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Politica

Embate à vista com o Executivo

Decisões sobre questões sensíveis ao governo podem elevar tensão entre o Supremo Tribunal Federal e o Planalto no segundo semestre. Há precisão de que temas como a descriminalização de drogas para uso pessoal e habeas corpus de Lula voltem à pauta

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cadeia faz com que a Corte encerre o primeiro semestre em clima ameno com o Poder Executivo, depois de uma série de embates travados ao longo dos últimos meses. No entanto, o choque de posicionamentos deve ganhar força após o recesso do Poder Judiciário. Assim que voltar à rotina, em agosto, o caso do ex-presidente deve retornar à pauta da Segunda Turma do STF. Desta vez, com chances de ser enviado ao plenário do Tribunal e com potencial de gerar uma decisão com diversos precedentes que vão nortear as demais instâncias do Poder Judiciário e interferir em casos da Operação Lava-Jato.

Além desse assunto, considerado o mais espinhoso pelos ministros, outros que contrariam interesses e declarações do presidente Jair Bolsonaro estão na agenda da Corte. Um dos temas que devem gerar forte reação, tanto no governo quanto no Congresso, se refere à descriminalização de drogas para o consumo pessoal, que deve ser avaliado na sessão de 6 de novembro, conforme o calendário divulgado pela presidência do Supremo. O assunto começou a ser abordado em 2015, quando três dos 11 ministros se manifestaram. O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou a favor da descriminalização de todos os tipos de drogas para uso pessoal.

Gilmar anulou, em seu voto, o artigo 128 da Lei de Drogas. Em seguida, votaram Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que também se manifestaram a favor da descriminalização, mas apenas para a maconha. Na ocasião, o ministro Teori Zavascki (falecido) pediu mais tempo para avaliar o caso. Ele foi substituído por Alexandre de Moraes, que devolveu o processo para julgamento no fim do ano passado. O encarceramento por porte de drogas é criticado por juristas e especialistas, por ser um dos grandes motivos da superlotação das prisões em todo o país.

Outro assunto que atrai as atenções do governo é a análise sobre a tabela do frete para caminhoneiros. Ações apresentadas à Corte questionam medida provisória editada pelo ex-presidente Michel Temer, já convertida em lei, que institui a tabela com preços mínimos para o frete rodoviário. Os autores questionam se a iniciativa do Executivo não viola o princípio da livre concorrência e do livre mercado. O governo teme que, se a tabela for derrubada, um novo movimento de greve dos caminhoneiros seja desencadeado no país.

Homofobia
O auge dos embates entre o STF e o Executivo ocorreu com a criminalização da homofobia, em 13 de junho. O presidente Jair Bolsonaro fez críticas diretas à Corte. Isso depois de tentar, sem sucesso, a realização de um acordo para que os Três Poderes atuem em prol de uma agenda única pelo país. ;A decisão do Supremo, com todo o respeito que tenho aos ministros, foi completamente equivocada. Além de legislar, está aprofundando a luta de classes cada vez mais. No meu entender, não poderia ter esse tipo de penalidade. A penalidade, se você ofender uma pessoa, der uma facada, der um tiro só porque é gay, tem que ser agravada e ponto final;, disse o presidente na ocasião.

Em seguida, o presidente sugeriu a indicação de um ministro evangélico para a Corte. No próximo ano, com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello, uma vaga será aberta no colegiado do Supremo. O cientista político Aninho Irachande Mucundramo, professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (UnB), afirma que, no sistema político brasileiro, o presidente tem diversas ferramentas que podem ser usadas para interferir nos trabalhos do Poder Judiciário. ;A independência entre os Poderes existe para garantir um controle de excessos, um contrapeso. Em democracias com esse sistema, é comum ter divergências. No entanto, o Brasil atual tem um chefe de Executivo que demonstrou pouca inclinação à preservação do ambiente de independência entre os Poderes. A prova disso é acusar o Judiciário de Legislar, ao mesmo tempo em que usa decretos para alterar, por exemplo, o Estatuto do Desarmamento;, disse.

Para o professor, as relações entre os Poderes devem sofrer um abalo nos próximos meses e anos. ;A tendência é que esses embates tenham mais frequência. E o Executivo tem poder para influir nos trabalhos do Supremo. O presidente deu declarações sobre a composição do Judiciário. Ele citou a inclinação religiosa, não a qualidade, além de fazer declarações abertas sobre assuntos que o Judiciário está avaliando;, disse.

Pedido de Liberdade
Apesar de já ter negado um pedido de liberdade para o ex-presidente Lula, o Supremo terá que se debruçar sobre o caso do ex-presidente assim que voltar do recesso do Judiciário. Um segundo habeas corpus está pendente de julgamento na Segunda Turma. Existe a possibilidade de que o assunto seja enviado ao plenário, para que os 11 ministros avaliem se provas de origem ilícita podem ser usadas em uma ação penal. Conversas vazadas pelo site The Intercept entre o ministro Sérgio Moro, ex-juiz da Lava-Jato, e o coordenador da operação no Paraná, Deltan Dallagnol, foram citadas no pedido de soltura pela defesa de Lula.

No entanto, o Ministério Público Federal no Paraná afirma que os arquivos podem ter sido interceptados por um hacker. Ainda não existe um entendimento sobre o tema no Brasil. Mas esse tipo de situação ganhou evidência com o caso do petista. Ainda não tem data marcada para julgamento. No entanto, como o réu está preso, o recurso tem prioridade na tramitação. Integrantes do Poder Executivo são claramente contra a liberação do ex-presidente. O próprio presidente Jair Bolsonaro se posicionou sobre o assunto em algumas ocasiões.





Atrito
Atos e temas julgados pelo Supremo encontram resistência no Executivo e geram conflitos e trocas de acusações entre os Poderes


Pautas polêmicas 2; semestre
; Descriminalização do uso de drogas
; Tabela de preços do frete
; Redução de salário dos servidores
; Prisão em 2; instância
; HC do ex-presidente Lula



STF em 2019

63
sessões plenárias

1.615
processos julgados

6.280
julgados nas turmas