postado em 30/07/2019 04:03
Uma briga que durou cinco horas entre as facções do Comando Vermelho (CV) e do Comando Classe A (CCA) dentro do Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará, deixou 57 mortos ontem. Quarenta e um homens morreram por asfixia devido a um incêndio e 16 corpos foram encontrados decapitados. A tragédia foi a maior em presídios do país neste ano, que já acumula mais de 100 mortes causadas por rebeliões de presos integrantes de organizações criminosas. Desde 2017, já são, pelo menos, 259 mortes (veja quadro). A chacina expôs mais uma vez as mazelas do sistema prisional e obrigou o governo federal a intervir no problema.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, determinou a transferência de presos envolvidos no massacre para presídios federais de segurança máxima. Alguns poderão ser deslocados para Brasília, como já ocorreu anteriormente, provocando reação do governador do DF, Ibaneis Rocha. Ontem, Moro conversou com o governador do Pará, Helder Barbalho. No início da tarde, foi realizada uma reunião de emergência para tratar do assunto com o secretário Nacional de Segurança Pública Adjunto, Freibergue Rubem do Nascimento; o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e outras autoridades da área.
Segundo a Superintendência do Sistema Penitenciário (Susipe) do Pará, um acerto de contas entre os integrantes das facções iniciou a confusão em Altamira. Detentos do bloco A, onde ficam presos do CCA, invadiram o anexo em que estavam presidiários do outro grupo, no horário da destranca para o café da manhã, às 7h. Durante o motim, dois agentes penitenciários foram feitos reféns, mas acabaram liberados. Na sequência, líderes do CCA colocaram fogo em uma cela do pavilhão com integrantes do CV e trancaram a sala. Por ser uma unidade mais antiga, construída a partir de um contêiner com alvenaria, as chamas se alastraram de forma rápida e os presos que inalaram a fumaça do incêndio não resistiram.
O presídio passou por uma situação parecida no ano passado. Em setembro de 2018, sete detentos do Centro de Recuperação foram mortos durante um motim. A pouca distância entre os eventos e a gravidade da tragédia de ontem voltam a colocar a precariedade dos presídios brasileiros em debate. De acordo com uma avaliação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), feita neste mês, o Centro de Recuperação Regional de Altamira estava superlotado e em péssimas condições.
A inspeção revelou que a penitenciária tem capacidade para 163 pessoas, mas abrigava 343 detentos. Além disso, apenas 33 agentes penitenciários trabalham no local. ;O quantitativo de agentes é reduzido frente ao número de internos custodiados, o qual já está em vias de ultrapassar o dobro da capacidade projetada;, diz trecho do relatório. Entre os presos, 308 cumprem pena em regime fechado e outros 35 estão no semiaberto. No entanto, o Centro de Recuperação Regional não tem área separada para abrigá-los.
Os números são diferentes dos divulgados pela Susipe. Segundo o órgão estadual, a capacidade do Centro de Recuperação Regional de Altamira é de 208 pessoas e atualmente abriga 309 internos. Em entrevista coletiva após a tragédia, no entanto, o secretário extraordinário estadual para assuntos penitenciários, Jarbas Vasconcelos, afirmou que não há superlotação. ;Estamos aguardando a entrega de uma nova prisão pela Norte Energia, que deve ficar pronta até dezembro. Esperamos, assim, ter um espaço mais seguro e moderno na região da Transamazônica;, disse.
Retrato nacional
Professor do programa de pós-graduação em segurança pública da Universidade Federal do Pará e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Edson Ramos considera o sistema prisional paraense um retrato nacional da superlotação. ;Todos os presídios carecem de mais vagas. O que aconteceu em Altamira não era esperado, mas é o mesmo episódio de domínio e disputa entre facções. É preciso olhar para a realidade do número de vagas no país e ter uma divisão maior por tipo de criminalidade;, disse.
Para o consultor internacional de segurança Leonardo Sant;Anna, os recentes massacres mostram que o país carece de políticas públicas destinadas à melhoria do sistema penitenciário. Segundo ele, isso resulta em péssimas condições de trabalho e de segurança nas cadeias. ;Temos equipamentos de trabalho extremamente defasados. O investimento pífio em relação a esse material impede que o profissional de segurança faça frente a uma situação de confronto como a de ontem;, alertou.
Além disso, Sant;Anna ressaltou que os estabelecimentos prisionais do país não possuem qualquer condição de acomodar a quantidade significativa de detentos que o Brasil tem hoje, que, segundo o Conselho Nacional de Justiça, são pelo menos 812 mil. Para ele, o governo deveria investir na criação de mais unidades penitenciárias, focadas não em punir os presidiários, mas em ressocializá-los. ;Precisamos de mais investimento em inteligência nos ambientes prisionais, para mudar o pensamento atual de encarceramento punitivo das pessoas, que sabidamente vão se digladiar nesses ambientes;, analisou.
Prisões preventivas
Para o ex-secretário Nacional de Segurança Pública, coronel José Vicente da Silva Filho, o abarrotamento do sistema carcerário se deve às prisões preventivas. ;Falta uma política de âmbito nacional que ajudasse a estimular e induzir os governos estaduais a cuidar melhor do estoque de presos. O estado tem de considerar que esses presos que morreram estavam sob sua guarda. Então, ele tem, sim, grande responsabilidade;, afirmou.
Pesquisador em criminalidade da Universidade de Brasília (UnB), Felipe Freitas considera as decisões do Poder Judiciário como um ponto fundamental para evitar crises no sistema prisional. ;Garantir o cumprimento do código de processo penal para que as pessoas possam ser julgadas inevitavelmente reduziria a superlotação. Mais de 40% dos presos são provisórios, sem condenação. Esse dado demonstra a gravidade de um modelo insustentável;, ressaltou.
*Estagiária sob supervisão de
Odail Figueiredo