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Dodge se arrisca a perder apoio de Toffoli ao questionar decisão sobre Coaf

Ao questionar a decisão do presidente do STF sobre processos baseados em dados do Coaf, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, aumenta tensão entre MP e Judiciário

Bernardo Bittar
postado em 25/07/2019 06:00
O recurso de Raquel Dodge contra a decisão de Dias Toffoli foi criticado por ministros da CorteA procuradora-geral da República, Raquel Dodge, aumentou a tensão entre o Ministério Público e o Judiciário ao recorrer da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de suspender todas as investigações com base em dados repassados por Receita Federal, Banco Central e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Além disso, com o movimento, ela pode perder um forte aliado numa eventual recondução ao comando da PGR.

Até 18 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro deve indicar o chefe do Ministério Público Federal (MPF). Ele recebeu da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) uma lista com três nomes: Mário Bonsaglia (subprocurador), Luiza Fricheinsen (subprocuradora) e Blaul Dalloul (procurador regional). Mas o chefe do Planalto pode escolher alguém que não está na lista. Dodge já se disse à disposição para continuar na função. Por isso, colegas da PGR avaliam que o momento do embate com Toffoli é inconveniente para ela. Integrantes do gabinete da procuradora-geral também alertam: ;Não é hora de brigar;.

A decisão de Toffoli, em caráter liminar, foi dada em resposta a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL/RJ), investigado no Rio de Janeiro no caso Queiroz. Na terça-feira, a procuradora-geral questionou a suspensão de todas as investigações. ;Não acredito que tenha sido um caso extremo, mas criou-se, ali, uma nova narrativa para alimentar a tensão entre o Judiciário e o Ministério Público;, complementa um assessor de Dodge.

A PGR detalhou, no recurso que apresentou à Corte, parte do que considera "obscuridades" da decisão. Ela afirmou que a determinação do ministro não pode englobar todas as investigações em andamento no país porque extrapola as condições iniciais do caso, e um juiz não pode ir além do que é solicitado pelas partes.

Em conversa ao Correio, um dos ministros da Corte disse que ;não é assim que se trata um presidente nem um tribunal da magnitude do Supremo;.

Caberá, agora, a Toffoli decidir se modifica algum ponto da decisão ou se leva o assunto diretamente ao plenário do STF, onde pode haver discussão do mérito. ;Tenho certeza de que o colegiado só vai analisar essa questão se o presidente tiver todo o apoio necessário para derrubar os questionamentos dos procuradores;, complementa o ministro. A reanálise do pedido de Raquel Dodge estenderia ainda mais o mal-estar entre as instituições. ;É desnecessário;, emendou o magistrado.

O mesmo pensamento ecoa nos corredores da sede da PGR. ;Não é hora de brigar. Se a Raquel ainda quer a recondução, precisa fazer as pazes com Toffoli. Até porque eles dois sempre foram próximos;, disse um integrante do gabinete. Outros procuradores ouvidos pelo jornal saíram em defesa da chefe, dizendo que ;o questionamento faz parte do trabalho; e que ;não há razão para se discutir isso. Raquel apenas fez o trabalho dela;. Nem Dodge nem Toffoli comentaram o caso.

Movimentação atípica

Flávio Bolsonaro é investigado por movimentações financeiras atípicas em sua conta bancária. De acordo com o Coaf, o parlamentar recebeu em sua conta 48 depósitos entre junho e julho de 2017, num total de R$ 96 mil. As informações foram usadas pelo Ministério Público
do Rio de Janeiro para abrir investigação contra o senador e seu ex-assessor Fabrício Queiroz. No documento enviado ao Supremo, os advogados do senador argumentam que ele teve seu sigilo fiscal e bancário quebrado ilicitamente.

Pontos ;obscuros;

Veja os questionamentos de Dodge em relação à decisão de Toffoli

1. A decisão foi mais ampla do que a discussão original do recurso que espera análise da Corte e em que houve o pedido de Flávio Bolsonaro. A PGR afirma que o caso tratou de contribuintes multados pela Receita em 2003, e não sobre compartilhamento do Coaf.

2. As ações citadas por Toffoli, decididas pelo plenário do STF em 2016 autorizando a Receita a obter dados bancários sem autorização judicial, não trataram de compartilhamento de dados com o Ministério Público.

3. A decisão não poderia ter alcançado todos os processos em andamento, incluindo pessoas presas, mesmo contra o fato de que o STF já decidiu, em outra ocasião, que não pode haver suspensão de inquérito policial e procedimento do MP em repercussão geral (instrumento usado por Toffoli).

Pedido de impeachment

Os advogados Modesto Carvalhosa e Luís Carlos Crema e o desembargador aposentado Laércio Laurelli protocolaram, nesta quarta-feira (24/7), no Senado, uma denúncia com pedido de impeachment do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com os autores, provas indicam que o magistrado não tinha ;reputação ilibada; quando foi indicado para ocupar uma cadeira no STF pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

;O denunciado tinha ligação estreita, de amizade e profissional, com a organização criminosa comandada pelo alto escalão do Partido dos Trabalhadores (PT), ligações íntimas com os condenados Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno;, diz um trecho do documento.

Eles também acusam Toffoli de ter se beneficiado pessoalmente ao decretar a suspensão de todas as investigações que usam dados do Coaf. Segundo os impetrantes, o ministro tomou a decisão após saber que a Receita Federal havia iniciado uma fiscalização no escritório de advocacia da mulher dele, Roberta Maria Rangel.

Os autores argumentam, ainda, que a decisão afronta jurisprudência pacificada pelo STF, ;assentada na desnecessidade de autorização judicial para instaurar inquéritos, investigações ou procedimentos quando o Coaf comunicar às autoridades competentes a existência de crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de bens e financiamento ao terrorismo;.

Segundo a denúncia, o conjunto probatório demonstra que Toffoli se valeu da decisão para satisfazer interesses pessoais, ;violando os princípios da moralidade e da impessoalidade e incorrendo em crime de responsabilidade, ilícito criminal e infração disciplinar;. A reportagem procurou a assessoria de imprensa do STF e o gabinete da presidência da Corte, mas não conseguiu contato.

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