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Ex-advogado Geral da União Fábio Medina faz alerta contra milícia digital

Ex-advogado-geral da União diz que, se o STF autorizar o uso da prova ilícita, vai permitir que hackers atuem em qualquer investigação

Ana Dubeux, Leonardo Cavalcanti, Renato Souza, Rosana Hessel
postado em 06/08/2019 06:00

Ex-advogado-geral da União diz que, se o STF autorizar o uso da prova ilícita, vai permitir que hackers atuem em qualquer investigaçãoConhecido por suas opiniões fortes e incisivas, Fábio Medina Osório, de 52 anos, advogado-geral da União do governo Michel Temer, deixou o setor público para atuar na área do direito criminal em Brasília. Em entrevista ao Correio, ele avalia a crise instalada no Poder Judiciário e no Ministério Público em razão da divulgação de supostos diálogos envolvendo o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e procuradores da Lava-Jato. Na visão do jurista, a operação está sofrendo ataques que a colocam em risco.

O defensor afirma que a decisão mais prejudicial para o andamento das investigações pode vir do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o ex-AGU, caso aceitem que conversas vazadas por hackers sejam usadas em ações na Corte, ministros do Supremo abrirão precedentes para que invasões a eletrônicos se tornem meios de coletar prova. Osório assumiu o cargo de AGU em março de 2016, e saiu em setembro do mesmo ano, acusando o governo de tentar parar a maior operação de combate à corrupção do país. Atuou durante 14 anos no Ministério Público do Rio Grande do Sul e se especializou em combate à corrupção. Confira trechos da entrevista:


O senhor acredita que a divulgação dos conteúdos das supostas conversas trocadas entre procuradores pode levar ao afastamento do procurador
Deltan Dallagnol?


Eu acho que a premissa fundamental que deve nortear qualquer decisão administrativa ou judicial sobre esse assunto é a questão da origem da prova que vai ser utilizada pelo órgão julgador, seja ele judicial, seja administrativo. Essa prova foi obtida por meios criminosos. E mais do que isso: por uma organização criminosa através de invasão ilícita de equipamentos de autoridades públicas que estavam empreendendo investigações em uma operação de magnitude ímpar de combate à corrupção no Brasil. Essa prova é considerada juridicamente imprestável à luz da jurisprudência do STF. Nós entendemos que, pelos precedentes já consolidados em inúmeras ocasiões, é impossível abrir investigações ou processo a partir do uso dessa prova. Ela não tem sua autenticidade verificada nem é passível de verificação. São dois pilares importantes: uma coisa é a autenticidade verificada e a outra é a autenticidade passível de ser verificada. Para ela ser verificada, é necessário deflagrar algum tipo de apuração. E o suporte para isso é a própria prova ilícita. Então, à luz da jurisprudência do STF, é inviável deflagrar apurações e investigações com suporte em prova ilegal.

Quando dizem que são ;mensagens obtidas de maneira criminosa;, os envolvidos não estão confirmando o conteúdo?
Não. ;Mensagens obtidas de maneira criminosa; é uma premissa incontestável, e a autenticidade está negada em todas as manifestações dos envolvidos. E a própria forma de veicular essa matéria, as mensagens, já pressupõe a edição delas. O The Intercept confessou que veicula as matérias a partir de uma edição. A autenticidade é posta em xeque automaticamente.

Mas agora se tem o material verdadeiro. Poderia se provar se esse material é real ou não.
O material pode ter sido editado pelo próprio hacker. Isso é perícia, e aí, para fazer perícia, se esbarra no óbice do STF. Perícia é apuração, é investigação. Não se deflagra uma operação com base em prova ilícita. No Brasil você tem métodos de investigação. Tudo seria permitido se a investigação fosse aberta por qualquer meio. Se nós autorizássemos a coleta de provas por parte de hackers, tudo seria permitido. Aí começa a deflagrar investigação com base no que ele invadiu e aí a própria autoridade policial vai contratar hacker. Teria início, então, uma atividade paraestatal. Assim como hoje existem as milícias, teríamos os milicianos digitais. Se o Supremo autorizar o uso dessas provas, com essa origem, vai criar os milicianos digitais.

