Ana Dubeux
postado em 21/07/2019 08:42
Miriam Leitão é uma das profissionais mais importantes e completas do jornalismo brasileiro. Colunista, escritora, intérprete dos mais áridos temas da economia, do meio ambiente, da política, da cultura, do Brasil que vivemos e tivemos ontem e hoje. Talvez, por isso, os ataques contra ela sejam cada vez mais raivosos, covardes, desrespeitosos, vorazes até. Os urubus à espreita não querem carne podre. Precisam da inteligência e da humanidade alheias para talvez reverberar algo que importe.
Miriam Leitão importa. Não para mim ou para você somente, mas para um Brasil que pensa, reflete, analisa, concorda e diverge. Importa para nossos filhos e netos. Importa para a democracia. Já faz algum tempo, a imprensa profissional é alvo de perseguições e de tentativas de controle. Mais que isso: ninguém pode fazer comentários lúcidos, verdadeiros e inteligentes no Brasil sem ser alvo de patrulhas. Basta lembrar da perseguição à dissidente cubana Yoani Sánchez na visita dela ao Brasil. Contudo, desde a eleição de Jair Bolsonaro, esse ambiente de intolerância se agravou. Tornou-se ainda mais hostil. Há, hoje, um levante ainda mais radical contra a discussão de temas, a pluralidade de ideias, o debate livre e respeitoso. Não por isso havemos de nos calar.
A voz que impera não pode ser a dos radicais sanguinolentos, dos preconceituosos, dos machistas, dos sexistas. Ir ou não ir a uma feira literária pode não fazer tanta diferença na vida de pessoas como Miriam Leitão e Sérgio Abranches. Mas fará falta a quem deveria ou poderia ouvi-los. O silêncio é opressor quando não consentido. A organização da feira errou ao cancelar o convite. Chamassem a força nacional se preciso fosse. A ofensiva contra Miriam trata-se tão somente de um desejo quase libidinoso dos radicais de falar mais alto, de atirar mais longe, de bater mais forte, de provar que estão ; afinal ; vivos.
Por muito tempo recolhidos no escuro de suas próprias vidas, fascistas saíram do buraco onde se encontravam, olharam em volta, identificaram uma liderança forte e agora estão por aí abdicando de qualquer escrúpulo para falar ou fazer aquilo que lhes apraz. O preconceito, a discriminação, o machismo, o racismo vão se legitimando como espaço de voz público. Um risco não apenas para a democracia, mas para a vida humana.
Bolsonaro não se elegeu presidente respaldado em mentiras, embora tenha se favorecido com fake news. Seus eleitores sabiam de quem se tratava. Ele não pisava em ovos nem falava ao pé do ouvido para defender suas causas: a favor das armas, contra mudanças que beneficiam minorias, admirador de torturadores. Nunca precisou criar fatos. E nem os cria agora. Nunca precisou justificar atos nem tenta agora. O presidente é o que sempre foi. Quem se surpreende com suas falas é porque relevou o que dizia ou preferiu não ouvi-lo.
Bolsonaro nunca mentiu sobre suas crenças e teve liberdade para expor suas ideias. Mas dizer que Miriam Leitão não foi torturada e que participou da luta armada não é apenas negar a história, é uma versão fake da história. O que está em jogo não são as ideias de Miriam, atacada pela esquerda e pela direita. Estamos falando aqui de liberdade de expressão, de direitos e deveres numa democracia. Miriam já tem a admiração de muitos. Merece nosso respeito e nossa defesa sistemática. Não apenas por ela, mas por todos nós, sobretudo por mulheres que sempre tiveram de lutar por um lugar de fala. Sim, nós conseguimos e não vamos perdê-lo para os cães ferozes ; daqui a pouco, eles podem morder o próprio o rabo.