Politica

Cabe uma frente parlamentar?

Nunca o parlamento brasileiro criou tantos grupos para discutir assuntos específicos como na atual legislatura. Segundo especialistas, número elevado pode enfraquecer atuação

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 03/06/2019 04:04
Só nos primeiros meses deste ano, 169 divisões temáticas haviam sido instaladas no Legislativo. Renovação política explica aumento




Regulamentadas desde 2005, as frentes parlamentares não param de crescer. Em 2019, até a data de publicação desta reportagem, 169 haviam sido instaladas com os mais diversos temas. Um levantamento feito pelo Correio mostra que o número das surgidas este ano é maior do que a soma das instauradas nas 52; e 53; legislaturas ; que correspondem ao período de 2003 a 2007 e de 2007 até 2011, respectivamente (Veja quadro). Especialistas avaliam que, apesar da quantidade de grupos de debates, a atuação efetiva e o poder institucional deles ainda são baixos. Parlamentares observam o crescimento, mas defendem as frentes como um espaço para o debate intensificado de um assunto mais específico.

Para o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Arnaldo Mauerberg Junior, os números, de fato, chamam a atenção. ;A gente nota uma discrepância desde a legislação passada, na qual vemos um número alto, de 344 frentes de 2015 a 2019. Este ano, porém, até o início de maio, já tínhamos 137;, observa. Mauerberg acredita que a nova composição e a renovação da Câmara podem ter relação com o número elevado.

;Com a nova composição do Congresso, temos uma renovação grande de parlamentares que entram querendo mostrar serviço. Eles estão chegando na Câmara, não têm familiaridade com deputados antigos; então, talvez a criação de frentes parlamentares seja para mostrar aos eleitores o trabalho de uma forma imediata;, argumenta. A nova legislatura é marcada por um dos maiores índices de renovação desde a redemocratização. Na Câmara, a taxa é de 52%: são 243 deputados de primeiro mandato.

Sérgio Praça, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda com Mauerberg. ;São números muito altos, que fazem crer que as frentes não têm importância;, analisa. Praça acredita que é uma maneira de sinalizar preocupações, mas alerta para o concreto poder das frentes. ;São poucas que conseguem vetar assuntos e matérias, como a ruralista e a evangélica, por exemplo;, considera. Mauerberg explica que o poder da maioria delas é baixo porque a mudança da legislação ainda depende do relacionamento dos deputados com as lideranças partidárias e com os presidentes e vice-presidentes das comissões da Casa.

A negociação com o Congresso por meio das frentes foi defendida por Bolsonaro desde a campanha presidencial. ;Certo protagonismo era esperado, mas o regimento interno ainda é o mesmo. Mesmo com o holofote que ganharam, o poder institucional das frentes continua muito baixo. Do ponto de vista prático, provavelmente não vão resultar em alguma coisa;, diz Mauerberg.

Opinião interna
A deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC) é presidente da Frente Parlamentar da Saúde e confirma que o número de grupos foi ampliado, mas explica que o resultado prático depende do nível de atuação de cada um. ;Não tem poder deliberativo porque não tem estrutura de apoio técnico, de secretariado, como ocorre com uma comissão da Casa, mas a frente tem o papel de agregar um coletivo de deputados em torno de um tema;, avalia. As discussões vão desde temas mais amplos, como saúde e segurança pública, a assuntos específicos, como a conclusão da BR-470, o apoio ao potássio brasileiro ou o homeschooling. É possível observar ainda o mesmo tema sendo debatido por dois grupos de parlamentares. É o caso da saúde e dos direitos dos animais.

O deputado federal Bibo Nunes, vice-líder do PSL e presidente de Frente Parlamentar da Prevenção e Combate ao Câncer Infantil, acredita que o alto número pode desmoralizar os grupos. ;Acho esse número um absurdo. Tem frente de tudo: frente da pipoca salgada, da pipoca doce;, ironizou o deputado de primeiro mandato. ;Não é nem pelos números que elas ficam desmoralizadas, é pela falta de fundamento de alguns temas;, completa.

Bibo sugere que a quantidade de assinaturas para a criação de uma frente seja maior. ;Tudo o que é demais fica saturado e gera um descrédito. Tem que haver mais assinatura para valer uma frente;, propõe. Carmem defende que seja feita uma revisão da resolução dos grupos, para que eles sejam aprimorados. ;Como já faz todo esse tempo que elas foram regulamentadas, acho que cabe a gente discutir a melhoria dessa resolução;, afirma.


O crescimento

Veja a comparação entre os números de frentes parlamentares nas últimas legislaturas

- 52; Legislatura (2003-2007): 113 frentes / 50 no primeiro ano

- 53; Legislatura (2007-2011): 99 frentes / 49 no primeiro ano

- 54; Legislatura (2011-2015): 214 frentes / 120 no primeiro ano

- 55; Legislatura (2015-2019): 344 frentes / 215 no primeiro ano

- 56; Legislatura (2019-2023): 169 frentes nos primeiros cinco meses



As atuais
Confira os temas e o número de deputados das atuais frentes

Tema Quantidade

Saúde 26

Relações internacionais 7

Segurança pública 10

Meio Ambiente e energia 16

Cultura 8

Direitos humanos 12

Educação 11

Economia 12

Política e administração pública 9

Agropecuária 8

Outros 50

Total 169




;Mesmo com o holofote que ganharam, o poder institucional das frentes continua muito baixo.
Do ponto de vista prático, elas provavelmente não vão resultar em alguma coisa;
Arnaldo Mauerberg Junior, professor do Instituto de Ciência Política da UnB

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