Então o ministro Luiz Fux errou ao determinar que esse material não seja destruído?
Não errou. Eu acho que o material não deve ser destruído, por enquanto. Realmente, é um material que tem que ser resguardado, porque as investigações estão em curso. Tem que ter confronto, cortejo, pode ter até perícia, mas veja, uma coisa é o material ser preservado no interesse da investigação, outra coisa é você imaginar que isso possa ser utilizado seja para absolver, seja para desmontar a operação, ou seja para condenar alguém.

Em entrevista ao Correio, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o Supremo vai ter que analisar se esse tipo de prova pode ser utilizada para defesa, por exemplo.
O STF tem uma jurisprudência já muito segmentada no sentido de qual tipo de prova ilícita pode ser utilizada pela defesa. É aquela prova que foi obtida, por exemplo, em legítima defesa, mas é a prova que já é cabal, já é crível, fidedigna, certificada por si só. Não a prova que ainda careça de uma investigação.

O ministro Gilmar Mendes fala que se criou em Curitiba um estado paralelo. Como o senhor avalia essa afirmação?
Eu não vejo estado paralelo instalado no Brasil. Vejo uma necessidade de aperfeiçoamento das relações entre magistratura e MP, de aprimoramento das nossas instituições fiscalizadoras.

Os supostos diálogos revelam que Deltan Dallagnol fez movimentos para investigar o ministro Dias Toffoli e pessoas próximas de Gilmar Mendes. Ele pode fazer isso?
Eu acho difícil analisar esses elementos, essas informações, porque são todas passíveis de terem sido editadas e são oriundas de prova ilícita. É proibido que uma autoridade de primeira instância investigue alguém com prerrogativa de foro. Isso caracterizaria um ilícito funcional, se tivesse ocorrido. Mas o familiar de alguém não tem imunidade.

O procurador pode investigar sem a indicação de crime?

Não pode. Os limites do poder investigatório estão muito bem delineados no regramento interno do próprio MP. Então, quando há um abuso do poder investigatório, obviamente o MP, ou um membro de lá, se submete também ao rigor da esfera disciplinar própria.

De acordo com as conversas que vieram a público, houve cerceamento de defesa?

É muito complicado falar em cerceamento de defesa. Todas as condenações e absolvições, as decisões que têm sido tomadas pela Justiça no âmbito da Lava-Jato, eu acredito que têm preservado os direitos de defesa, porque têm passado por várias instâncias. Os advogados têm conseguido trabalhar dentro dessa esfera. Eu não acredito que a Lava-Jato tenha vulnerado o direito de defesa. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) atuou, o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4; Região) atuou. Acho que é uma tentativa de ferir o Estado democrático brasileiro por meio de investigação com hackers e utilização de prova ilícita para tentar macular a imagem do Brasil.

A produção de prova ocorre na 1; instância. Uma falha nessa etapa não contamina todo o resto?
Eu acho que a produção de prova aconteceu com ampla dilação. Eu não vejo, por exemplo, nenhuma afirmação de que a defesa foi impedida de produzir prova. Não teve. Nenhum desses materiais mostra isso. Em qual momento mostra o juiz combinando, forjando prova ou dizendo que vai impedir a defesa de produzir um laudo?

Sérgio Moro se tornou ministro do opositor do ex-presidente Lula durante a campanha;

Mas em que momento o juiz diz que impedia a defesa de acessar uma prova?

Então não houve parcialidade?
O juiz tem que ser imparcial. Ele tem sua formação ideológica. Ele pode ter uma convicção, mas ele não pode ter a independência tocada. Ele não pode impedir o réu de produzir provas.

A ida ao governo não é uma prova?
Isso não é proibido. Do ponto de vista ético e moral, existe uma alegação, mas, do ponto de vista da sociedade brasileira, era o desejado. Se ele se sentiu confortável para fazer isso, acha que não altera sua imparcialidade, é um problema ético dele. Eu não creio que seja o suficiente para declarar a suspeição, por exemplo.

Juiz indicar testemunhas, pedir para afastar procuradora das audiências não representam algo combinado?
Eu não vejo como um jogo de cartas marcadas para condenar alguém. Tem que ver se a condenação foi arbitrária ou não. É na sentença que se analisa o processo, assim como na condução de audiências e produção de provas. O resto é secundário. A defesa arrolou todas as testemunhas que podia? Arrolou. Produziu todas as provas necessárias? Produziu. Estão se apegando a questões secundárias, pequenas, para tentar anular a condenação e tentar absolver um corrupto, um bandido que foi condenado com base em provas.

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