes dos partidos na Câmara

A reforma da Previdência chegou a um ponto delicado na última semana. A poucos dias da divulgação do parecer, o relator, Samuel Moreira (PSDB-SP), precisa garantir que os cortes feitos no texto não minem a economia esperada com o projeto, nem sejam tão duros a ponto de inviabilizar a aprovação. Desde que o governo enviou as prometidas mudanças nas regras de aposentadoria e pensão, em 20 de fevereiro, o assunto tem consumido boa parte dos esforços dos deputados ; dos favoráveis, para emplacá-la, e dos da oposição, para barrá-la.

O primeiro grupo, por enquanto, tem vencido a disputa. A fase de audiências públicas na Comissão Especial terminou na última quinta-feira, depois de 13 sessões durante praticamente todo o mês de maio. O cronograma ainda não esbarrou em nenhum atraso ou discussão tensa, como aconteceu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em abril. ;Foi absolutamente dentro do esperado. O debate mostrou que é possível discutir uma matéria polêmica, com posicionamentos contraditórios acirrados, de forma respeitosa;, comemorou o presidente do colegiado, Marcelo Ramos (PL-AM).

Mas o jogo começa, de fato, agora, com a expectativa de apresentação do parecer. Esperado para até 15 de junho, com chances de que venha logo na próxima semana ou no início da seguinte, o texto que substituirá a PEC do governo deve ser lido em meio a ataques da oposição e de parte do Centrão. Os deputados sugeriram 277 emendas, sobre os mais diversos assuntos, de forma que é impossível agradar a todos. ;Ainda vou falar com líderes. São eles que vão decidir (o que fica no relatório);, disse ontem o relator, após reunião com técnicos do governo e do Congresso, no Ministério da Economia.

O presidente da comissão também reforçou que vai conversar com o governo e com a oposição, para garantir o andamento da PEC, mas disse que não tem ;a ilusão de que vai ser a tranquilidade que foi até agora;. Manter o diálogo com os deputados contrários à reforma é importante para preservar o ;clima de respeito;, mas não impede que eles tentem atrapalhar a tramitação. Com o fim do acordo para que não houvesse obstrução durante os debates, Ramos considera que deve ficar mais difícil avançar. ;Eles devem obstruir, mas faz parte;, comentou.

Estratégia

De fato, a oposição já adiantou que não ficará de braços cruzados enquanto o Centrão e o governo decidem o que será feito com a Previdência. Assim que o relatório for apresentado, os partidos de esquerda vão voltar à ativa com dezenas de questões de ordem e requerimentos para adiar a votação o máximo possível. O objetivo é empurrar a matéria para que chegue até o fim de junho sem ser pautada. Assim, dificilmente o texto será avaliado pelo plenário em julho e, com o recesso batendo à porta, ficaria só para o semestre seguinte, quando o governo precisaria retomar as conversas com as lideranças partidárias praticamente do zero.

As tentativas de obstrução devem ser ainda maiores nas próximas etapas do que as vistas na CCJ, que atrasaram o cronograma e deixaram o presidente Felipe Francischini (PSL-PR) irritado em algumas ocasiões. Para conseguir pautar o relatório do deputado delegado Marcelo Freitas (PSL-MG) pela admissibilidade da PEC, Francischini precisou colocar vários requerimentos em votação e ceder a palavra para dezenas de parlamentares. As sessões chegavam a durar mais de 10 horas.

Alguns deputados contam com esse tipo de estratégia para se desvencilhar de um assunto impopular como a Previdência. Mas a maioria, ciente da necessidade da reforma, prefere resolver logo o problema, para poder focar em outras pautas a partir de agosto, como a reforma tributária. O deputado Elmar Nascimento (BA), líder do DEM na Câmara, por exemplo, é favorável a suspender até o recesso, se a PEC não for votada dentro do prazo. ;Acho uma irresponsabilidade entrar em recesso com essa matéria pendente;, argumenta.

Francischini, titular da Comissão Especial, acredita que dá para votar antes do recesso, que começa oficialmente em 18 de julho, mas lembra que agora começa a fase mais complicada. ;Durante audiências, é mais tranquilo. Dificulta a partir da apresentação do parecer;, compara, com base na experiência de presidir a CCJ. Ele entende que, se o ambiente estiver favorável, os deputados votam tudo no prazo. Se não, qualquer desculpa serve para esvaziar o plenário.

Próximos passos

O relator precisa olhar não só para os colegas do colegiado, mas, com ainda mais cuidado, para o restante do Parlamento. Um parecer que agrade aos integrantes da comissão, mas não convença a maioria da Câmara, não tem como avançar. Os 25 votos favoráveis exigidos para aprovação na Comissão Especial, em apenas um turno, são muito mais fáceis de serem conquistados do que os 308 necessários duas vezes no plenário.

A exigência de apoio de três quintos da Casa explica a necessidade de diálogo com os partidos, mesmo que nem todos sejam essenciais na fase atual. Mais para a frente, todo voto vai fazer diferença. O medo dos defensores da reforma é de perder a oportunidade, como aconteceu com a PEC do ex-presidente Michel Temer, engavetada por falta de votos, depois de passar na CCJ e na Comissão Especial.

O cientista político e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Creomar de Souza considera difícil que, desta vez, nada seja aprovado. A dúvida é qual será o tamanho da reforma ao fim das negociações. ;O governo puxa a corda de um lado, para que sejam maior possível, e os contrários puxam para desidratar. A questão é o relator saber, ao mudar o texto, quais são os cortes que rendem votos;, diz.

Com essa construção, nas próximas duas semanas, a reforma real virá à tona ; não mais a sonhada pelo governo ou a esperada pelo mercado financeiro. Embora o relator tenha como objetivo manter a economia trilionária, os deputados não estão convencidos da necessidade de que o ganho seja tão alto. Para eles, é melhor aprovar uma reforma que seja sustentável do que pautar uma ;megalomaníaca; que não vai passar.

Impacto

A proposta substitutiva apresentada na semana passada pelo PL (antigo PR), legenda do Centrão, traz um impacto fiscal entre R$ 600 bilhões e R$ 800 bilhões. Elmar Nascimento assinou a emenda, mas discorda de alguns pontos, como o gatilho para recriar um tributo nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). ;Estamos aguardando o pré-parecer, que ainda poderá ser modificado;, comentou.

O líder do DEM acredita que será possível manter uma economia de R$ 1 trilhão, mas não vê grandes problemas se cair para algo em torno de R$ 800 bilhões. O presidente do colegiado, Marcelo Ramos, tem expectativa parecida. ;Depois de analisar o texto do partido, achei bem razoável. Dá para aproveitar muita coisa, como a capitalização em três pilares, que não tem o custo de transição bilionário que a proposta do governo tem;, defende.

No radar

A reforma ainda está na metade do caminho, mas o Congresso já sinaliza que tem uma agenda econômica mais ampla. No fim do mês passado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se encontrou com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e com alguns deputados, para conversar sobre uma pauta de austeridade paralela à reforma. Maia tem reforçado que as preocupações vão além da Previdência.

A equipe econômica entregou a deputados novatos de partidos como PSB, PDT, PV, Novo e DEM uma lista de 30 projetos. Em comum, Guedes e Maia defendem a criação do gatilho automático para austeridade e mudanças na Lei de Greve, entre outros. Na ocasião, o ministro defendeu também a PEC do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) que cria um gatilho automático de austeridade se houver risco de descumprimento da regra de ouro.






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