postado em 19/07/2019 04:04
O governo se preparou, ao longo do dia de ontem, para anunciar, na cerimônia alusiva aos 200 dias de gestão, um robusto pacote envolvendo injeção de dinheiro na economia e aquecimento da demanda via liberação de saques de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep (leia reportagem na página ao lado). No entanto, brecado pela Caixa Econômica Federal ; que justificou não ter havido tempo hábil de preparação para os anúncios ; e pelo setor da construção civil, contrário à medida, sobrou para o presidente Jair Bolsonaro fazer a defesa pessoal de seu governo e sinalizar interesse na reeleição. ;Nós temos um desafio pela frente. Entregar em 2023 ou em 2027 um Brasil melhor para quem nos suceder. Mas isso requer sacrifícios de todos nós, sem exceção. Nós podemos mudar o futuro do Brasil. Nós podemos sair da teoria para a prática;, sustentou em seu discurso.
Antes de Bolsonaro, quem falou no evento foi o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com declarações consideradas como uma sacolejada no chefe do Planalto. O parlamentar pregou o fortalecimento das instituições e dos Três Poderes. ;Só com essas instituições fortes, nós poderemos, de fato, dizer que vivemos numa democracia consolidada;, frisou. Ele ressaltou que o Congresso teve a maior produção legislativa dos últimos 25 anos, e afirmou que todos buscam ;acertar mais do que errar, todos os dias;. ;Muitas vezes, cometemos equívocos. Que tenhamos possibilidade de acertar, errar e corrigir, e não errar mais.;
A resposta não tardou. Emocionado, Bolsonaro citou que a cadeira presidencial é de ;criptonita;, em referência à disputa de poder no país, que, para ele, ocorre ;até dentro de casa;. Ele ressaltou que o governo busca fazer o melhor. ;É difícil? É. Estamos vencendo paradigmas. São seis meses sem uma acusação de corrupção no governo. Para os críticos, não basta. É obrigação? É obrigação, sim. E nós temos que buscar atingir esses objetivos. Coisas simples, mas que interessam a todos;, declarou.
A partir daí, o presidente engatou um forte discurso sobre os feitos do Executivo. Mencionou o projeto de lei que ampliou o prazo de validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de cinco anos para 10, e a extinção do horário de verão. Ele também enalteceu o selo agrícola ; pauta principal anunciada na ausência do pacote econômico ;, que regulamenta a comercialização de produtos artesanais nos mercados externo e interno. Ali, abriu brecha para a defesa que ocupou mais espaço no discurso: a da indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à embaixada brasileira em Washington (leia na página ao lado).
Desafios
A análise feita por parlamentares ouvidos pelo Correio após o evento, no Salão Nobre do Palácio do Planalto, é de que os discursos são mais profundos do que deixam transparecer. Um deputado aliado aponta para muitos desafios no pós-Previdência. Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), ausente na cerimônia de ontem, deve se articular para não deixar o governo impor sua agenda e negociará ponto a ponto as prioridades futuras.
No Senado, com a Previdência em pauta no segundo semestre, além da sabatina a Eduardo Bolsonaro, as batalhas vão se avolumar. ;O que prevejo para os próximos 200 dias é algo não muito diferente do que foram esses primeiros meses. O Executivo precisará de muita ajuda para evitar que o Congresso o escanteie ou continue cobrando um custo político elevado para que tenha seu espaço no Parlamento;, ponderou um parlamentar.
Os desafios se acentuam, sobretudo em vista do decreto editado ontem pelo governo, que amplia critérios gerais para que indicados a cargos em comissão cumpram exigências específicas, como formação acadêmica compatível com a função. Especificar demais seria uma barreira ao toma lá, dá cá, de governos anteriores. Além disso, novas promessas foram feitas, como a de um governo ;100% digital; até o fim do mandato. O problema é que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), pouco mais de metade dos brasileiros (62%) tem acesso à internet. O Ministério da Economia, responsável pelo projeto, estima que, em dois anos, a ideia esteja completamente implementada.
Coleção de controvérsias
Veja temas que marcaram os 200 dias de governo
; Filho para embaixada
Pela primeira vez na história, o filho
de um presidente da República pode assumir uma embaixada do Brasil.
O deputado Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP) é a escolha do Planalto
para ocupar o posto em Washington (EUA). Associações de classe, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e parlamentares criticaram a atitude. Uma PEC contra indicações fora
da carreira diplomática circula
na Câmara.
; PEC das aposentadorias
A aprovação em primeiro turno da reforma da Previdência foi considerada uma vitória do Planalto na Câmara, mas o presidente viu-se envolvido em controvérsia com a liberação de emendas ;em troca; de votos na PEC. A tentativa frustrada
de votar o segundo turno do projeto antes do recesso parlamentar foi tratada como revés para Bolsonaro, que pretendia aprovar o texto no primeiro semestre.
; Mudanças na Esplanada
Retirar do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a articulação do governo; demitir da Secretaria de Governo o general Santos Cruz (que teria se desentendido com o filho 02
do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro); e colocar o ex-ministro Floriano Peixoto no comando dos Correios para uma eventual privatização causaram apreensão sobre influência dos filhos no governo.
; Sérgio Moro
Divulgação de mensagens hackeadas envolvendo o ministro da Justiça, Sérgio Moro, quando era juiz fez com que a Câmara e o Senado pedissem explicações ao governo. O ex-magistrado compareceu a audiências nas Casas e conseguiu atenuar o impacto das supostas revelações. Porém, novas reportagens sobre o assunto seguem arranhando a imagem do ministro e do presidente.
; Reforma tributária
Um dos temas que vai dominar a pauta do Congresso no segundo semestre é a reforma tributária. Além dos projetos enviados por Câmara e pelo Senado, novo texto foi apresentado pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). A grande quantidade de matérias diferentes sobre o mesmo assunto é sinal de que falta negociação entre o Planalto e o Congresso, que disputa protagonismo com o presidente da República.
; Ministro evangélico
Após chamar o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU)
de ;terrivelmente evangélico;, o presidente disse que busca alguém com esse perfil religioso para uma futura vaga no STF. Como o Estado é laico (respeita todas as religiões e não se rege por elas), escolher o próximo ministro da mais alta Corte do país baseado em crenças vai contra o discurso do presidente Bolsonaro
de ;escolher uma equipe técnica;.