As declarações opostas do presidente Jair Bolsonaro e de integrantes da equipe econômica têm deixado analistas em dúvida se há realmente consenso dentro do governo a respeito da reforma tributária própria. Um dia depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, e do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, defenderem os pilares da proposta do Executivo, que inclui a criação de um imposto sobre pagamentos para compensar a desoneração da folha nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), Bolsonaro foi taxativo contra esse tributo. ;Já falei que não existe CPMF. Ele (Cintra) quer mexer. São tudo propostas. Então, não vai dizer lá na frente que eu recuei;, afirmou. O chefe do Planalto disse que não vai tolerar a volta desse imposto, criado, inicialmente, para socorrer a Saúde durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e extinto há 12 anos pelo Congresso.
A expectativa é que a proposta de reforma tributária do Executivo seja apresentada na próxima semana. O texto está baseado em um tripé de medidas. A primeira prevê um Imposto de Valor Agregado (IVA) federal sobre consumo e serviços. O ministro e sua equipe não acreditam que um IVA com estados e municípios possa ser aprovado facilmente, ainda mais tendo de negociar com 27 governadores e mais de cinco mil prefeitos. Por isso, não poupam críticas à proposta que tramita na Câmara, baseada no estudo do economista Bernard Appy, criando o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), resultado da integração de três tributos federais (PIS-Pasep, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS).
A segunda perna do tripé é a reforma do Imposto de Renda, e a terceira, a desoneração da folha e a criação da contribuição sobre pagamentos. Em relação a este último item, a equipe econômica vem trabalhando numa alíquota de 0,60% tanto nas operações de depósitos quanto de saques na conta corrente, mais do que o dobro da última alíquota da CPMF cobrada em 2007, de 0,38% somente sobre as retiradas. Se isso for apresentado pelo Executivo, não terá apoio no Congresso, muito menos na sociedade, de acordo com especialistas e parlamentares. Em entrevista recente ao Correio, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), disse que o Legislativo não aprovará a volta da CPMF, mesmo com uma nova roupagem.
Dentro da equipe econômica, segundo fontes próximas, Guedes não abre mão da desoneração da folha, e ele vai fazer de tudo para acabar com a tributação sobre o emprego. Nesse sentido, o imposto sobre movimentação financeira para compensar essa perda de arrecadação é fundamental na reforma. Se não for esse tributo, será preciso criar outro ;ou até mesmo reduzir a alíquota inicial proposta;. O principal argumento para essa CPMF é que a base será ampliada e a chance de evasão tributária, menor. Contudo, Guedes está incomodado com o fato de esse novo imposto ter recebido o carimbo de nova CPMF. O esforço agora será tentar convencer que são coisas diferentes, informou uma fonte próxima à equipe econômica.
Em relação à reforma do IR, alguns pontos estão bem definidos, como o fim das deduções de despesas com saúde e educação para a pessoa física, de acordo com a mesma fonte. Empresas também deverão ter redução do IR, mas passarão a ser taxadas sobre dividendos, acrescentou. O parâmetro serão outros países que não tributam investimento, de forma a estimular o gasto com capital no país.
Correção da tabela
A correção da tabela do IRPF teve o sinal verde do presidente. Ele disse pretender insistir que a faixa de isenção seja de até cinco salários mínimos, ou seja, quase R$ 5 mil, considerando o piso atual de R$ 998. ;O IR passou a ser redutor de renda. Queremos mostrar que dá para fazer diferente. Sabemos das dificuldades que o Brasil atravessa e queremos facilitar a vida das pessoas. Em vez de declarar ;X; de Imposto de Renda todo ano, quem sabe ;X; - ;Y;;, frisou.
O chefe do Executivo também admitiu que tem interesse em reduzir a alíquota máxima do IR, de 27,5%. A proposta de campanha previa que essa taxa fosse de 25%, outra clara sinalização de perda de receita num momento em que as contas públicas estão no vermelho pelo sexto ano consecutivo. ;(Temos) proposta para facilitar o IR para aumentar a base, diminuir o imposto, de 27,5%;, afirmou. ;Nós sabemos também que não são todos, mas muita gente arranja nota fiscal para justificar educação, saúde. Queremos acabar com isso, simplificando.;
O economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, considera que a proposta da Câmara tem mais chances de ser aprovada. ;Ainda não está claro se há consenso no governo sobre a reforma tributária. Por enquanto, a proposta defendida por Marcos Cintra não parece viável e será uma perda de tempo do governo no Congresso;, ressaltou. ;Ao desonerar a folha e aumentar a faixa de isenção do IR, certamente, haverá perdas. O cenário fiscal não é confortável, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência, para o governo cogitar abrir mão de receita. Nesse contexto, ele corre o risco de errar a mão e acabar aumentando a carga tributária para a população, que já é muito alta;, alertou.
;Ao desonerar a folha e aumentar a faixa de isenção do IR, certamente, haverá perdas. O cenário fiscal não é confortável para o governo cogitar abrir mão de receita;
Bruno Lavieri, economista