postado em 10/06/2019 04:03
Em 2017, 34,3 mil pessoas morreram em decorrência de acidentes em vias e rodovias. Os dados são do Sistema Único de Saúde (SUS). No período, o sistema registrou 181,1 mil internações, e os gastos com saúde ficaram em R$ 252,7 milhões. O Atlas da Violência de 2019 aponta 72% dos assassinatos por arma de fogo. Informações como essas e outras estão à disposição do governo. Porém, o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros insistem em não olhar os números na hora de fazer política. Alguns consideram inclusive que eles fazem troça de levantamentos e estudos científicos para atender o eleitorado, esquecendo-se do Brasil, como afirma o cientista político da Fundação Getulio Vargas, Eduardo Grin.
A forte identificação com os grupos que o elegeram deixa o presidente da República no limiar de legislar em causa própria. Para especialistas e parlamentares ouvidos pelo Correio, para entender os riscos, esse estilo custará o retrocesso do país em diversos setores.
Os dados de 2017 em relação aos acidentes de trânsito e o de internações a cargo do SUS pouco mudaram desde então. E dobrar o número de pontos na CNH, beneficiando infratores, e afrouxar leis de trânsito, por exemplo, em relação ao uso da cadeirinha ; acessório que reduz em 60% a mortalidade de crianças em colisões ; arriscam aumentar essas estatísticas. Além disso, é exatamente o oposto do que a Espanha fez e que levou o país a reduzir a mortalidade nas estradas em 82%.
Na segurança pública, setor que ajudou o presidente a impulsionar a popularidade na campanha, o negacionismo se repete. O Atlas da Violência de 2019, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que, em 2017, 65,6 mil pessoas foram assassinadas no país. Dessas, 47,5 mil, pouco mais de 72%, são vítimas de arma de fogo. A maior marca já registrada. Com o relaxamento no acesso a armas, os estudiosos consideram que a tendência é de índices mais altos nesse quesito.
No meio ambiente, as medidas do ministro Ricardo Salles também dão sinais de prejuízo. As ações do governo culminaram no enfraquecimento do Ibama e na desfiguração do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que perdeu diversas vagas, inclusive de cientistas e estudiosos. Um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia aponta que a região perdeu 2,1 mil km; de floresta entre agosto de 2018 e abril último, 20% a mais que no período anterior. Não é possível afirmar que esse aumento se deu porque o governo afrouxou seus mecanismos de controle, mas o dado preocupa especialistas.
O bloqueio de recursos na educação, primeiro associado à ;ideologia de esquerda; e, depois, à crise econômica, por sua vez, promete uma geração de alunos com problemas ainda maiores que os que o ensino público já vem sofrendo no correr dos anos. O Ministério da Educação, sob as ordens de Abraham Weintraub, também atua em dissonância com países como Israel, Finlândia e Coreia do Sul, que conseguiram mudar a realidade justamente investindo no setor.
Para Eduardo Grin, da FGV, Bolsonaro faz um governo de transição não para construir, mas para desconstruir políticas públicas. ;Não haveria problema se fossem políticas ineficazes. Mas ele ataca o que vem sendo conquistado a duras penas, como o Estatuto do Desarmamento, as políticas ambientais e o futuro das gerações. A gente pode imaginar que o resultado dessa caminhada é muito mais negativo que positivo;, avalia. O estudioso alerta que, ao se aproximar dessa forma da base eleitoral, o presidente deixa de lado o restante da população. ;Ele não está olhando para a sociedade, mas para grupos de eleitores. Quando fala da posse de arma, é a turma da segurança pública, que quer um modelo americanizado. Pontos na CNH, com caminhoneiros. Redução da verba da educação, com o núcleo duro do bolsonarismo, do marxismo cultural. E meio ambiente, é o pessoal do agrobusiness. Bolsonaro deixa de lado milhões que compõem a sociedade e que querem segurança, um alento no futuro;, ressalta.
Perigo
O presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho, comenta que dobrar de 20 para 40 o número de pontos que levam um motorista a perder a habilitação só beneficiará infratores contumazes, que representam menos de 5% dos condutores. ;Hoje, o código de trânsito já prevê um curso preventivo para motoristas profissionais que chegarem a 14 pontos na carteira, caso eles queriam zerar seus pontos. Na prática, hoje, os que fazem o curso e têm os pontos zerados podem acumular mais 20 antes de perder a carteira. Logo, são 34 pontos. Agora, se o motorista fizer o curso, poderá chegar a 54 pontos. Vai ser necessário aumentar muito a fiscalização para compensar esse incremento;, lembra. ;Os gastos com acidentes também aumentam o deficit da Previdência, por conta dos sobreviventes que sofreram sequelas;, completa.
O texto do projeto de lei que muda o Código Nacional de Trânsito foi entregue ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada. Além de dobrar o número de pontos para um motorista perder a carteira, propõe, por exemplo, que pais flagrados com o filho pequeno no banco de trás sem cadeirinha não respondam mais por infração gravíssima (com multa de R$ 293,47); que se aumente o tempo de renovação da carteira para 10 anos; e, ainda, o fim do exame toxicológico para motoristas profissionais.
Ramalho considera que seria mais produtivo se o governo investisse em educação, inclusive nas escolas. ;Hoje, estamos fabricando prego torto. Colocamos nas ruas motoristas despreparados e, depois, precisamos de campanhas corretivas;, critica. Ativista no trânsito, Renata Ribeiro Aragão perdeu o filho, o ciclista Raul Aragão, atropelado. O motorista trafegava a 95km/h em uma via de 60km/h. ;Me senti agredida (com o projeto de lei). Já vivemos uma epidemia de mortes no trânsito e, para cada um morto, são pelo menos quatro sequelados. A maioria das mortes ocorre por imprudência. É um estímulo a cometer mais infrações, o que levará a mais mortes;, desabafa.
Prejuízo
Se as questões do trânsito provocam fortes reações em território nacional, as relacionadas ao meio ambiente são as que mais repercutem lá fora. ;O mundo inteiro está em outra direção. A própria China está se tornando o país que mais planta árvores no mundo. Está mudando a matriz energética para energia solar. Tenho conversado com embaixadas e eles estão alarmados;, alerta o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputado Rodrigo Agostinho (PSB). ;Estamos num retrocesso se compararmos com os avanços que o Brasil vinha trilhando a partir da década de 1980;,diz Aninho Irachande Mucundramo, doutor em política e gestão ambiental e desenvolvimento pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB.
"Ele não está olhando para a sociedade, mas para grupos de eleitores;
Eduardo Grin, cientista político da Fundação Getulio Vargas
181,1 mil
Número de internações registradas pelo SUS decorrentes de acidentes de trânsito