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Opinião: De juiz a julgado

''Nesta quinta-feira, estivemos no gabinete do agora ministro por cerca de uma hora. Falamos depois por telefone para complementar a entrevista. Em um dos momentos mais críticos para ele, no centro de um furacão revolto, Moro falou ao Correio''

Ana Dubeux
postado em 07/07/2019 09:57

Sergio Moro

Desde o início da Operação Lava-Jato, tentamos falar com Sérgio Moro. Há exatos quatro anos e meio, começou nossa corrida de obstáculos para entrevistar uma das personalidades mais emblemáticas da vida pública brasileira. Falamos uma vez por telefone, mandamos recados diversos e fizemos muitos pedidos oficiais de entrevista. Demorou, mas a insistência é a irmã chatinha do jornalista. Desistir nunca foi opção.

Nesta quinta-feira, estivemos no gabinete do agora ministro por cerca de uma hora. Falamos depois por telefone para complementar a entrevista. Em um dos momentos mais críticos para ele, no centro de um furacão revolto, Moro falou ao Correio. Eu, Ana Maria Campos, Denise Rothenburg e Leonardo Cavalcanti estivemos na sala abarrotada de documentos para ouvir o ministro da Justiça sobre o vazamento de mensagens a respeito da força-tarefa da Lava-Jato.

Em 70 minutos de conversa, nos dois momentos, Moro atribuiu o caso a um revanchismo combinado com a tentativa de anular condenações e impedir novas investigações. Disse que não pode assegurar a autenticidade dos diálogos, que também podem estar adulterados ou descontextualizados, mas admitiu ter trocado mensagens e não vê inconveniência nelas.

Ele afirma ; e todo mundo sabe ; que a Lava-Jato contrariou interesses, esquemas corruptos, pessoas poderosas. Não se lidera uma operação como essa sem enfrentar a ira e toda a capacidade de reação de poderosos que tiveram interesses contrariados. Sérgio Moro, que abriu mão do cargo de juiz para se tornar ministro da Justiça, é a figura mais popular do governo, mas, desde a divulgação das mensagens, está sob ataque. Mesmo sem reconhecer a autenticidade dos diálogos a ele atribuídos, virou vidraça, é alvo de um julgamento público que mexe com toda a população.

Nas manifestações pró-governo Bolsonaro, um boneco inflável de Moro apareceu como Super-Homem na frente do Congresso. ;Eu sempre refutei esse rótulo de herói ou de protagonista principal. Sempre destaquei que o mais relevante da Lava-Jato é a verificação de um amadurecimento das instituições;, diz. Mas, na prática, ele talvez seja o único brasileiro a abrigar em si os dois rótulos: o de herói e o de anti-herói, a depender da crença ideológica de cada um. Goste ou não dele, Moro mexeu num espinheiro que ninguém ousava mexer: a punição de criminosos do colarinho branco, até então intocáveis. Sobrou para meio mundo e, agora, também para ele.

Moro não pensa em desistir do cargo. Largou a toga com um propósito, e quer permanecer firme nele. Sabe, no entanto, que as pressões podem contrariar seus planos. Se o pior acontecer, ele tem seu refúgio: ;Eu iria fazer que nem o Luke Skywalker. Sumiria por 20 anos e voltaria no episódio 8.; Ou seja, se tiver ida, também terá volta ; ainda que demore. A Lava-Jato está longe de terminar, e Sérgio Moro segue como protagonista.

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