O movimento Brasil 200, que reúne empresários alinhados com o governo, quer influenciar as propostas de reforma tributária para defender um imposto único sobre movimentação financeira, nos moldes da CPMF. O presidente do conselho da Riachuelo, Flávio Rocha, líder do Brasil 200, esteve com o presidente do PSL, Luciano Bivar; com o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra; e está em contato com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), cogitado para apresentar a proposta no Congresso.
Rocha critica o imposto único sobre consumo e serviços, base da proposta do economista Bernard Appy, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB) na Câmara, e da que tramita no Senado, inspirada no texto do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. Ele ;estimula a informalidade e cria dificuldades para fiscalização;, afirma. ;Todos os impostos estão estressados;, acrescenta.
Assim como o governo, o Brasil 200 propõe um imposto sobre movimentação financeira e considera viável uma alíquota inicial de 0,6% em cada operação (débito e crédito), a ser implementada de forma gradual. O tributo substituiria a contribuição patronal do INSS sobre a folha de salários, o PIS-Cofins, e eliminaria 50% da contribuição previdenciária via Simples. Pelas contas do empresário, o novo imposto teria um poder arrecadatório de R$ 500 bilhões por ano.
Rocha admite que a sigla CPMF soa como palavrão para boa parte da sociedade, inclusive no Congresso, mas promete ;dar a cara para bater; em defesa da proposta. Veja a entrevista concedida ao Correio:
O senhor tem criticado as propostas tributárias que se baseiam nos impostos sobre a produção. Mas muitos economistas defendem o modelo baseado no IVA (imposto sobre Valor Agregado). Por que o IVA não serve?
Essas propostas baseadas no IVA são binárias. Como as do (Bernard) Appy e do (Luiz Carlos) Hauly, que veem nesse dogma, que se criou, de que o IVA é o melhor imposto. Realmente, é o mais disseminado nos países que têm pouca informalidade. Se fosse bom, já estávamos no primeiro mundo, pois temos três IVAs: o ICMS, que é o mais pesado do mundo, com alíquota que chega a 38%; o Pis/Confins, que é, de longe, o mais complexo e burocratizado dos impostos; e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Essas bases, principalmente o ICMS, estão absolutamente saturadas. O sistema tributário é uma complexa construção de tentativa e erro para identificar qual o grau de desaforo tributário, que é o termo que eu tenho usado para designar o que cada cadeia produtiva aguenta.
O senhor afirma que a tributação baseada no consumo gera mais informalidade?
Tem cadeias produtivas, como a da indústria automobilística, a de telecomunicações, e a de energia elétrica, que são blindadas contra informalidade, mas há outras muitos frágeis, que convivem do lado da informalidade. É o varejista que tem um camelô na frente dele, ou um restaurante que tem um food truck na calçada. Isso varia de cadeia para cadeia. Uma coisa é energia elétrica, outra é uma joia, um diamante. Essa ilusão de que a carga tributária está distribuída com justiça social e progressividade é uma balela, porque, enquanto um anel de diamantes tem 12% de ICMS, e é um setor altamente informal, a conta de energia de um barraco em uma favela tem 38% do mesmo ICMS. Então, não tem progressividade. Todos os impostos estão estressados. Na semana passada, o governo do Rio de Janeiro baixou a tributação de restaurantes de 12% para 4%. Eu já antecipo o que vai acontecer: vai explodir a arrecadação, porque em um setor que é predominantemente informal, por 4% ele passa a ser formal.
Qual seria a alíquota da nova CPMF e quais impostos ela substituiria?
Começaria com 0,6% em cada operação (débito e crédito), substituindo os mais distorcivos. O primeiro seria o imposto sob emprego, que é o mais cruel, que é a contribuição social sobre a folha. Depois o PIS e a Cofins, os mais caóticos. Depois, já pode começar a colocar o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e da Física em um patamar mais palatável, comparável internacionalmente, porque, hoje, chega a 45% para bancos. E eliminaria também os 50% da contribuição previdenciária via Simples. Grosso modo, quem contribui para o Simples, pagaria a metade do que paga hoje, na média. Então, vai tirando os mais distorcivos. Com isso, 0,6% já banca isso aí.
Como evitar o aumento da carga tributária?
É preciso um mecanismo para evitar que isso ocorra. Tem que ter uma trava, senão o governo gastador se anima e aumenta as despesas girando o botão e, daqui a pouco, está arrecadando 50% do PIB sem ninguém perceber. No passado, quando ele arrecadava 2% do PIB (com a CPMF), ninguém notava, porque a alíquota era baixa.
Qual seria o potencial arrecadatório?
Seria de R$ 500 bilhões. Com alíquota de 0,6%, a partir do próximo ano, você já banca. Vou deixar a minha contribuição para o debate. Eu não sou tributarista, mas tenho muitas horas de barriga no balcão. Eu vejo como é sensível essa questão de setores que submergem e setores que formalizam. Então, quando eu vejo passar o trator nesse aprendizado da tolerância tributária, tenho muita preocupação, porque isso significa o desaparecimento da formalidade em setores inteiros.
Mas não tem risco da informalidade por conta da CPMF? As transações não podem voltar a ser em dinheiro?
Sonegar só faz sentido se for mais barato do que a economia dos impostos. Para sonegar um IVA de 30%, tudo vale a pena, vender sem nota, dar uma propina para o fiscal. Mas quando você cresce a base, qualquer alternativa de sonegação custa mais caro do que pagar o imposto. A inflação está baixa, mas, para manter dinheiro fora, perde-se custo oportunidade. Imagine a logística de carros blindados. E outra coisa, a emenda Campos Bulhões tornou ilegal vender sem nota. Quando a base tributária migrar da mercadoria para o débito e o crédito, do átomo para o byte, vai ser a mesma coisa. Uma liquidação só será válida juridicamente se estiver representada no meu extrato com débito e crédito. É muito mais fácil fiscalizar as transações de um agente econômico do que transacionar bilhões de fluxos de mercadorias.
Com os juros mais baixos, pode começar a valer a pena?
Mesmo com os juros zero. Hoje, um pequeno comerciante paga 4% para a conveniência de usar o cartão de crédito. Isso já foi testado, e não aconteceu essa monetização. Não tenho o menor temor. A decisão de você sair do sistema bancário e ir trabalhar com caixa de sapato ou malotes é uma decisão que tem que ser tomada em 100%, porque ficar entrando e saindo do sistema bancário fica caro. E, volto a dizer, uma liquidação só será válida juridicamente tendo transitado pelo sistema bancário. Custa tão mais caro monetizar que as pessoas vão perceber, pelo custo do cofre forte, pelo custo da logística, de carros blindados para recolher dinheiro e de segurança...
A proposta de vocês é parecida com a do governo. É possível unificar as duas?
Eu acho que tem que desfulanizar essa questão. Tem que ser uma guerra de bases tributárias, não de egos. Tem um grupo de propostas (Hauly-Appy), cujo núcleo é uma base tributária que não convive com a nova economia que está se desenhando, que é colaborativa, ;uberizada;, não linear. É essa a base para qual o Brasil reúne todas as condições. Nenhum país está tão pronto para migrar sua tributação da mercadoria para o byte como Brasil está. O país é a economia mais desmonetizada do mundo. Tem 3% de papel-moeda sobre o PIB. É muito pouco. E a conveniência do sistema bancário moderno é tão grande, que é praticamente impossível abrir mão dessa conveniência toda por causa de uma alíquota de um dígito. Mas a palavra CPMF é como um palavrão pra muitos, inclusive no Congresso... Esse é o nosso desafio, e eu estou dando a cara para bater.